terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A Era das Revoluções Rumo a um Mundo Industrial


A Era das Revoluções
Capítulo 9
Rumo a um Mundo Industrial


Eric Hobsbawn
Editora Paz e Terra, da página 187 à 201
"De fato, estes são tempos gloriosos para os engenheiros"
James Nasmyth, inventor do martelo a vapor


Em 1848, somente uma economia estava efetivamente industrializada – a inglesa – e conseqüentemente dominava o mundo. Provavelmente na década de 1840, os Estados Unidos e uma boa parte da Europa Ocidental e Central já tinham ultrapassado ou se encontravam na soleira da revolução industrial. Já era razoavelmente certo que os EUA seriam finalmente considerados – dentro de 20 anos, pensava Richard Codben na metade da década de 1830 – um sério competidor dos ingleses, e em torno da década de 1840, os alemães, embora talvez ninguém mais, já apontavam para o rápido avanço industrial. Mas perspectivas não são realizações, e, por volta da década de 1840, as efetivas transformações industriais do mundo que não falava a língua inglesa ainda eram modestas. Havia, por exemplo, em 1850, um total de pouco menos de 100 milhas[1] de ferrovias em toda a Espanha, Portugal, Escandinávia, Suíça e toda a península balcânica, e, tirando os Estados Unidos, menos do que isto em todos os continentes não europeus juntos. Se excluirmos a Grã-Bretanha e algumas outras partes, o mundo social e econômico da década de 1840 pode facilmente ser visto de uma maneira não muito diferente daquele de 1788. A maioria da população do mundo, então como anteriormente, era de camponeses. Em 1830, havia, afinal de contas, somente uma cidade ocidental de mais de um milhão de habitantes (Londres), uma de mais de meio milhão (Paris) e – tirando a Grã-Bretanha – somente 19 cidades européias de mais de 100 mil habitantes.

Esta lentidão de mudanças no mundo não britânico significava que seus movimentos econômicos continuaram, até o fim de nosso período, a serem controlados pelo antiquado ritmo de boas e más colheitas, ao invés de pelo novo ritmo de booms e recessões industriais que se alternavam. A crise de 1857 foi provavelmente a primeira de alcance mundial causada por acontecimentos diferentes da catástrofe agrária. Este fato, por acaso, teve as mais extensas conseqüências políticas. O ritmo de mudanças nas áreas industriais e não industriais foi muito variado entre 1780 e 1848[2].

A crise econômica que ateou fogo a tamanha parte da Europa em 1846-8 foi um depressão do velho estilo, predominantemente agrária. Foi de certa forma a última, e talvez a pior, catástrofe econômica do ancien régime. Tal não se deu na Grã-Bretanha, onde a pior recessão do período inicial do industrialismo ocorreu entre 1839 e 1842 por razões puramente “modernas”, coincidindo de fato com baixíssimos preços do milho. O ponto de combustão social espontânea na Grã-Bretanha foi alcançado na não planejada greve geral dos cartistas, no verão de 1842 (os chamados plug-riots). Quando esse ponto foi alcançado no continente, em 1848, a Grã-Bretanha estava simplesmente sofrendo a primeira depressão cíclica da longa era de expansão vitoriana, como também a Bélgica, a outra economia mais ou menos industrial da Europa. Uma revolução continental sem um correspondente movimento britânico, como previu Marx, estava condenada. O que ele não previu foi que a disparidade entre o desenvolvimento britânico e o continental tornasse inevitável que o continente se insurgisse sozinho.

Contudo, o que é importante sobre o período que vai de 1789 a 1848 não é que, por padrões posteriores, suas mudanças econômicas fossem pequenas, mas sim que as mudanças fundamentais estavam claramente acontecendo. A primeira destas mudanças foi demográfica. A população mundial – e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla – tinha iniciado uma “explosão” sem precedentes, que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos. Visto que poucos países, antes do século XIX, tinham qualquer coisa que se parecesse com um censo, sendo os existentes de pouca confiança[3] não sabemos com precisão com que rapidez a população aumentou neste período; mas foi certamente um aumento sem precedente e maior (exceto talvez em países pouco populosos que cobriam espaços vazios e até então mal utilizados, como a Rússia) nas áreas economicamente mais avançadas. A população dos EUA (aumentada pela imigração, encorajada pelos ilimitados recursos e espaços de um continente) aumentou quase seis vezes de 1790 a 1850, ou seja, de quatro para 23 milhões de habitantes. A população do Reino Unido, quase duplicou entre 1800 e 1850, quase triplicou entre 1750 e 1850. A população da Prússia (considerada as fronteiras de 1846) quase duplicou entre 1800 e 1846, o mesmo acontecendo na Rússia européia (sem a Finlândia). As populações da Noruega, da Dinamarca, da Suécia, da Holanda e grandes partes da Itália quase duplicaram entre 1750 e 1850, mas cresceram a uma taxa menos extraordinária durante nosso período; as da Espanha e Portugal aumentaram em um terço.

Fora da Europa, estamos menos bem informados, embora pareça que a população da China aumentou a uma rápida taxa nos séculos XVIII e início do XIX, até que a intervenção européia e o tradicional movimento cíclico da história política chinesa produzissem a derrocada da florescente administração da dinastia Manchu, que se achava no auge da eficiência nesse período[4]. Na América Latina, a população provavelmente cresceu a uma taxa comparável à da Espanha. Não há nenhum sinal de qualquer explosão populacional em outras partes da Ásia. A população da África provavelmente permaneceu estável. Somente certos espaços vazios habitados por colonizadores brancos aumentaram a uma taxa realmente extraordinária, como a Austrália, que em 1790 virtualmente não tinha habitantes brancos, mas por volta de 1851, tinha meio milhão.

O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia, embora devêssemos considerá-la antes como uma conseqüência do que como uma causa exterior da revolução econômica, pois sem ela um crescimento populacional tão rápido não poderia ter sido mantido durante mais do um limitado período. (De fato, na Irlanda, onde não foi suplementado por uma revolução econômica constante, esse crescimento não foi mantido.) Ele produziu mais trabalho, sobretudo mais trabalho jovem e mais consumidores. O mundo desse período foi bem mais jovem do que qualquer outro anterior: cheio de crianças, com jovens casais ou pessoas no auge da juventude.

A segunda maior mudança foi nas comunicações. Segundo consenso geral, as ferrovias estavam apenas na infância em 1848, embora já fosse de considerável importância prática na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na Bélgica, na França e na Alemanha. Mas mesmo antes da ferrovia, o desenvolvimento das comunicações foi pelos padrões anteriores empolgante. O império austríaco, por exemplo, (excluindo a Hungria) acrescentou mais de 30 mil milhas de estradas entre 1830 e 1847, multiplicando assim sua rede de estradas quase duas vezes e meia. A Bélgica quase duplico sua rede de estradas entre 1830 e 1850, e até a Espanha, graças em grande parte à ocupação francesa, quase duplicou sua diminuta teia viária. Os Estados Unidos como de costume, mais gigantescos em seus empreendimentos do que qualquer outro país, multiplicou seu sistema viário para carruagens em mais de oito vezes, de 21 mil milhas em 1800 para 170 mil em 1850. Enquanto a Grã-Bretanha adquiria seu sistema de canais, a França construía 2 mil milhas deles entre 1800 e 1847 e os Estados Unidos abriam rotas fluviais tão importantes como as do Lago Erie, do Chesapeake e do Ohio. O total da tonelagem mercante do mundo ocidental mais do que duplicou entre 1800 e o início da década de 1840, e já os navios a vapor uniam a Grã-Bretanha e a França (1822) e subiam e desciam o Danúbio. (Em 1840, haviam cerca de 370 mil toneladas de navios a vapor comparadas a nove milhões de toneladas de navios a vela, embora isto já representasse na verdade cerca de um sexto da capacidade de carga.) Novamente aqui os americanos ultrapassaram o mundo, competindo até mesmo com os britânicos quanto a posse da maior frota mercante[5].

Também não devemos subestimar a melhoria da velocidade e da capacidade de carga assim alcançadas. Sem dúvida que o serviço de carruagens que conduziu o czar de todas as partes da Rússia de São Petersburgo a Berlim em quatro dias (1834) não estava a disposição de pessoas menos importantes, mas já era disponível o novo e rápido correio (copiado dos franceses e dos ingleses) que depois de 1824 ia de Berlim a Magdeburgo em 15 horas, aos invés de dois dias e meio. A ferrovia e a brilhante invenção de Rowland Hill da cobrança padronizada para a matéria postal em 1839 (suplementada pela invenção do selo adesivo em 1841) multiplicaram os correios, mas mesmo antes de ambas as invenções, e em países menos adiantados que a Grã-Bretanha, ele cresceu rapidamente: entre 1830 e 1840, o número de cartas anualmente despachadas na França subiu de 64 para 94 milhões. Os navios a vela não eram simplesmente mais rápidos e mais seguros, eram em média maiores também.

Tecnicamente, sem dúvida, estas melhorias não foram tão inspiradoras quanto as ferrovias, embora as arrebatadoras pontes, que se curvavam sobre os rios, as grandes vias aquáticas artificiais e as docas, os esplêndidos veleiros deslizando como cisnes a toda vela e as novas e elegantes carruagens do serviço postal fossem e continuem a ser alguns dos mais belos produtos do desenho industrial. Mas como meio para facilitar as viagens e os transportes, para unir a cidade ao campo, as regiões pobres às ricas, as ferrovias foram admiravelmente eficientes. O crescimento da população deveu muito a elas, pois o que em tempos pré-industriais o retardava não era tanto a alta taxa de mortalidade mais sim as catástrofes periódicas – freqüentemente muito localizadas – de fome e escassez de alimentos. Se a fome se tornou menos ameaçadora no ocidental neste período (exceto em anos de fracasso quase universal nas colheitas, como em 1816-1817 e 1846-1848), foi primordialmente devido a essas melhorias no transporte, bem como, é claro, à melhoria geral na eficiência de governo e administração (cf. capítulo 10).

A terceira grande mudança foi, naturalmente, no volume do comércio e da emigração. Não em toda a parte, sem dúvida. Não há por exemplo, qualquer sinal de que os camponeses da Calábria e da Apúlia já estivessem preparados para emigrar, nem que o montante de mercadorias trazido para a grande feira de Nijniy Novgorod tivesse aumentado de forma surpreendente. Mas, tomando-se o mundo da revolução dupla como um todo, o movimento de homens e mercadorias já tinha o ímpeto de um deslizamento de terra. Entre 1816 e 1850, perto de cinco milhões de europeus deixaram seus países nativos (quase quatro quintos deles para as Américas), e dentro dos países as correntes de migração interna eram bem maiores. Entre 1780 e 1840, o comércio internacional em todo o mundo ocidental mais do que triplicou; entre 1780 e 1850, ele se multiplicou em mais de quatro vezes. Por padrões posteriores, tudo isto foi sem dúvida muito modesto[6], mas por padrões anteriores, e afinal de contas estes eram os padrões utilizados pelos contemporâneos para estabelecer comparações com sua época, eles estavam além dos sonhos mais loucos.

O que foi mais relevante, depois de 1830 – o ponto-chave que o historiador de nosso período não pode perder, qualquer que seja seu campo de interesse particular – é que o ritmo de mudanças sociais e econômicas acelerou-se visível e rapidamente. Fora da Grã-Bretanha, o período da Revolução Francesa e de suas guerras trouxe relativamente pouco avanço imediato, exceto nos Estados Unidos, que saltaram à frente depois de sua guerra de independência, duplicando a área cultivada por volta de 1810, multiplicando a frota mercante em sete vezes e demonstrando suas capacidades futuras de uma maneira geral. (não só o descaroçador de algodão, mas também o navio a vapor, o desenvolvimento inicial da produção em série – o moinho de farinha sobre uma correia de transmissão, de Oliver Evans – são avanços americanos deste período.)As bases de uma boa parte da indústria posterior, especialmente da indústria de equipamentos pesados, foram lançadas na Europa napoleônica, mas muito pouco sobreviveu ao fim das guerras, que trouxe a crise para toda a parte. No todo, o período que vai de 1815 a 1830 foi um período de reveses ou, na melhor das hipóteses, de recuperação lenta. Os Estados colocaram suas finanças em ordem – normalmente por meio de uma rigorosa deflação (os russos foram os últimos a fazê-lo em 1841). As indústrias cambalearam sob os golpes da crise e da competição estrangeira; a indústria algodoeira americana foi severamente atingida, a urbanização era lenta: até 1828, a população rural francesa cresceu tão rapidamente quanto a das cidades. A agricultura definhava, especialmente na Alemanha. Ninguém que se pusesse a observar o crescimento econômico do período, mesmo fora do âmbito da formidável expansão econômica britânica, se sentiria inclinado ao pessimismo, mas poucos julgariam que qualquer outro país, a não ser a Grã-Bretanha e talvez os EUA, estivesse no portal imediato da revolução industrial. Para tomarmos um índice óbvio da nova indústria: fora da Grã-Bretanha, dos EUA e da França, o número de máquinas a vapor e a quantidade de energia a vapor o resto do mundo eram, na década de 1820, de chamar muito pouco a atenção do estatístico.

Depois de 1830 (ou por esta época) a situação mudou rápida e drasticamente, a ponto de, por volta de 1840, os problemas sociais característicos do industrialismo – o novo proletariado, os horrores da incontrolável urbanização – se transformaram no lugar comum de sérias discussões na Europa Ocidental e no pesadelo dos políticos e administradores. O número de máquinas a vapor na Bélgica duplicou sua potência em cavalos-força também triplicou, entre 1830 e 1838: de 354 (com 11 mil hp) para 712 (com 30 mil hp). Por volta de 1850, o pequeno país, agora maciçamente industrializado, tinha quase 2.300 máquinas de 66 mil hp, e quase 6 milhões de toneladas de produção de carvão (aproximadamente três vezes mais que em 1830). Em 1830, não havia qualquer companhia de capital social na mineração belga; por volta de 1841, quase metade da produção de carvão vinha destas companhias.

Seria monótono citarmos dados análogos para a França, para os Estados alemães, a Áustria e outros países e áreas em que os princípios da moderna indústria foram lançados nestes 20 anos: os Krupp na Alemanha, por exemplo, instalaram sua primeira máquina a vapor em 1835, as primeiras minas do grande campo de carvão do Ruhr foram abertas em 1837, o primeiro forno movido a coque foi instalado no grande centro siderúrgico theco de Vitkovice em 1836, e o primeiro moinho de rolo de Falck, na Lombardia, em 1839-40. Tanto mais monótono porque a industrialização realmente maciça – com exceção da Bélgica e talvez a França – só ocorreu depois de 1848. Os anos que vão de 1830 a 1848 marcam o nascimento de áreas industriais, de famosos centros e firmas industriais cujos nomes se tornaram conhecidos até nossos dias, mas não determinam nem mesmo a sua adolescência, quanto mais a sua maturidade. Observando-se a década de 1830, sabemos o que significou aquela atmosfera de excitada experimentação técnica de empreendimento inovador e insatisfeito. Significou a abertura do meio-oeste americano. Mas a primeira ceifeira mecânica de Cyrus McCormick (1834) e os primeiros 78 alqueires de trigo enviados de Chicago para o leste em 1838 somente tem lugar na história por causa do que provocaram depois de 1850. Em 1846, a fábrica que arriscasse a produção de uma centena de ceifeiras ainda deveria ser parabenizada por sua ousadia: “era de fato difícil achar grupos com suficiente coragem e energia para enfrentar a arriscada empresa de fabricar ceifeiras, e quase tão difícil persuadir os fazendeiros a usarem essas máquinas para cortar os cereais ou encarar favoravelmente essa inovação”. Significou a construção sistemática de ferrovias e de indústrias pesadas na Europa e, conseqüentemente, uma revolução nas técnicas de investimento. Mas se os irmãos Pereire não se tivessem transformado nos grandes aventureiros das finanças industriais depois de 1851, deveríamos prestar pouca atenção ao projeto que eles apresentaram em vão ao novo governo francês em 1830: o de um “escritório de empréstimos onde a indústria poderá pedir emprestado a todos os capitalistas nos termos mais favoráveis, através do intermédio dos banqueiros mais ricos atuando como fiadores”.

Como na Grã-Bretanha, os bens de consumo – geralmente têxteis mais às vezes também produtos alimentícios – lideraram estas explosões de industrialização; mas os bens de capital – ferro, aço, carvão e etc. – já eram mais importantes do que na primeira revolução industrial inglesa: em 1846, 17% dos empregos industriais belgas eram em indústrias de bens de capital, contrastando com os 8 ou 9% da Grã-Bretanha. Por volta de 1850, três quartos de toda a potência vapor belga estava na mineração e na metalurgia. Como na Grã-Bretanha, o novo estabelecimento industrial médio – a fábrica, a forja ou a mina – era pequeno e cercado por uma grande quantidade de mão-de-obra barata, doméstica, subcontratada e tecnicamente retrógrada, que cresceu com as exigências das fábricas e do mercado e seria finalmente destruída pelos posteriores avanços de ambos. Em 1846, na Bélgica, o número médio de empregados em um estabelecimento fabril de lã, de fibra de linho e de algodão era de apenas 30, 35 e 43 trabalhadores; na Suécia, em 1838, a média por “fábrica” têxtil era meramente de 6 a 7 trabalhadores. Por outro lado, há indícios de uma concentração bem mais maciça do que na Grã-Bretanha, como era mesmo de se esperar onde a indústria de desenvolveu mais tarde, ás vezes como um enclave em ambientes agrícolas, usando a experiência dos primeiros pioneiros baseada em uma tecnologia bem mais desenvolvida e freqüentemente gozando de um maior apoio planificado por parte do governo. Em 1841, na Boêmia, três quartos de todas as fiandeiras automáticas de algodão eram empregadas em fábricas com mais de 100 trabalhadores cada uma, e quase a metade em 15 fábricas com mais de 200 trabalhadores cada. ( Por outro lado, virtualmente toda a tecelagem até a década de 1850 era feita apenas em teares manuais.) Naturalmente, isto era ainda mais acentuado nas indústrias pesadas que agora assumiam a vanguarda: a fundição belga média tinha, em 1838, 80 trabalhadores; a mina belga média tinha, em 1846, perto de 150, para não mencionarmos os gigantes industriais como a Cockerill’s de Seraing, que empregava 2 mil trabalhadores.

O panorama industrial era, assim, muito semelhante a uma série de lagos cobertos de ilhas. Se tomarmos o campo em geral como o lago, as ilhas representam as cidades industriais, os complexos rurais (tais como as redes de aldeias manufatureiras tão comuns nas montanhas da Alemanha Central e da Boêmia) ou as áreas industriais: cidades têxteis como Mulhouse, Lille ou Rouen na França, Elberfeld-Barmen (terra natal da religiosa família de mestres algodoeiros de Frederick Engels) ou Krefeld na Prússia, o sul da Bélgica ou a Saxônia. Se tomarmos como o lago a massa de artesãos independentes, os camponeses produzindo mercadorias para vendê-las durante o inverno e os trabalhadores domésticos, as ilhas representam os engenhos, as fábricas, as minas e as fundições de variado tamanho. O grosso da paisagem ainda era de muita água ou – para adotarmos uma metáfora um pouco mais à realidade – de juncais de produção em pequena escala dependente que se formavam ao redor dos centros industriais e comerciais. As indústrias domésticas e outras fundadas anteriormente como apêndices do feudalismo também existiam. A maioria delas – por exemplo, a indústria silesiana do linho – se achava em rápido e trágico declínio. As grandes cidades quase não eram industrializadas, embora mantivessem uma vasta população de trabalhadores e artesãos para servirem às necessidades de consumo, transporte e serviços. Das cidades do mundo com mais de 100 mil habitantes, fora Lyon, só as inglesas e americanas tinham centros nitidamente industriais: Milão, por exemplo, em 1841, tinha somente duas pequenas máquinas a vapor. De fato, o típico centro industrial – tanto na Grã-Bretanha quanto no continente europeu – era uma cidade provinciana pequena ou de tamanho médio ou ainda um complexo de aldeias.

Sob um importante aspecto, entretanto, a industrialização continental – e até certo ponto a americana – diferia da inglesa. As pré-condições para seu desenvolvimento espontâneo, através da empresa privada, foram menos favoráveis. Como vimos, na Grã-Bretanha após uma lenta preparação de cerca de 200 anos, não houve escassez real de quaisquer dos fatores de produção e nenhum obstáculo institucional para o pleno desenvolvimento capitalista. O mesmo não aconteceu em outros países. Na Alemanha, por exemplo, houve uma nítida escassez de capital; a própria modéstia do padrão de vida das classes médias alemãs (maravilhosamente transformado, embora dentro da encantadora austeridade da decoração de interiores de Biedemeier) o demonstra. Freqüentemente se esquece que, pelos padrões alemães conteporâneos, Goethe, cuja casa em Weimar apresenta um pouco mais de conforto – embora não muito mais – do que o padrão dos modestos banqueiros da seita britânica de Claphan, era deveras um homem muito rico. Na década de 1820, as senhoras da corte e até mesmo as princesas em Berlim usavam simples vestidos de percal durante todo o ano; se possuíam um vestido de seda, guardavam-no para ocasiões especiais. Os tradicionais sistemas de grêmios ou guildas de mestres artífices e aprendizes ainda se constituía em um obstáculo para o empreendimento capitalista, para a mobilidade da mão-de-obra qualificada e mesmo para qualquer mudança econômica: a obrigação de que um artesão pertencesse a uma guilda foi abolida na Prússia em 1811, embora não fossem as próprias guildas, cujos membros eram, além disso, fortalecidos politicamente pela legislação municipal do período. A produção dos grêmios permaneceu quase intacta até as décadas de 1830 e 1840. Em outros países, a introdução plena da Grwerbefreiheit[7] teve que esperar até a década de 1850.

A multiplicidade de Estados diminutos, cada um com seus controles e interesses estabelecidos, ainda inibia o desenvolvimento racional. A simples construção de um sindicato geral de direitos alfandegários, como o que a Prússia conseguiu realizar em seu próprio interesse e pela pressão de sua posição estratégica entre 1818 e 1834, era (com a exceção da Áustria) um triunfo. Todo governo, mercantilista ou paternal, baixava seus regulamentos e disposições administrativas sobre o assunto, para benefício da estabilidade social, porém para irritação do empresário privado. O Estado prussiano controlava a qualidade e o justo preço da produção artesanal, as atividades da indústria doméstica silesiana de tecelagem de linho e as operações dos proprietários de minas na margem direita do Reno. Era necessário uma permissão governamental para se abrir uma mina, e ela podia ser retirada já depois de iniciado o negócio.

Obviamente, em tais circunstâncias (que têm paralelo em inúmeros outros Estados), o desenvolvimento industrial tinha que funcionar de um modo bastante diferente do modelo britânico. Assim, em todo o continente europeu, o governo tinha um controle muito maior sobre a indústria, não apenas porque já estivesse acostumado a isto, mas porque tinha que fazê-lo. Guilherme I rei dos Países Baixos Unidos, fundou em 1822, a Société Génerale pour favoriser I’Industrie Nationale des Pays Bas, dotada de terras do Estado, com mais ou menos 40% de suas ações subscritas pelo rei e 5% garantidas a todos os outros subscritores. O Estado prussiano continuou a controlar a operação de uma grande proporção das minas do país. Sem exceção, todos os novos sistemas ferroviários foram planejados pelos governos e, se não foram efetivamente construídos por eles, foram incentivados pela subvenção de concessões favoráveis e pela garantia de investimentos. De fato, até hoje a Grã-Bretanha é o único país cujo sistema ferroviário foi totalmente construído por empresas particulares, assumindo os riscos na sua busca de lucros, sem o incentivo de bônus e garantidas aos investidores e empresários. A primeira e mais bem planejada destas redes foi a belga, projetada em princípios da década de 1830, com o intuito de separar o país, recém-independente, do sistema de comunicações (primordialmente fluvial) baseado na Holanda. As dificuldades políticas e a relutância da grande burguesia conservadora em trocar investimentos seguros por especulativos adiaram a construção estruturada da rede francesa, que a Câmara tinha decidido executar em 1833; a pobreza de recursos adiou a construção da rede austríaca, que o Estado decidiu construir em 1842; e da prussiana.

Por razões semelhantes, a empresa do continente europeu dependia muito mais do que a britânica de um aparato financeiro e de uma moderna legislação bancária comercial e de negócios. De fato, a Revolução Francesa forneceu os dois: os códigos legais de Napoleão com sua ênfase na liberdade contratual garantida legalmente, seu reconhecimento das letras de câmbio e outros países comerciais, e suas disposições em prol das empresas de capital social (como a société anonyme e a commandite, sociedade em que um dos sócios entra com o capital e o outro com o trabalho, adotadas em toda a Europa, exceto na Grã-Bretanha e na Escandinávia) tornaram-se por esta razão os modelos gerais para o mundo. Além do mais, os instrumentos para o financiamento da indústria que nasceram do cérebro fértil daqueles jovens revolucionários Saint-simonianos, os irmãos Pereire, foram bem recebidos no exterior. Sua maior vitória ainda teve que esperar a era do boom mundial da década de 1850; mas já na década de 1830 a Societé Générale, belga, começou a praticar o investimento bancário do tipo que os irmãos Pereire tinham imaginado e, na Holanda, os financistas (embora ainda não ouvidos pela massa de negociantes) adotaram as idéias Saint-simonianas. Em essência, estas idéias almejavam mobilizar, através de bancos e empresas de investimento, uma variedade de recursos de capital nacional que não teria espontaneamente entrado no desenvolvimento industrial e cujos donos não teriam sabido onde investir se assim o tivessem desejado. Depois de 1850, deu-se o fenômeno continental característico (especialmente alemão) do grande banco atuando também como investidor e dessa forma dominando a indústria e facilitando sua concentração precoce.

Entretanto, o desenvolvimento econômico deste período contém um gigantesco paradoxo: a França. Teoricamente nenhum país deveria ter avançado mais rapidamente. Ela possuía, como já vimos, instituições ajustadas de forma ideal ao desenvolvimento capitalista. O talento e a capacidade inventiva de seus empresários não tinha paralelo na Europa. Os franceses inventaram ou foram os primeiros a desenvolver as grandes lojas de departamento, a propaganda e, guiados pela supremacia da ciência francesa, todos os tipos de inovações e realizações técnicas – a fotografia (com Nicephore Nièpce e Daguerre), o processo de soda de Leblanc, o descolorante à base de cloro de Berthollet, a galvonaplastia e a galvanização. Os financistas franceses foram os mais inventivos do mundo. O país possuía grandes reservas de capital, que exportava, auxiliado por sua capacidade técnica, para todo o continente europeu – e até mesmo, depois de 1850, para coisas tais como a Companhia Geral de Coletivos de Londres, para a Grã-Bretanha. Por volta de 1847, cerca de 2,25 bilhões de francos tinham saído para o exterior – valor este só superado pelas astronômicas cifras britânicas, maiores do que as de qualquer outro país. Paris era um centro internacional de finanças que seguia Londres, bem de perto; na verdade, em tempos de crise como em 1847, Paris chegou a superar Londres nesse campo. O empreendimento francês, na década de 1840, fundou as companhias de gás da Europa – em Florença, Veneza, Pádua e Verona – e obteve privilégios para fundá-las em toda a Espanha, na Argélia, no Cairo e em Alexandria. E estava para financiar as ferrovias do continente europeu (exceto as da Alemanha e da Escandinávia).

Ainda assim, basicamente, o desenvolvimento econômico francês era na verdade mais lento do que o de outros países. Sua população crescia silenciosamente, porém sem dar grandes saltos. Suas cidades (com exceção de Paris) expandiam-se modestamente; de fato, no princípio de década de 1830, algumas delas diminuíram. Seu poderia industrial no final de década de 1840 era sem dúvida maior do que o dos outros países europeus – possuía tanta energia a vapor quanto todo o resto do continente junto – mas tinha perdido terreno para a Grã-Bretanha e estava a ponto de perdê-lo também para a Alemanha. De fato, a despeito de suas vantagens e do início pioneiro, a França nunca se tornou uma potência industrial de maior importância em comparação com a Grã-Bretanha, a Alemanha e os Estados Unidos.

A explicação para este paradoxo é, como já vimos, a própria Revolução Francesa, que tomou com Rosbepierre muito daquilo que havia dado com a Assembléia Constituinte. A parte capitalista da economia francesa era uma superestrutura erguida sobre a base imóvel do campesinato e da pequena burguesia. Os trabalhadores livres destituídos de terras simplesmente vinham pouco a pouco para as cidades; as mercadorias baratas e padronizadas que fizeram as fortunas dos industriais progressistas em outros países ressentiam-se da falta de um mercado suficientemente grande e em expansão. Economizava-se muito capital, mas por que deveria este capital ser investido na indústria doméstica? O empresário francês inteligente fabricava mercadorias de luxo e não mercadorias para o consumo de massa; o financista inteligente promovia as industrias estrangeiras em vez das domésticas. A empresa privada e o crescimento econômico caminham juntos somente quando este último propicia lucros mais altos para a primeira do que para outras formas de negócio. Na França ele não o fez, embora através da França tenha fertilizado o crescimento econômico de outros países.

No extremo oposto da França, estavam os Estados Unidos da América. O país sofria de uma escassez de capital, mas estava pronto a importá-lo em quaisquer quantidades, e a Grã-Bretanha estava pronta a exportá-lo. Sofria de uma aguda escassez de mão-de-obra, mas as Ilhas Britânicas e a Alemanha exportavam aos milhões seus excedentes populacionais após a grande fome da metade da década de 1840. Ressentia-se da falta de homens com qualificações técnicas, mas até mesmo estes – os trabalhadores de algodão de Lancashire, os mineiros do País de Gales e os trabalhadores siderúrgicos – podiam ser importados dos setores já industrializados do mundo, e a típica aptidão americana para criar uma economia de mão-de-obra e, acima de tudo, para a criação de máquinas simplificadoras da necessidade de mão-de-obra já se achava totalmente desenvolvida. Os Estados Unidos ressentiam-se da falta pura e simples de uma colonização e de meios de transporte para explorar seu imenso território e seus recursos aparentemente ilimitados. O mero processo de expansão interna foi bastante para manter sua economia em um crescimento quase ilimitado, embora os colonizadores, governos, missionários e comerciantes americanos já estivessem se expandindo em direção à costa do Pacífico ou levando o seu comércio – apoiado pela segunda maior frota mercante do mundo – através dos Oceanos, de Zanzibar ao Havaí. O Pacífico e o Caribe já eram os campos escolhidos do império americano.

Toda instituição da nova república, incitava a acumulação, a engenhosidade e a iniciativa privada. Uma vasta população nova, estabelecida nas cidades litorâneas e nos novos estados interioranos recentemente ocupados, exigia os mesmos bens e equipamentos agrícolas, domésticos e pessoais padronizados e fornecia um mercado de homogeneidade ideal. As necessidade de invenção e iniciativa eram grandes, e sucessivamente vieram atendê-las os inventores do navio a vapor (1807-1813), da humilde tachinha (1807), da máquina de fazer parafusos (1809), da dentadura postiça (1822), do fio encapado (1827-1831), do revólver (1835), da idéia da máquina de escrever e da máquina de costura (1843-1846), da prensa rotativa (1846) de uma série de máquinas agrícolas. Nenhuma economia se expandiu mais rapidamente neste período do que a americana, embora sua arrancada realmente decisiva só visse a ocorrer depois de 1860.

Só um grande obstáculo atrapalhava a conversão dos EUA na potência econômica mundial em logo se tornaria: o conflito entre o Norte agrícola e industrial e o sul semicolonial. Enquanto o norte se beneficiava do capital, da mão-de-obra e das habilidades da Europa – e notadamente da Grã-Bretanha – como uma economia independente, o sul (que importava poucos destes recursos) era uma economia tipicamente dependente da Grã-Bretanha. O próprio sucesso em suprir as fábricas em expansão de Lancashire com quase todo o seu algodão perpetuava a dependência comparável àquela em que a Austrália estava prestes a cair com a lã e a Argentina com a carne. O sul era favorável ao livre comércio, que lhe possibilitava vender à Grã-Bretanha e, em troca, comprar as baratas mercadorias britânicas; o norte, quase desde o princípio (1816), protegia firmemente o industrial nativo contra qualquer estrangeiro – britânico – que pudesse competir naquela época com ele a preços inferiores. O norte e o sul competiam pelos territórios do Oeste – O sul, para as plantações escravas e os posseiros retrógrados com suas culturas de subsistência em terras devolutas das montanhas, e o norte, para as segadoras mecânicas e os matadouros de grande porte; e até a era de ferrovia transcontinental, o sul, controlava o delta do Mississipi, onde o meio-oeste encontrou seu principal escoamento, tinha alguns fortes trunfos econômicos. O futuro da economia americana só seria decidido na Guerra Civil de 1861-1865 – que foi, de fato, a unificação da América através do capitalismo do norte.

O outro futuro gigante do mundo econômico, a Rússia, era até então economicamente desprezível, embora observadores de larga visão já previssem que seus vastos recursos, sua população e seu tamanho iriam mais cedo ou mais tarde projetá-las mundialmente. As minas e as manufaturas criadas pelos czares do século XVIII, tendo senhores ou mercadores feudais como empregadores e os servos como operários, estavam declinando lentamente. As novas indústrias – fábricas têxteis domésticas, de pequeno porte – somente começaram a apresentar uma expansão realmente digna de nota na década de 1860. Mesmo a exportação para o Ocidente do milho extraído no fértil cinturão de terra preta da Ucrânia fazia um progresso apenas moderado. A Polônia russa era bem mais adiantada, mas, como no resto da Europa Oriental, da Escandinávia, no norte, à Península Balcânica, no sul, ainda não se podia divisar a era da grande transformação econômica. Nem mesmo na Espanha ou no sul da Itália, com exceção de pequenos trechos da Catalunha e do país basco. E mesmo no norte da Itália, onde as mudanças econômicas foram muito maiores, elas eram até então bem mais óbvias na agricultura (sempre, nesta região, uma importante saída para o investimento de capital e a atividade de negócios), no comércio e na frota mercante do que na manufaturas. Mas o desenvolvimento destas mudanças foi prejudicado em todo o sul da Europa pela grande escassez do que era então, ainda, a única fonte importante de poderio industrial, o carvão.

Assim, uma parte do mundo saltou na dianteira do poderio industrial, enquanto que a outra ficava para trás. Mas estes dois fenômenos não são desligados um do outro. A estagnação econômica, a lentidão ou mesmo a regressão foram produtos do avanço econômico, pois como poderiam as economias relativamente atrasadas resistir à força – ou, em certos casos, à atração – dos novos centos de riqueza, indústria e comércio? Os ingleses e algumas outras áreas da Europa podiam claramente vender a seus competidores a preços mais baixos. Convinha-lhes ser a oficina do mundo. Nada parecia mais “natural” do que os menos evoluídos produzirem alimentos e talvez minérios, trocando estas mercadorias não competitivas por manufaturas britânicas (ou de outros países da Europa Ocidental). “O sol”, disse Richard Cobden aos italianos, “é o vosso carvão”. Onde o poder local estava nas mãos de grandes proprietários de terra ou mesmo de fazendeiros ou rancheiros progressistas, essa troca servia a ambos os lados. Os plantadores cubanos estavam muito felizes em fazer dinheiro com o açúcar e importar as mercadorias que permitiam aos estrangeiros comprar o açúcar. Onde os donos de manufaturas podiam se fazer ouvir ou onde os governos locais apreciavam as vantagens do desenvolvimento econômico equilibrado ou meramente consideravam as desvantagens da dependência,a disposição de ânimo era menor.

Friedrich List, o economista alemão – como de hábito fazendo uso do costume congênito da abstração filosófica -, rejeitou uma economia internacional que, na verdade, fez da Grã-Bretanha a principal ou única potência industrial e exigiu protecionismo, assim como o fizeram também, conforme já vimos, embora sem filosofia, os americanos.

Tudo isto supondo que uma economia fosse politicamente independente e forte o bastante para aceitar ou rejeitar o papel para o qual a industrialização pioneira de um pequeno setor do mundo a tinha destinado. Onde não fosse independente, como nas colônias, não tinha escolha. A Índia como já vimos, estava no processo de desindustrialização, e o Egito era uma ilustração ainda mais viva do processo, pois o governante local, Mohammed Ali, tinha de fato e sistematicamente começado a transformar o país numa economia moderna, entre outras coisas, numa economia industrial. Ele não só incentivou o cultivo do algodão para suprir o mercado mundial (a partir de 1821), mas também tinha investido, por volta de 1838, a considerável quantia de 12 milhões de libras na indústria, que empregava talvez 30 ou 40 mil trabalhadores. O que teria acontecido se o Egito tivesse sido deixado ao sabor de sua própria sorte não sabemos; pois o que de fato se deu foi que a Convenção Anglo-Turca de 1838 impôs comerciantes estrangeiros ao país, minando assim o monopólio do comércio externo através do qual Mohamed Ali tinha operado; e a derrota do Egito frente ao Ocidente em 1839-1841 forçou-o a reduzir seu exército e, portanto, retirou a maior parte do incentivo que o tinha levado à industrialização. Esta não foi nem a primeira nem a última vez que as canhoneiras do Ocidente abriram um país ao comércio, à competição superior do setor industrializado do mundo. Quem, ao absorver o Egito na época do protetorado britânico no final do século, teria reconhecido o país que fora 50 anos antes e o para o desgosto de Richard Cobden o primeiro estado não pertencente a raça branca a procurar a maneira moderna de sair do atraso econômico?

De todas as conseqüências econômicas da época da revolução dupla, esta divisão entre os países adiantados e os subdesenvolvidos provou ser a mais profunda e mais duradoura, falando a grosso modo, por volta de 1848m estava claro que os países deveriam seguir o exemplo do primeiro grupo, da Europa Ocidental (exceto a Península Ibérica), da Alemanha, do norte da Itália e partes da Europa Central, da Escandinávia, dos EUA e talvez das colônias controladas pelos imigrantes de língua inglesa. Mas também era claro que o resto do mundo estava, com exceção de alguns pedaços, muito atrasado ou se transformando – sob a pressão informal das exportações e importações ocidentais ou sob a pressão militar das canhoneiras e das expedições militares ocidentais, em dependências econômicas do Ocidente. Até que os russos tivessem desenvolvido, na década de 1930 meios de transpor este fosso entre atrasado e adiantado, ele permaneceria imóvel, intransponível, e mesmo crescendo, entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo. Nenhum outro fato determinou a história do século XX de maneira mais firme.
[1] 1 milha = 1.609,34 metros
[2] O triunfo mundial do setor industrial tendeu a convergir novamente esse ritmo embora de maneira diferente.
[3] O primeiro censo britânico foi feito em 1801; o primeiro razoavelmente adequado em 1831
[4] O costumeiro ciclo dinástico na China durava cerca de 300 anos; a dinastia Manchu subiu ao poder na metade do século XVII
[5] Eles quase atingiram seu objetivo por volta de 1860, antes que os navios de ferro mais uma vez dessem a supremacia aos ingleses.
[6] Assim, entre 1850 e 1882, 22 milhões de europeus emigraram, e em 1889 o volume total do comércio internacional chegou a quase 3.400 milhões de libras, comparado com menos de 600 milhões de libras em 1840.
[7] Em alemão no original: liberdade de ofício, livre exercício profissional

A Europa de 1815 aos Nossos dias




A Europa de 1815
Aos nossos dias

Capítulo 2

Reações e Revoluções
(1815-1871)

Jean Baptiste Duroselle
Editora Pioneira, 1992, 4°Ed da página 13 à 22

Freqüentemente, ao compararmos o nosso século XX ensangüentado por duas guerras assustadoras com o período de 1815-1871, temos tendência a admirar a boa sorte de nossos ancestrais. Ora, nada mais ilusório. O século XIX foi uma das fases mais amargas e cruéis da história européia. Perturbações, revoltas, revoluções no plano interior, guerra, conflitos, intervenções no plano exterior, marcaram toda a época que estudamos nesse capítulo. É mister rever nossas apreciações e compreender que a Europa, depois dos tratados de 1815, viveu na agitação e no sofrimento.

1) Fatores dos Distúrbios

As pinturas idílicas – e perfeitamente inexatas – da sociedade européia após 1815 são responsáveis pela distorção histórica que acabamos de assinalar. Com efeito, o romance e o teatro não descreveram senão as classes abastadas, que podiam usufruir as doçuras da vida. A sociedade descrita por Balzac e Stendhal é a nobreza, a alta e, às vezes, a pequena ou média burguesia. Em vão, procuraríamos em nossa literatura, antes de Émile Zola, um pintor autêntico dos proletários. Ou então, é a classe “perigosa”, chamada por Marx de lumpenproletariat, que atrai a atenção como uma espécie de monstruosidade capaz de provocar nos leitores deliciosos frêmitos. Victor Hugo nos descreve fartamente condenados e bandidos. Eugène Sue faz o mesmo em Mistérios de Paris. Também Balzac, em Vautrim. Por exemplo. Mas onde está o verdadeiro, o autêntico proletário? Às vezes aparece isoladamente, o “bom operário”, submisso, respeitoso, vilmente adulador, admitindo como necessidade eterna a sua triste condição e, aliás, capaz de não comer nem beber, para deitar alguns vinténs na Caixa Econômica, coisa que as almas caridosas o estimulam vivamente a fazer.



Se o trabalhador possui um espírito mais forte e se bate por sua vida e sua dignidade, é imediatamente equiparado ao criminoso de direito comum. Os artigos 414, 415 e 416 do código penal francês proíbem-lhe qualquer “coalizão”, portanto qualquer esforço conjunto para melhorar a sua sorte. É mister esperar 1864 para que a coalizão e, em conseqüência a greve se tornem legais. Na Inglaterra, a coalizão, proibida em 1799, é de novo autorizada pelas leis de 1824 e 1825. Estas porém serão aplicadas com evidente parcialidade.

O proletário das cidades, o trabalhador pobre dos campos, escapam da literatura, e por isso mesmo ignora-se, salvo em círculos restritos, a sua espantosa miséria. Mas há muito romances sociais. George Eliott, na Inglaterra, descreveu em Silas Marner os efeitos da concentração da indústria têxtil na vida de um pequeno artesão rural. Disraeli e outros autores cultivavam esse gênero literário. Mas além do âmago do problema. Quanto a Geroge Sand, seus romances sociais como o Meunier d’ Angibault, pretendem mostrar que uma mulher rica não se rebaixa socialmente por manter relações com um homem pobre. Trata-se de uma justificação pessoal, mais que uma pintura social.

Em sua totalidade, a literatura ignora o essencial, ou não o deixa transparecer senão inconscientemente. O essencial é que a igualdade de direitos, mesmo em um país onde ela é proclamada em princípio, como na França, não existe em absoluto. Há dois pesos e duas medidas. O arbitrário não existe para as classes ricas, mas pesa com toda a sua força sobre a imensa e desconhecida massa dos pobres.

Ora, essa desigualdade de tratamento, que afinal existia em todos os séculos precedentes, essa miséria que em primeiro lugar na Inglaterra ao norte da Itália fomentara a “Revolução Industrial”, tornou-se no século XIX um poderoso agente revolucionário. De maneira diferente da dos séculos passados, as massas tomam consciência de sua posição. A revolução francesa representou, nesse ponto, o papel decisivo. Precisamente todos os países europeus que no século XVIII ainda eram “subdesenvolvidos” (para empregar uma terminologia moderna), entram na era do desenvolvimento. Produz-se então um fenômeno notável. Não é a pobreza absoluta, sem esperança, embrutecedora que desencadeia as revoltas organizadas: é o começo do progresso.

A partir de 1815, os mais conscientes dos descontentes se reagrupam em sociedades que o rigor policial obriga a manter secretas. Trata-se de pequenos grupos incessantemente perseguidos, animados por um ideal revolucionário. Os Carbonários italianos, a Carbonaria francesa, as Sociedades Republicanas da Monarquia de Julho (Sociedade das Famílias, Sociedade das Estações) a Liga dos Justos na Alemanha Oriental, a Sociedade do Norte e a Sociedade do Sul. Na Rússia outras ainda, pertencem a esse tipo. Seus membros são oficiais, estudantes, pequenos burgueses.

2) A Era das Insurreições (1815-1849)

É interessante seguir cronologicamente o processo da causa fundamental das insurreições que reside na insatisfação das massas miseráveis, pois aí se revela um fenômeno europeu que, através das fronteiras, possui múltiplos laços.

Para simplificar – sem contudo deformar a realidade – podemos dizer que, entre 1815 e 1849, a Europa conheceu três “ondas” sucessivas de revoluções: em 1820, 1830 e 1848 aproximadamente.

A primeira de 1820 é precedida por uma forte agitação na Alemanha, notadamente nos meios universitários. O objetivo é político: a intenção era obrigar os diversos governos alemães a outorgar constituições. Mas a repressão sabiamente dirigida por Metternich abafa o movimento antes que ela tenha tomado uma forma revolucionária. Não acontece o mesmo na Espanha. Aqui, tendo as tropas se aquartelado em Cádis para combater os colonos da América que se haviam revoltado, um oficial Tenente-Coronel Riego subleva as tropas em janeiro de 1820. As guarnições do Norte fazem triunfar essa revolução cujo fim era político. O rei Fernando VII teve que restabelecer a constituição de 1812, que havia abolido. O absolutismo só será restaurado em 1823, após uma intervenção francesa. Quase imediatamente, em julho de 1820, estoura uma revolta em Nápoles, organizada pelos Carbonários e dirigida por um oficial Pepe. O fim é igualmente político. O rei Fernando I também foi obrigado a estabelecer uma Constituição. Enquanto as tropas austríacas “restabelecem a ordem” em Nápoles, em março de 1821 irrompe uma insurreição de Carbonários no Piemonte. Aí também é concedida uma constituição. Também ai as tropas austríacas iriam intervir para restabelecer o poder absoluto.

Da Itália, o movimento se propaga para a França. A 13 de fevereiro de 1820, o duque de Berry, sobrinho do rei, é assassinado. No fim de 1821, a “Charbonenerie” – que imita a organização dos Carbonários italianos – tenta passar a insurreição. Em Saumur (dezembro de 1821), em Belfort (janeiro de 1822), em Thouars (fevereiro de 1822), em Colmar (julho de 1822) os oficiais sublevam ou tentam sublevar as guarnições. Mas em parte alguma esses complôs, deploravelmente organizados, conseguem vingar.

O último país atingido é a Rússia. Com a morte do czar Alexandre I, oficiais pertencentes a sociedades secretas tentam fazer subir ao trono, em lugar de seu irmão Nicolau, seu outro irmão, Constantino. O verdadeiro fim é transformar o regime autocrático em regime constitucional. É a insurreição “dezembrina” (dezembro de 1825). Mal idealizada, mal dirigida, seu desastre é total.

Como tais sublevações políticas se acompanham de revoltas nacionais na Grécia e nas colônias espanholas da América, Metternich e o czar acreditam ver aí o fruto de uma espécie de “conspiração jacobina” cujo centro seria Paris. Com efeito, se houve revoltas em todos os lugares é porque as causas foram gerais. Dificilmente os povos suportam o absolutismo e a opressão. A primeira onda de revoltas é um esforço desordenado e impotente para conquistar a liberdade.

A segunda onda se desencadeia na França em julho de 1830. Com a pretensão de Carlos X de desfazer a Constituição, a população de Paris, com a aprovação da burguesia liberal, e graças à ação das sociedades secretas republicanas, se insurge contra o regime da Restauração. Desta vez o sucesso é total. Carlos X é obrigado a abdicar e exilar-se. Mas os vencedores estão mal organizados para tomar o poder. A grande burguesia, representada pelos deputados liberais e jornalistas, como Thiers, manobra habilmente para limitar as conseqüências das “Três Gloriosas” e faz subir ao trono Luís Felipe, Duque de Orleans. Como resultado, as sociedades republicanas, ofendidas, retomam a luta. Os distúrbios continuam. Serão todos reprimidos, pois, se em julho de 1830 a massa “prosseguiu”, o mesmo não acontece com as revoltas de fevereiro de 1831, junho de 1832, abril de 1834. Durante quatro anos Paris é o foco das intrigas republicanas que bruscamente irrompe em revoluções sangrentas e desesperadas. Depois, malgrado algumas revoltas subseqüentes, tudo se acalma por algum tempo.

De Paris, a revolução alcança Bruxelas (agosto de 1830) revestindo-se ali de um caráter nacional. Os belgas desejam sacudir a autoridade do rei dos países-baixos. Conseguem-no com a ajuda da Europa. Apenas a Rússia de Nicolau I quis intervir. Mas, precisamente em novembro de 1830, outra revolução igualmente nacional, se desencadeia na Polônia, imobilizando assim as forças do czar, que levarão dez meses para esmagá-la.

O movimento prossegue na Itália central (fevereiro de 1831), nos ducados de Parma e de Módena, e na Romênia, que pertence ao Papa. Aí, o objetivo é ao mesmo tempo político – estabelecer regimes constitucionais em lugar de déspotas no poder – e nacional: os rebeldes constituem “províncias unidas italianas”, preâmbulo, aos seus olhos, de uma unificação mais vasta. As tropas austríacas não tardam a esmagar essa revolta.

A agitação alcança também a Alemanha, onde os liberais, reunidos em Hambach em maio de 1832, preconizam os livres “Estados Unidos da Alemanha”, de forma republicana, não toma porém a forma de insurreições sangrentas e novamente a ordem é restabelecida.

Todavia, o ano de 1830 concedeu duas vitórias à insurreição: na França e na Bélgica. Não é de espantar que tais importantes precedentes tenham despertado a esperança dos democratas, dos nacionalistas, e até daqueles cujo nome aparece nessa época – os socialistas. Novamente surgem circunstâncias favoráveis e os revolucionários tentarão desencadear novas propostas de força.

É a crise econômica de 1846-1847 que fornece essa ocasião. Ligada às más colheitas (ela é, segundo Ernest Labrousse, a última crise do ancien regime, no qual a economia é dominada pela agricultura), faz aumentar terrivelmente os sofrimentos dos artesãos, dos operários, isto é, da parte menos privilegiada da burguesia, através de toda a Europa. Será possível compreender o alcance desse fenômeno por um exemplo: em Paris, a guarda nacional, composta de pequenos burgueses e que fora o elemento motor na repressão dos motins, muda de posição em fevereiro de 1848 e se une aos manifestantes republicanos para derrubar Luís Felipe. Notemos igualmente que a crise econômica termina no decorrer do outono de 1847. É, pois, no começo da recuperação econômica que se iniciam as revoluções. Nunca, nem em 1820, nem em 1830, haviam tomado tal amplitude.

Há, porém, sinais precursores: na Sicília, em Milão desde janeiro 1848. Mas o processo se desenvolve como um rastilho de pólvora, quando são atingidos dois centros vitais da Europa: Paris depois Viena.

Em Paris em 22-24 de fevereiro de 1848 é uma revolução democrática que derruba um regime já liberal para instalar a República com o sufrágio universal. Nessa ocasião revelam-se também marcantes tendências sociais. Mas os dias revolucionários de junho, atrozmente sangrentos, rematarão no fracasso total dos proletários revoltados com a miséria.

De Paris, a revolução se propaga em direção a Turim (5 de março) e Roma (14 de março), onde se outorgam constituições, bem como em Nápoles e Florença. Mas foi principalmente o sucesso da revolução parisiense que incitou os liberais de Viena a desencadear, por sua vez, uma insurreição (13-15 de março) que também termina pela outorga de uma constituição. Um novo motim em Viena em 15 de maio permitirá aos liberais obterem a eleição de uma Assembléia Constituinte em substituição à Constituição Outorgada.

De Viena, a revolução se espalha. No império austríaco, multinacional, a queda de Metternich desencadeia as revoluções nacionais “centrífugas”. Os alemães e os italianos disso se aproveitam para procurar estabelecer sua unidade. Por toda a parte, na Europa central, os traços do feudalismo são abolidos, e assim a revolução assume um caráter social.

Na Alemanha, onde já se preparava a eleição de uma Assembléia Nacional, insurreições políticas – para a obtenção de uma constituição – explodem em Saxe, Baviera, na Alemanha Oriental, mas sobretudo em Berlim (18-19 de março), onde o rei aceita a eleição de uma Constituinte.

No Império da Áustria irrompem movimentos nacionais: na Boêmia (abril); na Croácia (abril); na Hungria (27 de março) e mesmo entre os romenos da Transilvânia.

Na Itália, a notícia da insurreição de Viena suscita em Milão (18-22 de Março) e em Veneza (18-19 de março) a revolta contra a soberania austríaca sobre o Lombardo-Veneziano. Igualmente, os pequenos ducados vassalos, Parma e Módena, expulsaram seus soberanos em 24 de março. Com excessiva audácia, o rei do Piemonte pôs-se à frente da luta contra os austríacos refugiados no “Quadriláterio” – praças-fortes de alta Veneza. O Papa e o rei de Nápoles recusam-lhe ajuda. Logo que os austríacos se sentiram mais fortes esmagaram os piemonteses em Custoza (julho). Mas o movimento popular não termina ai, e, julgando as reformas insuficientes, os patriotas estabeleceriam, no fim de 1848 e começo de 1849, a República nos Estados Pontifícios e na Toscana.

Somente a Rússia, a Espanha, Portugal e a Escandinávia escapam desse abalo extraordinário. A Grã-Bretanha conhece em abril uma vasta manifestação dos “cartistas” que queriam reformas democráticas; este fato, porém, não teve conseqüências.

Triunfante em abril e maio de 1848, a revolução conhecerá um refluxo mais ou menos lento segundo os países. Os exércitos austríacos derrotam de novo os piemonteses em abril de 1849 e restabelecem o grão-ducado da Toscana. Na França, onde os extremistas haviam sido esmagados nas batalhas de junho, a eleição para presidente da República de Luís Napoleão Bonaparte em 10 de dezembro de 1848 e de uma assembléia legislativa de maioria monarquista em maio 1848, marcaram o fim da Revolução, antes que Luís Napoleão instaure a sua ditadura mediante o golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851.

A reação, vitoriosa em toda a França e a Itália nos meados de 1849 (as tropas francesas restabelecem então o papa em seu trono), desenvolve-se na Áustria segundo um processo mais lento. Os tchecos são subjugados desde junho de 1848, os liberais austríacos desde outubro; em compensação, é preciso esperar agosto de 1849, e a intervenção das tropas russas para que termine a guerra nacional desencadeada pelos húngaros.

Quanto à Alemanha, quando os soberanos estabeleceram seu poder nos Estados, o “Parlamento de Frankfurt” verdadeira assembléia constituinte eleita pelo sufrágio universal, mas sem dispor de tropas nem de recursos financeiros, é por sua vez liquidado. Todavia, a Prússia procura realizar ali uma “União restrita” entre os soberanos. É preciso um ultimato austríaco para que em novembro de 1850 a Prússia renuncie a seu projeto.

No fim de 1850, tudo se acaba. Por toda a parte a revolução foi sufocada. Por toda parte os “reacionários” estão no poder e o exercem de modo enérgico, tais como Schwarzenberg na Áustria, Brandenburg na Prússia, o cardeal Antonelli em Roma. Todas as esperanças das nacionalidades se frustram. O mapa da Europa continua o mesmo.

A Alemanha regressa à “Confederação Germânica” de 1815, muito aquém das suas aspirações à unidade. A Itália continua sendo uma “expressão geográfica”. Tchecos, croatas e húngaros são submetidos a uma implacável centralização.

Entretanto, desse grande movimento, alguma coisa essencial subsiste. Primeiro, a França conserva o sufrágio universal. Embora este não consiga impedir o golpe de Estado e o restabelecimento do Império, constitui, a longo prazo, uma vitória estrondosa, para que a democracia veja pela primeira vez no mundo uma grande potência adotar um sistema eleitoral fundado sobre a vontade popular. Em seguida foram destruídos os últimos vestígios do regime senhorial, sem que houvesse possibilidade de serem novamente implantados em todos os lugares onde ainda subsistiam, excetuando-se a Rússia, aonde a servidão só será abolida em 1861. Enfim, a maior parte dos Estados conserva suas constituições, outorgadas ou votadas. Dois deles, a Prússia, cuja irradiação moral e intelectual era intensa na época, e o Piemonte, outrora campeão infeliz das liberdades italianas, vão servir de pólos de atração para os movimentos nacionais. Não se tardaria muito em descobrir suas conseqüências.

3) A Era da Grande Política Econômica

Uma das razões que explicam o fracasso das revoluções de 1848 é o medo do “perigo vermelho”. Se os meios avançados das cidades eram favoráveis às revoluções, os camponeses, em sua unidade, eram contrários à desordem. Os socialistas lhes eram apresentados como “partilhadores”, isto é, os que repartiriam as propriedades. Desse modo na França, após terem eleito os republicanos em 1848, elegeram os realistas em 1849. Nos plebiscitos do segundo império, responderam com um sim unânime. O caso do ultimo deles é significativo. Em 9 de maio de 1870, para a reforma do império – mas na realidade para sua manutenção – houve 7.358.000 “sim” contra 1.572.000 “não”. Mas em Paris o total foi inverso: 138.000 “sim” e 184.000 “não”. Lion, Marselha, Bordéus, Toulouse, Saint-Etienne votaram “não”. Assim se esboçava com uma clareza crescente a brecha entre uma França revolucionária e dinâmica, que olhava para o futuro nas cidades, entre os operários, os artesãos, os pequenos burgueses, e uma França conservadora e passiva com os camponeses e a burguesia.

Em todos os países da Europa, com exceção da Inglaterra, a reação contra o “perigo vermelho” se fez sentir no decorrer da década de 50. No Império da Áustria, o “sistema de Bach” (ministro do interior) se baseava na centralização e na opressão. Na Prússia, o rei era dominado pela “camarilha”, pequeno grupo ultra-reacionário de fidalgos provincianos, em conflito declarado com os burgueses da Prússia renana. Mas em parte alguma a ditadura era mais forte que na França. Aqui, os republicanos foram deportados em massa após o golpe de Estado de 2 de dezembro, o mesmo acontecendo em 1858 após o atentado perpetrado por Orsini, republicano romano, contra o imperador. Quanto aos chefes republicanos, como Victor Hugo, viviam no exílio, de onde lançavam seus raios impotentes contra “Napoleão, o pequeno”.

Quando se faz uma análise do Segundo Império, fica-se impressionado com a sua política exterior ativa, complicada e afinal funesta. Recorda-se também a formação da unidade italiana e a formação da unidade alemã. Ou então impressiona a pressão da década de 50 e o lento progresso do liberalismo no transcurso da década de 60. Não se deve esquecer um outro aspecto deveras importante: a política programada de expansão econômica.

Aí esta sem dúvida a chave para a explicação de fenômenos essenciais. Simiand e Labrousse mostraram que o período de 1817-1850 - das revoluções – é uma fase de baixa de preços, portanto de crise econômica, multiplicando e gerando tensões. Em contrapartida, de 1850 a 1873, os preços sobem. A prosperidade, interrompida por alguns recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a ressurgir na França em 1869, aproximadamente. Com um nível de vida momentaneamente acrescido, as massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a impressão de que o poder favorece a expansão.

Este é o nosso caso, Napoleão III é indiretamente um discípulo de Saint-Simon, que desejava o desenvolvimento da indústria, do comércio e das vias de comunicação. Os anos 50 do século XX. É verdadeiramente a era da revolução industrial, da construção das estradas de ferro. São os franceses que, com Ferdinand de Lesseps, fazem cavar o canal de Suez entre 1854 e 1869. Paris é transformado por Haussmann – o que contribui para isolar os operários relegados no leste, e, em breve, no “cinturão vermelho”.

Uma tal prosperidade, que se estende em escala européia, contribui por algum tempo para transformar consideravelmente a estrutura da Europa. A Inglaterra, mais industrializada que os demais países, tinha adotado o livre câmbio entre 1846 e 1850, porque seus preços industriais eram altamente competitivos e seus camponeses – minoritários – estavam aptos a se defender (não será a mesma coisa depois de 1875, com a invasão do trigo americano). Foi preciso muita audácia da França, à Prússia e à Itália para segui-la. A prosperidade encorajou essa audácia. Pelo tratado Cobden-Chevalier de janeiro de 1860, a França não estabelecia o livre câmbio, mas reduzia consideravelmente seus direitos aduaneiros. Tratados análogos com a Bélgica, o Zollverein (união aduaneira prussiana), a Itália e etc.. estenderam a toda Europa ocidental um sistema de fácil intercambio. Foi possível durante uma dezena de anos em que durou esse sistema pôr a circular livremente as mercadorias, os capitais – e, se necessário, a mão-de-obra. Disso poderia ter resultado uma estreita fusão das economias, se as divergências em política exterior e as guerras não fizessem lograr tudo. É que o nacionalismo permanece mais forte que o “são-sionismo” de Napoleão III, de seus conselheiros, de seus banqueiros. Michael Chevalier e os irmãos Péreire. A Europa deveria conhecer a cruel experiência de duas guerras mundiais antes de ver desenvolver-se um movimento – lento e difícil – a favor da supranacionalidade e da integração. Os são-simonianos haviam chegado um século mais cedo.

Durante esse período, o Reino Unido oferece um contraste com os países europeus continentais. Foi sem dúvida agitado por distúrbios: motins operários de “Peterloo” em 1819, motins e manifestações cartistas a favor de uma reforma democrática de 1838 a 1848, grandes manifestações operárias organizadas por Robert Owen, greves, não raro sangrentas. Mas, ao contrário da Europa continental, soube evitar as revoluções. Democratizou-se de modo progressivo. De um sistema eleitoral tradicional, perfeitamente desigual, favorecendo os camponeses os camponeses do Sul em detrimento dos do Norte, chegar-se-ia em 1884 a um sufrágio quase universal, mas por uma série de reformas empíricas, notadamente as de 1832 e de 1867. Acrescentando aqui, cortando acolá, franqueando o escrutínio a categorias incessantemente mais vastas de eleitores, a Inglaterra recusa a via lógica e cartesiana, prosseguindo na sua prática realista e tradicional.

Ainda aí, o social é a infra-estrutura do político. Em nenhum país do mundo foram os operários mais infelizes. Casebres, jornada de quinze horas, trabalhos de crianças de cinco anos, a Inglaterra conheceu tudo isto em grande escala. Mas, após as leis de 1824-1825, as trade-unions, isto é, os sindicatos, constituem-se e lutam para melhorar a condição operária.

O cartismo tentou captar estas novas forças para as reformas políticas. Após 1850, as trade-unions, ainda reservadas à elite dos operários qualificados, renunciam à ação política direta para se ocuparem exclusivamente da reforma social. Quando, após 1867, numerosos operários adquiriram o direito do voto, nem por isso constituíram um partido trabalhista. Deixam aos dois grandes partidos os whigates e os tories, o cuidado de disputar esse novo eleitorado com propostas de melhorias sociais. Assim, a Inglaterra vitoriana, em seu esplendido isolamento, prossegue seu próprio caminho. Veremos que o mesmo acontece na política externa.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Século Sombrio Uma História Geral do Século XX




Francisco Carlos Teixeira da Silva Organizador

3.1 Visitando velhos fantasmas: O fascismo na Itália.



A Itália como a Alemanha, constitui-se muito tardiamente como Estado Nacional unificado. Foram as lutas travadas no século XIX entre nacionalistas agrupados em torno da dinastia de Sabóia (do pequeno reino do Piemonte no norte do país, em torno da cidade de Turim) contra a Igreja Católica (senhora de um vasto principado territorial no centro do país) e os austríacos (que ocupavam o norte da Itália, a Lombardia e o Veneto) que resultou, em 1871, na proclamação do reino da Itália com a capital em Roma. A luta pela unificação colocou em lados opostos os católicos, defensores das prerrogativas seculares do papado, e os liberais nacionalistas, favoráveis a unificação, o que só poderia ser feito despojando o papa de seus poderes seculares e territoriais, abrindo assim um profundo fosso na sociedade italiana. O papa, após a unificação, autoconsiderou-se prisioneiro no Vaticano e lançou um anátema[1] contra a participação dos católicos na vida política nacional, por sua vez, os liberais procuraram excluir padres e monges do ensino público, da administração e da participação política, tentando assim, reduzir o clericalismo na vida pública italiana e construir um estado laico.


Com uma sociedade dividida, grande parte da população mergulhada na pobreza e com a maioria dos italianos ainda analfabeta – 74% da população no final do século XIX – a vida política do país se dava em torno de apenas 2% da população, os únicos que tinham direito ao voto. Assim, a participação política italiana era limitada ao pequeno círculo de políticos liberais, as forças armadas e à nobreza que gravitava em torno da dinastia. O novo Estado italiano parecia cumprir a..........falta esse trecho na xerox italiano Tomasi di Lampedusa “precisava-se fazer uma re- esse trecho da Xerox parece não encaixar com a próxima página, até aqui estou na página 146 a página 147 inicia-se da seguinte forma.

Italiano chamaram esperançosamente de Rinascitá (Renascimento) fora esta revolução frustrada. O surgimento de um poderoso movimento socialista – além de um forte movimento anarquista autônomo – já no início do século XX começou a desestabilizar a oligarquia liberal dominante, ao exigir maior participação política e colocar em pauta uma agenda social. A adoção do sufrágio universal masculino ocorrerá em 1913. Ao fortalecer o Partido Socialista, o seu resultado será o aprofundamento dos desequilíbrios existentes.

O país era ainda marcado por uma clara diferenciação entre uma economia agrária, particularmente ao sul, e dinâmicos centros industriais ao norte, como Turim e Milão. Em grande parte do país, a terra era monopolizado por grandes famílias, que haviam aderido à monarquia e conseguido, assim manter seus privilégios. Uma imensa massa de camponeses e pequenos artesãos imigrava para os Estados Unidos, para a Argentina e para o Brasil em busca de uma vida melhor. A monarquia havia procurado aliviar as pressões sociais através de uma ativa política imperialista, conquistando no exterior as terras que faltavam na Índia. Porém, as aventuras militares, particularmente na Etiópia, haviam terminado em fiasco, ferindo a honra nacional. A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) surgiu, então, como possibilidade única de a Itália realizar um projeto de grande potência, conseguindo prestígio e áreas coloniais para assentar sua população, sem necessidade de reformas internas radicais principalmente em torno da questão agrária no sul do país. Embora aliada da Alemanha e do Império Austro-Hungáro, Roma negociou em segredo sua participação na guerra com os britânicos, em troca de lutar ao lado dos aliados (França e Grã-Bretanha), receberia territórios nos Bálcãs (na atual Croácia e Bósnia) e na África liberais e nacionalistas agitaram as ruas da principais cidades italianas em favor de uma imediata entrada na guerra, enquanto socialistas declaram-se contrários à guerra imperialista. Dá-se, então, um fato inusitado: um dos mais populares líderes socialistas, neutralistas e antimilitaristas, Benito Mussolini, redator do jornal socialista Avanti! Exige a entrada da Itália no conflito. Expulso por seus companheiros, Mussolini recebe apoio financeiro de empresários interessados nos gastos de guerra e do governo da França – que necessitava de aliados contra a Alemanha – o que lhe permite fundar o diário Il Popolo d’Italia. O novo jornal tornou-se uma forte tribuna favorável à guerra, ao intervencionismo (defesa da intervenção da Itália no conflito) e aumentou a popularidade do então jovem jornalista e político. Os seus ex-companheiros socialistas acusaram-no de ser vendido ao grande capital. Na verdade, Mussolini percebeu as chances que a abria aos determinados e aventureiros.

Junto a escritores famosos, como Filippo Marinetti, Gabriele D’Annunzio e Mario Carli, Mussolini assumiu uma postura favorável a uma revolução dos costumes e modo de viver, aderindo ao futurismo como visão de mundo: a guerra seria o caminho para a redenção da Itália, da superação das oligarquias políticas tradicionais e a abertura de caminhos para aventureiros. Depois de breve participação no conflito, quando é ferido, Mussolini retornou a Roma e reassumiu Il Popolo d’Italia, em que transformou os arditi – tropas de elite italianas famosas por sua coragem e desprendimento – em modelo do novo homem italiano. Entretanto, a paz trouxe graves decepções para os italianos: as promessas de um império foram perdidas. Os EUA através do Plano de Paz do Presidente Wilson, recusaram-se a entregar povos e países ao domínio de outros. Os italianos, que haviam perdido 600 mil homens no conflito, declararam-se traídos. “Ganhamos a guerra e perdemos a paz” tornou-se a máxima política que agitou os meios nacionalistas. O poeta D’Annunzio tomou a frente da reação nacionalista, ocupando com um punhado de homens a cidade de Fiume, que deveria ser entregue à Iugoslávia. De Roma, Mussolini agitou as massas contra os “governos liberais fracos e sem condições de defender o povo e a honra nacional”. Ao mesmo tempo, uma onda revolucionária dirigida pelo Partido Comunista e inspirada na Revolução Russa de 1917 sacudiu o norte industrial do país, principalmente Turim. Inúmeros conselhos de fábrica, nos moldes dos sovietes, foram criados. O governo liberal se viu impotente para deter o movimento operário, sendo fortemente criticado pela Confindustria – A grande Confederação Nacional dos Industriários Italianos. No campo, inúmeras prefeituras, de posse de socialistas e comunistas, iniciaram a reforma agrária, despertando o ódio do grande proprietário e o pânico de pequenos e médios camponeses incertos quanto ao futuro. Entre 1920 e 1921, o governo foi exercido por um velho líder liberal, Gioliti, que se mostrou incapaz de apresentar um plano de reformas que apontasse para a ruptura com o passado oligárquico e preenchesse as necessidades de bem-estar dos italianos após quatro anos de sacrifícios de guerra. Em outro extremo, os nacionalistas, em grande número antigos arditi, com suas camisas negras, reuniram-se em fasci – velha palavra que remonta à tradição romana, significando feixes de varas carregados pelos lictores de Roma Antiga, com os quais aplicavam as penas criminais – e agruparam os jovens desesperançados com o regime vigente para combater socialistas e comunistas, principalmente nas fábricas e nas cooperativas camponesas. Liberais, pacifistas, socialistas e comunistas foram os alvos principais de ação dos esquadrões fascistas: com porretes (Il santo manganello) e óleo de rícino, humilhavam, espancavam e matavam seus oponentes. Os representantes da propriedade agrária também apelaram para os fascistas como força de ordem. Assim, hordas punitivas partiram das cidades para o campo, onde espalharam o terror. Nas planícies do Pó, na Emilia-Romagna, na Toscana, onde os esquadrões fascistas atacaram os sindicatos vermelhos e as prefeituras socialistas, autoridades pró-camponeses foram destituídas, cooperativas de trabalhadores rurais foram incendiadas e seus líderes espancados, havendo mais de 600 pessoas mortas em tais ataques. Portanto, em face da impotência do governo liberal, os fascistas surgiram aos olhos de proprietários e capitalistas como o partido da ordem. Em 1921, já havia 200 mil militantes fascistas em esquadrões armados, contando com o fornecimento de armas da polícia e do exército, que dominavam aldeias, cidades e províncias. Assim, foi estabelecido um clima de quebra da ordem constitucional.

O movimento fascistas – marcado por certo caráter explosivo e desregrado – foi enquadrado por Mussolini em 1921 com a criação do Partido Fascistas Nacional (PNF). Fortemente centralizado – Mussolini temia seus concorrentes provinciais dentro do partido -, o PNF aliou-se claramente ao grande capital, com apoio de líderes industriais como Giovanni Agnelli (FIAT) e Giuseppe Volpi (setor elétrico). No entanto, o partido manteve forte base popular 40% dos seus membros foram trabalhadores agrícolas, industriais e marítimos; outros eram estudantes, profissionais liberais, militares e funcionários públicos. A classe média urbana dominava os quadros dirigentes, com 90% dos postos de comando nas mãos da pequena e média burguesia. Mussolini acenava para estes com uma revolução anticapitalista, ou ao menos, contrária aos açambarcadores, mantendo um forte apelo popular e de massas. Em 1922, a crise política agravou-se e Luigi Facta substituiu Giolitti como primeiro-ministro. O novo premier foi inexpressivo e incapaz de conduzir o país através da turbulência, o que permitiu a Confindustria, aos militares e aos membros da família real pressionarem o rei Victor Emmanuel III para buscar uma saída contrária ao ordenamento constitucional. Mussolini percebeu suas chances e organizou uma Marcha sobre Roma com as tropas de camisas negras fascistas. Milhares de militantes saídos de todo o país convergiram para a capital, sem qualquer oposição da política ou do exército. Em 28 de Outubro de 1922, o rei indicou Mussolini como seu primeiro-ministro. Quando isso aconteceu, os fascistas não possuíam nem 40 deputados no Parlamento, mas os liberais e os católicos acabaram apoiando o novo governo por merecer confiança da indústria e do exército. Assim, uma série de medidas começou a subverter a ordem constitucional; Mussolini organizou a sua milícia de Segurança Nacional, que nada mais era do que um grupo de paramilitares que ele deixou sob a chefia de Emílio de Bono – o chefe de polícia – que prendeu, torturou e assassinou os adversários políticos do novo regime; ao mesmo tempo, Mussolini criou o Grande Conselho Fascista, órgão extra-constitucional que passou a aconselhar o governo. Deste modo, foi definido um duplo Estado em que as instituições tradicionais do reino foram gradativamente superadas pelo Estado autoritário-policial-fascista. Após as eleições claramente fraudadas de 1924, o Deputado Socialista Giacomo Matteoti denunciou o Estado Policial e a tortura em discurso na tribuna do Parlamento. Logo em seguida, seria seqüestrado e apareceria morto dias depois. Mussolini resistiu ao escândalo, recebendo apoio do rei, do exército e dos católicos. Assim, conseguiu sair mais fortalecido politicamente depois do caso Matteoti. Por fim, em 1926, Mussolini exigiu plenos poderes e promulgou as leis fascitíssimas que instituíram uma ditadura em que ele próprio assumia o título de Duce (líder)

Assim, quatro anos após a Marcha sobre Roma, a ditadura fascista italiana foi instituída.

3.2 Visitando velhos fantasmas: O fascismo na Alemanha.

A ascensão do Nacional Socialismo (ou nazismo) na Alemanha pode ser entendida no âmbito mais geral da ascensão dos fascismos no período entre guerras (1919-1939). Assim, mais do que destacar suas singularidades – postura que marca a extrema distinção entre fascismo stricto sensu e nazismo vigente em algumas correntes da ciência política de corte liberal – a primeira postura analítica a ser tomada é reconhecer o conjunto das ideologias de extrema direita da época como uma condição fenomenológica decorrente da crise da sociedade liberal. O fascismo – como um vasto conjunto de percepções de extrema direita em ascensão na década de 1920 – decorreu em larga escala do acelerado processo de modernização e desagregação das sociedades tradicionais, particularmente sentido em setores da pequena burguesia urbana (Alemanha, Itália e Áustria) ou em amplos segmentos camponeses (Espanha, Portugal, Hungria e Romênia). O processo de modernização oriundo da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na Europa e os efeitos político territoriais dos tratados de Versalhes, Trianon e Neully levaram ao deslocamento de amplos segmentos do campo para a cidade, como foram os casos de Berlim, Budapeste, Turim e Roma, criando amplas massas urbanas deslocadas e anômicas. Para outros segmentos, como a classe média urbana formada por funcionários da administração pública e das empresas privadas, os primeiros sinais do fordismo invasor – em especial na Alemanha e na Áustria – causaram o desemprego estrutural. Da mesma forma, em amplos setores dos funcionários públicos e privados e na pequena burguesia espalhada por milhares de pequenos negócios foi sentida uma profunda nostalgia por uma pretensa ordem social equilibrada e harmônica – cada vez mais mistificada – reinante em momentos anteriores da história. Assim, constitui-se uma utopia reacionária em que os “velhos bons tempos” existiam sempre no passado. A expansão do sindicalismo industrial – quase sempre de inspiração marxistas, muitas vezes no interior dos partidos comunistas e mesmo dos partidos sociais democratas – causou também grande apreensão em tais setores, cada vez mais convencidos de que os trabalhadores de mão sujas estariam – através das barganhas ou conspirações com os governos liberais representativos – usurpando seu prestígio social e acelerando a sua exclusão política e econômica. Os processos de restauração econômica – principalmente na Itália e na Alemanha, caracterizados pela associação entre o grande capital e sindicatos – acabaram por acelerar a monopolização industrial e empobrecimento do campo, acentuando o caráter espoliador – em relação às classes médias – da prosperidade liberal no pós-guerra. Além disso, a expansão do liberalismo – e, em alguns casos, do anarquismo e do socialismo marxista – acentuou a crítica às estruturas tradicionais, em especial ao papel da Igreja Católica duramente criticada e questionada em seu papel de liderança social. Assim tradicionais, como a Igreja, os modelos corporativos de organização social e os governos fortes centralizados – e no nacionalismo os refúgios seguros em face de um mundo incerto e em movimento.

Enquanto no norte da Europa o fascismo foi reativo e defensivo em face à dominância liberal, no sul-sudeste foi claramente preventivo, visando a derrota das forças modernizantes antes mesmo de sua hegemonia na sociedade. Assim, no seu conjunto, os fascismos poderiam ser caracterizados pelos seguintes pontos.

1. Antiliberalismo, antiparlamentarismo e antimarxismo militante, com forte apego às formas tradicionais de organização social e a um Estado, centrado numa personalidade autoritária.

2. A defesa de um Estado orgânico, marcado pelo princípio da liderança, tendo sempre à frente um Fuher ou um Duce.

3. A idéia de uma comunidade do povo como substituta da sociedade dividida em classes sociais (anulação da luta de classes) baseada em princípios metapolíticos e mesmo irracionais, como sangue, raça e história vivida.

4. A negação absoluta de qualquer possibilidade de alteridade, ou seja, a recusa tanto do Eu individual pensante quando do outro diferente e autônomo.

Como fenômeno geral, nenhum fascismo, em sua versão nacional ou local, será idêntico a outro, posto que a busca de um pretenso caráter nacional é parte fundamental da construção da comunidade nacional. Tal processo surge de forma clássica, em meados de 1929, na Alemanha, então governada por uma coalizão de partidos democráticos e que parecia pronta para reocupar seu espaço de grande potência econômica, com um amplo desenvolvimento industrial, inclusive introduzindo novas formas de organização do trabalho, como a produção fordista em massa. Grandes empresas, inicialmente favorecidas por capitais norte-americanos, instalaram-se nos arredores de Berlim e na região do Ruhr e da Renânia, empregando milhares de operários. Grandes sindicatos, tendo a frente a central sindical social democrata, que organizou politicamente tais trabalhadores, fazendo exigências em torno de salários, duração da jornada de trabalho e bem-estar social. Grande parte dos setores médios urbanos, em especial os funcionários das empresas e do Estado, permaneceram excluídas dos novos arranjos sociais e políticos – muitas vezes não reconheciam sequer um partido que pudesse representar no parlamento os seus próprios interesses. Nas coalizões parlamentares, a presença da social democracia era forte e o Ministério do Trabalho ficava invariavelmente nas mãos de um militante saído da burocracia sindical, que cuidava dos interesses econômicos do proletariado em expansão na maioria dos casos, procurando substituir o furor revolucionário dos primeiros anos da República de Weimar por concessões salariais, seguro social e pensões, o que apontava para uma melhoria social da condição operária na República, lado a lado com a decrepitude das velhas elites burocráticas do Estado e do sistema administrativo privado. Ao lado destes, existiam ainda sindicatos católicos – inspirados no catolicismo social, com nítido caráter corporativo, pregando a harmonia entre os empregados e patrões – e sindicatos comunistas, extremamente críticos da atuação da burocracia sindical social democrata e voltados para uma mudança revolucionária da sociedade. Neste contexto, o caráter republicano e parlamentar da República na Alemanha, de cunho liberal e representativo, não era capaz de despertar grande entusiasmo popular. A sua constituição – votada na cidade de Weimar, em virtude de Berlim estar tomada pela revolução comunista (daí a expressão República de Weimar) estabelecera um regime avançado de direitos políticos e sociais, com amplas garantias públicas como forma de esvaziamento do caráter revolucionário de boa parte do proletariado alemão. Portanto, desde 1919-1920, avançam os direitos sociais e a participação sindical no governo alemão.

Na República, dos conjuntos de partidos do arco constitucional – aqueles que aceitavam a existência da República – revezavam-se no poder. Inicialmente, uma coligação de esquerda – com a social democracia (SPD), o Partido Democrata (DDP) e o católico Partido do Centro (Zentrum) – formou o governo. No entanto, aos poucos, uma outra constelação política (de orientação direitista) foi se estabelecendo, com os católicos do Zentrum e o Partido Democrata preferindo uma aliança com o Partido Popular Alemão (DVP), de direita, e ligado aos interesses empresariais. Uma outra possibilidade de arranjo político foi a formação da Grande Coalizão, com a reunião no governo de todos os partidos constitucionais, desde a esquerda social democrata até a direita popular alemã (DVP). Esta era a situação entre 1928 e 1930, quando um velho militante social democrata Hermann Müller, organizou um amplo governo com todos os partidos que aceitavam a existência da República, restabelecendo a Grande Coalizão. No outro extremo do acordo constitucional, a ordem republicana era colocada em questão por dois grupos de partidos: à direita pelos nacionalistas, que nunca aceitaram a rendição alemã em 1919 e a liberal Constituição de Weimar, à esquerda pelo Partido Comunista, que tentara em 1919 realizar uma revolução e fora derrotado pela aliança da social democracia com o conservador exército alemão e os grupos paramilitares (os chamados corpos francos). Os nacionalistas e extremistas de direita acusavam a República – e em especial os social democratas – de terem traído a Alemanha, consolidando o mito da punhalada pelas costas. Tal tema será habilmente manipulado por um até então pequeno partido de extrema direita o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), também conhecido como nazista (corruptela de nacional, em alemão nazional). Este recusava a existência da República, atribuía aos partidos a derrota da Alemanha em 1918 e via tudo como uma poderosa conspiração mundial judaica, especialmente dirigida contra a superioridade racial e cultural alemã, configurando claramente as características centrais do fascismo, tais como: antiliberalismo, antimarxismo e antiparlamentarismo, além da adoção de uma teoria conspirativa – no caso dos nazistas, voltada contra os judeus. Portanto, queriam a liquidação do Tratado de Versalhes – que pusera fim à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e obrigara a Alemanha a renunciar a ter Forças Armadas poderosas, além de obrigá-la a pagar uma imensa dívida de guerra e entregar grande porções territoriais para a França, Polônia e Bélgica. Em pleno funcionamento das instituições republicanas, com crescimento econômico e garantias sociais, a influência dos nacionais socialistas ficou restrita aos grupos reacionários oriundos do exército, à pequena burguesia urbana (lojista e pequenos empresários) e aos funcionários públicos nostálgicos do prestígio usufruído sob o Segundo Reich (1871-1919).

O Partido Nacional Socialista não era homogêneo: grupos rivais disputavam a hegemonia e o controle da hierarquia interna, particularmente a partir de 1930, quando o partido começou verdadeiramente crescer. Uma ala era particularmente ativa: os AS, tropas de choque que desfilavam fardadas portando insígnias pelas ruas e promoviam atos de vandalismo e terror contra judeus, comunistas e locais gays. O seu líder, Ernst Röhm, desenvolvera uma virulenta linguagem anti-semita, acusando os judeus – paradoxalmente identificados com Wall Street e Moscou – de organizarem uma cruzada anti-alemã. Assim prometiam acabar com os tubarões capitalistas, a exploração usuária, identificando capitalismo e judaísmo. Ao seu lado, figuravam ainda os irmãos Strasser (Gregor e Otto), que organizaram sindicatos nazistas e prometiam ir além dos programas sindicais sociais democratas com uma revolução verdadeiramente nacional e socialista. Foi neste clima político que eclodiu a crise econômica mundial de 1929, repercutindo fortemente no país. A fuga abrupta dos capitais norte-americanos e a paralisação do país, principalmente em virtude da queda das exportações, levaram a uma crise profunda, com altos níveis de desemprego e mal estar social generalizado, provocando a perda da solidariedade social. A Grande Coalizão que governava o país não estava pronta para a crise, assim como os mecanismos de bem estar social criados pela República: com um exército de mais de quatro milhões de desempregados (e que chegará a 6 milhões em 1932), as instituições começaram a dar sinais de exaustão. O ponto de ruptura adveio com a discussão sobre o seguro desemprego que, montado para funcionar em uma economia mundial normal (e a pleno vapor), não mais conseguia dar conta de milhares de desempregados. A resposta do governo foi aumentar a contribuição de empresários, trabalhadores e do Estado para cobrir os valores devidos aos desempregados. O Partido Nacional Popular (DVP), representando o empresariado, recusou-se a aceitar qualquer aumento da contribuição do Estado e dos empresários, enquanto o ministro do Trabalho (sindicalista social democrata) recusava-se a aceitar o fim do amparo ao trabalhador ou o aumento exclusivo de sua contribuição. Assim, ruía o último governo democrático da Alemanha, sob o peso da crise e da incapacidade dos seus partidos políticos apresentarem uma solução política viável.

O Presidente da República, o velho Marechal Hindenburg, sinceramente monarquista e conservador, viu chegado o momento para impor uma nova forma de governo à República: desprezando o Parlamento e os partidos, usou seus poderes de exceção e nomeou um governo de minoria sem apoio parlamentar, governando através de decretos presidenciais. Não se tratava de um golpe de Estado: a Constituição previa o caso, mais apenas em circunstâncias especiais e não como norma de governo. O escolhido como primeiro-ministro foi o político católico Heinrich Brüning que procedeu, após assumir o poder, as novas eleições em busca de constituir uma maioria de centro direita que apoiasse. Brüning colocou em prática um programa extremamente severo e impopular, que envolvia redução da massa salarial dos funcionários, cortes nos gastos com seguro desemprego e aposentadorias, além de anular as convenções coletivas de trabalho e aumentar os impostos indiretos. O resultado eleitoral foi catastrófico. Brüning não conseguiu sua maioria de centro direita, pelo contrário, o centro político do país desabou e a extrema direita nazista agigantou-se. Os nazistas passaram de 3% para 18% do Parlamento, com 107 deputados, tornando-se o segundo partido do país, atrás apenas da social democracia.

O Partido Comunista também cresceu. Assim, ocorreu uma nítida crise de representatividade, com os partidos tradicionais de direita (liberal ou nacionalista autoritário) perdendo eleitores para a extrema direita. Brüning apelou então ao presidente para continuar governando por decreto. No entanto, irritado com a política de impostos contra a propriedade agrícola – da qual ele próprio era um representante – e com a proibição das tropas nazistas AS, Hindenburg demitiu o primeiro-ministro, chamando um aristocrata católico profundamente ligado ao empresariado alemão. Franz Von Papen, para o cargo em 1932. Von Papen contou com o apoio de apenas 71 dos 577 deputados. Por isso, mais uma vez o presidente usou os seus poderes de exceção. Von Papen reverteu o programa político de Brüning e procurou uma aproximação com o Partido Nazista, inclusive apresentando Hitler aos grandes industriais e banqueiros do país. Através da intermediação de Von Papen, cessaram as reservas que os grandes capitalistas nutriam contra o palavreado demagógico do Partido Nazista (principalmente em torna da idéia da revolução apregoada por Röhm e pelos irmãos Strasser), recebendo vultosas contribuições financeiras. Assim, quando ocorreram as novas eleições, houve um clima de extrema violência, com os nazistas dominando as ruas e estabelecendo o terror no país.

O partido saiu das eleições como o mais forte, tendo 43,9% dos votos. No entanto, ainda não tinha condições de formar sozinho um gabinete. Por isso, Von Papen ............. esse trecho do texto está apagado na última linha da página 154 ele respondeu com vigorosa negativa. Na percepção do líder nazista, tratava-se de assumir a integralidade do poder e não diluí-lo em meio às outras organizações de direita. Por fim, sem sucesso em convencer Hitler a aceitar um papel secundário no governo, Von Papen procedeu à nova eleição, que resultou em grande surpresa: os nazistas perderam dois milhões de votos, enquanto os sociais democratas (SPD) mantiveram seu eleitorado e os comunistas alcançaram grande vitória. Porém a disputa entre os dois grandes partidos e o veto das Forças Armadas aos comunistas impediram o funcionamento do Parlamento e a formação de qualquer coligação de esquerda capaz de opor-se aos nazistas. A análise política da Internacional Comunista – já dominada pelos stalinistas, que consideravam o SPD social-fascismo – e a crença ilusória numa revolução mundial em virtude da crise econômica contribuíram também para a paralisia da esquerda. A província da Prússia, liderada pelos social democratas e pelo grande centro operário, rebelou-se contra Von Papen e seu governo, mas foi ilegalmente demitida. Para manter a normalidade política, Hindenburg apelou para um reforma autoritária da República, chamando o Exército para intervir na cena política: o general Schleicher assumiu o cargo de primeiro-ministro e negociou com a ala mais populista do Partido Nazista, em especial com Gregor Strasser, tentando formar uma base parlamentar, ao mesmo tempo em que pediu apoio do SPD. No entanto, mesmo demitido do cargo de primeiro-ministro, Von Papen continou conspirando em torno de uma aliança com Hitler: a sua expectativa era domesticar o nazismo e utilizá-lo contra a poderosa estrutura sindical, contra os partidos comunistas e contra a social democracia, viabilizando a sua figura como homem providencial do empresariado alemão. Assim, aproximou Hitler dos círculos católicos e dos empresários que, por sua vez, pressionaram o presidente da República, que demitiu Schleicher. Em 30 de Janeiro de 1933, Hindenburg formou um gabinete com Hitler como primeiro-ministro e Von Papen como ministro do Exterior. Hitler procedeu imediatamente a uma série de mudanças radicais no ordenamento do país: suspendeu os direitos civis e declarou estado de exceção em “defesa do povo e do Estado”; através do apoio dos católicos conseguiu plenos poderes, já independentes do presidente – que morreu em 2 de agosto de 1934, abrindo caminho para que Hitler unisse os cargos de primeiro-ministro e presidente, sob a denominação de Füher.

Após a farsa do incêndio do Parlamento (Reichstag), Hitler colocou fora da lei comunistas e sindicalistas, abrindo nas imediações de Berlin o primeiro campo de concentração (Oranienburg). Várias medidas começaram a ser tomadas contra os judeus, definidos como a origem de todos os males da Alemanha. A ala populista do partido – que ameaçava a aliança com o Exército e o empresariado – foi eliminada na Noite das Longas Facas pelas tropas SS. Inúmeras lideranças nazistas concorrentes com Hitler foram assassinadas, entre elas Gregor Strasser e Ernst Röhm, assim como general Scheleicher. Von Papen foi demitido e enviado para a Turquia como embaixador. Assim, com extrema rapidez, Hitler livrou-se de seus aliados de primeira hora. As massas populares antiliberais e anticapitalistas – que esperaram inutilmente por uma segunda revolução contra o grande capital e novo capitalismo modernizante, e que deveria ser conduzida pela ala mais popular do nacional socialismo, sob a liderança de Ernst Röhm e seus camisas pardas AS, tiveram as suas expectativas frustradas. Em seguida o regime nazista livrou-se dos conservadores tradicionais e dos católicos. Em nenhum momento Hitler enganou-se quanto aos interesses destes parceiros em usar suas forças contra as alas de esquerda e, assim que se sentiu suficientemente forte, tratou de desvencilhar-se deles, estreitando a base social da ditadura. Quanto mais exígua esta se tornava, mais fundamental era a mobilização do conjunto das massas sociais como forma de participação política e de consolidação do regime. Assim, a agitação em torno da conspiração judaica, do deboche contra a raça – a alusão ao homossexualismo – ou da conspiração negra (dos padres católicos), assim como o ufanismo racial e nacionalista, serviam como instrumento de coesão em torno de um regime que via sua base social encolher. Outros instrumentos, como a promoção social do lazer, com festas coletivas, viagens prêmio, jogos e amplo desenvolvimento das atividades ao ar livre – compunham o quadro da construção do consentimento coletivo em torno da ditadura nazista. No entanto o Estado nazista não descuidou em momento algum da construção de um grande aparato repressivo, centrado no Reichssicherheitshauptamt, um super ministério encarregado da vigilância, perseguição, prisão e extermínio daqueles considerado inimigos do Estado e que iria levar a apoteose do assassinato industrial em massa nos campos de concentração e extermínio. A mobilização permanente das forças sociais e a substituição da participação política clássica por um processo constante de apelo do líder às massas implicaram justamente na definição de inimigos objetivos (antipovo, antiraça, antinação) para condenação pública e justificação do caráter policial do Estado.

A derrota da Alemanha, e seus aliados, frente aos russos, americanos e britânicos em 8 de março de 1945 deveria por fim, em definitivo, a quaisquer possibilidades de retorno do flagelo do nazismo. Contudo não foi isso que ocorreu. Logo após a guerra, primeiro na Itália e depois por toda a Europa, reorganizaram-se as forças fascistas, chegando mesmo a criar na Suécia uma associação de partidos fascistas de todo o mundo, a chamada Internacional de Malmo. Começavam os tempos da ressurgência do fascismo.

4.0 O Retorno de um Fantasma: A ressurgência do Fascismo.

A ressurgência do fascismo, a partir dos anos 80 do século XX, guarda marcas absolutamente novas e características. Não se tratava, desta feita, como o foi nos anos 60, da aparição de pequenos grupos saudosistas, compostos de veteranos da dejá-vu, reunidos em um hotel de província qualquer, como na Alemanha, dos anos 60, com organizações diretamente herdeiras do fascismo histórico, como o Nationaldemokratischen Partei Deuthsland (NPD), nitidamente constituído por quadros médios do antigo Terceiro Reich. Sua atuação pautava-se claramente na tentativa de testar a tolerância do sistema político da República Federal e, além de tudo, em buscar instrumentos que pudessem ser utilizados como forma de propaganda. O clima de Guerra Fria, com o forte sentimento anticomunista existente na Alemanha Ocidental, ao lado da presença soviética na República Democrática Alemã (DDR), a chamada “zona de ocupação soviética”, eram compreendidos como fatores capazes de atrair simpatias para um movimento que se erguia como tendo sido historicamente uma barreira face à expansão bolchevique. Da mesma forma, a forte presença, de quase três milhões de pessoas, expulsas de seus lares antigos territórios das antigas províncias alemães da Prússia Oriental (anexados à Polônia e à União Soviética), constituía uma clientela capaz de garantir um eleitorado fiel a quem se dispusesse a propor visionariamente a revisão dos Acordos de Ialta e Potsdam. Neste sentido, o Nationaldemokratischen Partei, com suas palavras de ordem tiradas do movimento de rua dos anos 30 e sua plataforma política de revisão das conseqüências da Segunda Guerra Mundial, apontava para o passado e era constituído por homens do passado.

Na Itália, por sua vez, ao longo dos anos 60, o clima político mostrava-se ainda menos propício ao desenvolvimento de uma organização de tipo fascista. A forte presença de dois grandes partidos de massa, a Democracia Cristã, herdeira dos Popolari, e o PCI, historicamente antifascista, ocupava largamente o cenário político nacional. O MSI – Movimento Social Italiano, fundado logo em 1946 por ex-integrantes do partido fascista mussoliniano, mantinha-se como um movimento saudosista, centrado fortemente na figura de Mussolini como grande administrador e garantidor da unidade nacional. O fascismo propriamente dito, como movimento político de características próprias, era visto como algo secundário, dispensável ao modelo de Estado forte e do anticomunismo militante. Os males infligidos a Itália surgiam como conseqüências da associação como a Alemanha Hitlerista, que havia arrastado o país para o desastre. A carreira inicial do fascismo, com a violência política, a supressão das liberdades, atentados e assassinatos era, pura e simplesmente, reescrita. Assim, ao longo de todo o período do pós-guerra o MSI jamais apareceu como uma alternativa válida de poder, nem mesmo quando a Democracia Cristã via suas instáveis coligações ameaçadas de naufrágio. Mais tarde, a guinada eurocomunista do PCI, sob Enrico Berlinguer e a proposição do “Compromisso histórico”, reduziriam a migalhas qualquer pretensão governativa do MSI, uma vez que o próprio PCI impunha-se como possibilidade de estabilidade governativa para a Itália. Talvez aí resida a explicação básica do fermento putschista da extrema direita italiana, com seus contatos com as. FIM DO TEXTO

[1] No cristianismo, é a maior e a pior sentença de excomunhão da Igreja, onde o anátemo, além de ser expulso da igreja com todos seus ritos eucarísticos e todas as atividades voltadas ao fiéis, ainda é considerado como amaldiçoado pelo sacerdote. Os anátemas acontecem em celebrações públicas e são feitas por pontífices maiores, como bispos e cardeais. Em algumas tradições cristãs existem ritos específicos para o anátema.[1]. O anátema é o mais severo caso de excomunhão, ocorrendo somente nos piores casos possíveis de heresia contra a fé.