sábado, 23 de julho de 2011

Capitalismo, Prosperidade e Estado de Bem-Estar Social


Capitalismo, Prosperidade e
Estado de Bem-estar social



Enrique Serra Padrós. Professor assistente de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Do livro O Século XX


O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi marcado pela reconstrução européia e japonesa, pela Guerra Fria, pela descolonização e pela nacionalização da hegemonia americana. Mas foi, também, um período de enorme crescimento produtivo nos países desenvolvidos. Denominados de anos gloriosos ou Idade de Ouro, o fato é que os primeiros trinta anos do pós-guerra, constituíram uma era única na história contemporânea. A espantosa recuperação do mundo capitalista, quanto ao crescimento econômico e avanços tecnológicos, revolucionou as pautas de consumo e comportamento até então existentes.


1. Sombra e Luzes sobre o mundo capitalista depois do Triunfo sobre o nazismo. A Saída da Segunda Guerra Mundial.
O impacto da Segunda Guerra sobre o conjunto da sociedade européia teve características inéditas. O fato de ter sido uma guerra total, envolvendo a mobilização de todos os setores produtivos e recursos naturais, deixou cicatrizes profundas entre os sobreviventes. As utilizações de novas tecnologias de destruição e as enormes mobilidades dos exércitos atingiram áreas extensas. O bombardeio das vias de comunicação e o desmantelamento e mudança de fábricas para zonas mais seguras contribuíram para desorganizar, ainda mais, a vida material das pessoas. Aliás, nunca se vira, até então, tamanha transferência de contingentes populacionais. A guerra deslocara dezena de milhões de pessoas, soldados, prisioneiros de guerra, as vítimas do racismo, trabalhadores forçados, além dos movimentos espontâneos de população fugindo da guerra. Tais fluxos provocaram, por toda a Europa, alterações demográficas, problemas geopolíticos e choques que acrescentaram novos tensionamentos à sempre explosiva convivência entre as diversas nacionalidades continentais. Além das dezenas de milhões de mortos, feridos, mutilados e desabrigados, deve-se contabilizar o número de nascimentos que, previstos segundo as tendências do pré-guerra, não chegaram a ocorrer. Calcula-se que ao redor de 55 milhões de pessoas, potenciais produtores e consumidores, deixaram de nascer na Europa, o que é um dado espantoso. A própria falta de braços no campo gerou subprodução, encarecimento dos alimentos e surgimento do mercado negro em um período em que a fome e o desabastecimento estavam na casa da maioria dos europeus.


O endividamento das economias européias, em decorrência da guerra, é outro fato a destacar. Os países envolvidos gastaram seus estoques de moeda e recorreram a empréstimos externos e ao endividamento comercial, provocando a reconversão de saldos das antigas potências européias em relação a alguns países do Terceiro Mundo. Em 1945, por exemplo, a dívida britânica junto à Argentina (uns 126 milhões de libras) só foi zerada com a venda de empresas que a Grã-Bretanha possuía naquele país (ferrovias, companhias de construção elétrica, transporte urbano). A essa altura, parte desse material já era considerado obsoleto, mas a nacionalizações foram capitalizadas pelo projeto político peronista.


Os índices globais do fim da guerra mostram as enormes dificuldades dos países europeus para ressurgir da destruição material. Os níveis de produção caíram em quase todos eles. Comparada aos anos 30, a produção de cereais diminuíra em 70%, a de carne 66% e outros produtos agrícolas 75%. Embora algumas tecnologias vinculadas à indústria de guerra se tivessem desenvolvido, o produto industrial despencou. Claro, alguns beneficiaram-se com o colapso europeu. Os EUA, durante a guerra, triplicaram a produção industrial (em 1946 produziram metade da produção mundial) já a sua renda per capita aumentou mais de 100% (de 550 para 1.260 doláres).


Além das perdas materiais, as potências coloniais européias tiveram enorme dificuldade para manter seus impérios. Por quê? a) a contradição no apelo das metrópoles ao esforço de guerra colonial contra as ditaduras fascistas em nome da democracia e liberdade; b) a falta de condições materiais para restabelecer a tradicional relação metrópole-colônia c) a penetração econômica americana nas colônias européias durante a guerra d) a pressão política e simultânea dos EUA e da URSS contra a manutenção da ordem colonial: a primeira, contrária aos mercados fechados; a segunda, identificando-se com os movimentos revolucionários e procurando novos espaços econômicos para relacionar-se. Independentemente de questões ideológicas, a descolonização enfraqueceu a Europa em benefício das superpotências.


O impacto da guerra sobre a consciência européia foi considerável. Restou um medo residual da barbárie, da tecnologia destrutiva, dos perversos efeitos das ocupações. Nada mais brutal, do que a presença de milhares de crianças órfãs, além das terríveis imagens dos diversos holocaustos (judeus, eslavo, cigano e etc.) Neste aspecto, a reconstrução foi muito mais difícil. O colaboracionismo ficou como ferida exposta nas consciências nacionais. Puni-lo? Ignorá-lo? Execrá-lo? A guerra abalou crenças profundas da cultura européia. As cicatrizes físicas e morais, junto com a memória ou o esquecimento, foram a outra cara da sociedade que devia reerguer-se.
A experiência da pós-primeira guerra e a crise de 1929 serviram de referência para evitar situações posteriormente semelhantes. O dilema para a economia americana era o de como evitar uma crise de superprodução no fim da guerra. Ou seja, como orientar um reordenamento internacional e a necessária reconversão de uma economia de guerra para uma outra em tempos de paz, sem correr o risco de um quebra-quebra generalizado? Como fazer para adequar os altos índices de produtividade atingidos entre 1939 e 1945 com a realidade do pós-guerra? Por um lado, era fundamental evitar a falências das economias européias, pois a recuperação econômica da Europa era estratégica para a manutenção da supremacia dos EUA. Por outro, a superpotência destinou cotas de alimentos a fundo perdido como ajuda humanitária para que os europeus enfrentassem os dolorosos primeiros meses de fome e frio. Na prática o governo dos EUA comprava enormes estoques de seus agricultores, mantinha os lucros para o setor agrícola, impedindo a sua quebra, e melhorava muito a sua imagem externa. Entretanto, a ajuda não tão desinteressada assim. Havia uma contrapartida. As econômicas européias deviam seguir as recomendações americanas de flexibilizar seus mercados e suas políticas econômicas às novas tendências estruturadas a partir da lógica do sistema de acumulação dos EUA.


Desde os anos 30, já se estudavam mecanismos de dinamização do comércio e de mudanças na rigidez monetária pautada em cima do padrão ouro (universalmente aceito). Porém, em julho de 1944, nos Estados Unidos, representantes de 44 países reuniram-se para desenhar o panorama econômico mundial. Num cenário de fim de guerra e reconstrução posterior procuraram-se soluções para a falta de pagamentos internacionais (principalmente dos países endividados com o conflito) e que mantivessem a dinâmica relação produção-consumo. Após diversas propostas, aprovaram o acordo de Bretton Woods, que introduzia as seguintes modificações: a) aceitação do dólar como moeda internacional e conversível em ouro (a libra esterlina foi usada por pouco tempo); b) livre conversibilidade das moedas nacionais entre si, a partir de uma paridade fixada em ouro ou em dólares; c) criações de instituições que sustentassem os acordos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, mais conhecido como Banco Mundial. Bretton Woods definiu a livre conversão de dólares por ouro (cada onça de ouro foi taxada em 35 dólares), numa época em que os EUA detinham quase 80% das reservas de ouro. Estas enormes reservas tinham sido obtidas na troca por produtos industriais americanos e com um artifício muito controverso. O valor do ouro estava congelado nos índices de 1934. Ora, somente entre 1939 e 1945 houve uma inflação que variou, dependendo do setor, entre 200% e 400%. Ou seja, os EUA lucraram muito vendendo produtos com o valor corrigido pela inflação em troca de ouro com valor congelado. A enorme transferência de ouro para os EUA foi um dos fatos mais importantes do início da reconstrução européia. Assim, podia-se garantir a conversão desse ouro em dólares mantendo-se o dinamismo do circuito comercial. Os EUA passavam a desempenhar o papel de fiadores da economia internacional. Era o famoso “padrão de cambio ouro” (Gold Exchange Standard) que substituía o padrão ouro (Gold Standard)a frase “o dólar é tão bom quanto o ouro” sintetizava a necessidade de mudar a mentalidade das pessoas em relação aos novos tempos, quer dizer, desfazer-se do ouro e assumir o dólar como base monetária internacional. Quanto ao FMI, vigiava a aplicação das novas normas monetárias, promovia a estabilidade dos tipos de câmbio e favorecia um sistema multilateral de pagamentos. Já o Banco Mundial priorizava a reconstrução, investindo capital nas economias destruídas e reconvertendo as estruturas produtivas às novas necessidades de paz.


A realidade do intercâmbio comercial e do volume de endividamento europeu com os EUA mostrou-se muito mais complexa do que se antevia. Os países europeus precisavam de dólares para saldar dívidas e viabilizar projetos de desenvolvimento. Havia duas formas de obtê-lo. Uma, através da obtenção de saldos positivos no comércio com os EUA (o que não se verificava). Outra, através da venda do ouro dos bancos centrais nacionais (que como vimos, tinha o preço congelado). A segunda possibilidade era a mais viável, porém a situação era dramática. As necessidades dos países eram superiores ao que as reservas nacionais possuíam. E os EUA continuavam lucrando. Sua produção escoava para um enorme mercado externo, enquanto acumulava a maior quantidade do ouro que os outros países eram obrigados a gastar. Evidentemente que o ouro acabou e reconstrução ficou incompleta. A Europa, não tendo mais como obter novos dólares, passou a conviver com a crise da “fome de dólares”. O medo de turbulências sociais e a possibilidade de avanços dos partidos de esquerda no velho continente levaram o tesouro americano a uma intervenção cirúrgica nas frágeis economias européias e japonesa do pós-guerra. Para revitalizar o capitalismo dessas regiões. Era fundamental desobstruir os canais do comércio mundial e afastar o perigo de qualquer fantasma revolucionário. Em relação a esta última afirmativa, deve-se lembrar que, durante os primeiros anos do pós-guerra, enquanto a União Soviética consolidava a sua posição no Leste europeu, a esquerda mostrava-se muito forte na França, Itália e Grécia. Esta situação levou os EUA a elaborar a Doutrina Truman, eixo norteador da sua política externa no alvorecer da Guerra Fria e que antecedeu em alguns meses o Plano Marshall, do qual não pode dissociar-se. No dia 5 de junho de 1948, o Secretário de Estado George Marshall, discursando na Universidade de Harvard, defendeu o aumento da ajuda econômica à Europa. Os Objetivos do Plano Marshall eram: a) reconstruir a sociedade capitalista global; b) recompor a economia européia; c) integrar o Ocidente europeu à economia americana; d) adequar a imensa defasagem entre os dólares e ouro existentes nos EUA e a falta deles entre os aliados ocidentais.


Portanto, o fornecimento de doações e empréstimos americanos a juros baixos visava equilibrar orçamentos e estabilizar as moedas européias. Inicialmente, a oferta de ajuda abrangia também os países da Europa Oriental. Porém, conhecidas as condições de adesão para o recebimento da ajuda, ficou muito claro, para a lideranças de Moscou, que o plano intervinha nas economias nacionais limitando seriamente a soberania de projetos estratégicos de desenvolvimento. Ou seja, no Leste europeu, produziria a inviabilização de projetos socialistas. Assim, restrito a Europa Ocidental (excetuando inicialmente a Espanha Franquista), entre 1948 e 1961 entraram na Europa uns 30 bilhões de dólares, na forma de empréstimos e doações. A Inglaterra o país mais beneficiado, recebeu 7,5 bilhões de dólares (seguido da França com 5 bilhões, Alemanha com 4 bilhões e Itália com 3,5 bilhões) Num primeiro momento, os novos investimentos priorizavam a produção de alimentos, rações para animais e fertilizantes, posteriormente, matérias-primas e manufaturadas. O Japão recebeu ajuda semelhante através do Plano Dodge.


O Plano Marshall foi fundamental para a acelerada recuperação das economias européias nos anos 50 e 60. Mas foi muito mais favorável aos EUA. Entre as condições impostas estava a que facilitava aos EUA acessar as matérias-primas estratégicas do seu interesse (cromo, tungstênio), lembrando que 70% de todos os produtos importados pela Europa também provinham da lá. Inclusive, confirmava-se o temor soviético. Técnicos americanos fiscalizavam a utilização dos fundos, a não abertura de empresas concorrentes das americanas, os orçamentos estatais e a proibição de venda de material estratégico ao Leste europeu.


A receptividade e docilidade dos governos europeus às orientações americanas era fato levado em conta. A interdependência entre a Europa e os EUA acentuou-se significativamente. O plano garantiu aos EUA manter índices de produtividade semelhantes aos da guerra. E se a Europa recuperou rapidamente um novo ciclo de crescimento, cabe lembrar, entretanto, que perdera a primazia mundial dentro do capitalismo. Fora deslocada, definitivamente, pelos EUA. O plano permitiu superar a tendência à estagnação da “fome de dólares”, substituindo-a pela dolarização do mundo. A combinação dos efeitos da Conferência de Bretton Woods com os do Plano Marshall confirmava a idéia de “americanização da economia do mundo ocidental”, ou seja, a imposição hegemônica dos EUA (Trias, 1977, p.204)


Paralelamente ao processo de reconstrução européia ocorreu a sua integração. Em 1948 nasceu a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE) mais tarde Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Sua função era a de distribuir a ajuda do Plano Marshall. Concomitantemente, aprofundava-se a associação entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo (Benelux), experiência bem sucedida de eliminação de taxas alfandegárias e restrições comerciais monetárias. Em 1951, avançara-se muito com a formação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA). Proposta no Plano Schuman (ministro de Relações Exteriores francês), visava esvaziar a competição industrial franco-alemã colocando sob uma autoridade supranacional uma política de produção conjunta para o carvão, aço e ferro. Estabelecia-se, assim, um único mercado europeu de carvão e aço (sem taxas, alíquotas ou discriminação de fretes, subsídios e etc.) Sendo uma experiência setorial, trouxe ganhos políticos e mostrou o caminho da integração sem conflito.


Finalmente, em 25 de março de 1957, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Luxemburgo e Itália, a Europa dos seis, acordavam o Tratado de Roma, criando a Comunidade Econômica Européia (CEE). Embora sem maior homogeneidade entre os parceiros, houve voluntarismo político para superar o ressurgimento de conflitos. A livre circulação de produtos agrícolas e industriais e taxas alfandegárias comuns ante terceiros caracterizaram o primeiro período da CEE. A Inglaterra, ponta-de-lança dos interesses dos EUA no continente não querendo abrir a sua zona internacional de influência (a Commonwealth), optou por não fazer parte da CEE assim como não fizera da CECA.


Em resumo, as perspectivas do que seria a reconstrução européia se confirmaram. Foram anos muitos duros para uma população que tanto sofrera. A terrível destruição material da sociedade somaram-se milhões de pequenas tragédias individuais cujas feridas permaneceriam expostas por muitos anos mais. Qualquer pós-guerra, por pior que fosse, sempre era melhor que a realidade da própria guerra. Por outro lado, temia-se que a paralisia da economia européia levasse ao colapso a economia americana, que se agigantara abastecendo seus aliados. Mas a experiência do fim da Primeira Guerra e a identificação de uma nova ameaça, a soviética, permitiram uma relação diferenciada no que diz respeito à cobrança das dívidas dos aliados e ao tratamento dado aos vencidos. A grande descoberta dos EUA foi que, para manter a hegemonia conquistada durante a Segunda Guerra, era necessário recuperar a economia e o tecido político europeu e japonês. Em vez de países frágeis, precisava de aliados para a Guerra Fria e de consumidores para a sua indústria (muito maior que as reais necessidades de seu mercado interno). O acordo de Bretton Woods, complementado pelo Plano Marshall, garantiu um volume de moeda que viabilizou a relação demanda-produção. Isto foi fundamental. Garantiu um fantástico crescimento produtivo e acumulação de capitais nos EUA e impulsionou a recuperação européia e japonesa. Ainda estimulou a integração na Europa e possibilitou que essas economias fossem permeáveis aos interesses americanos. Era o resultado da supremacia indiscutível dos Estados Unidos no mundo capitalista.


2. As décadas de Progresso: A transformação do capitalismo. Demografia, economia, política e cultura. O desenvolvimento do Progresso Material e social.


A sociedade emergente da guerra, de forma global, caracterizou-se pela aceleração do crescimento econômico e um boom industrial sustentado pelos avanços da pesquisa científica aplicados nos setores produtivos.


O crescimento econômico das três décadas posteriores à guerra constituiu um fato inédito. As perspectivas de estagnação foram afastadas pelos mecanismos internacionais implementados pelos EUA. A interdependência gradual dos mercados, combinando-se com um Estado que assumia tarefas econômicas e sociais, propiciou “o grande salto” (Hobsbawm, 1995, p.264) A interação mercado-Estado produziu a “economia mista”. O Estado planejava, racionalizava e orientava a produção. Comprometia-se com previdência social e garantia o pleno emprego, afastando o clima de instabilidade. Era o Estado Regulador ou de Bem-Estar Social.


Mas como se explica o crescimento do pós-guerra? No que diz respeito à organização do trabalho, o que predominou na reconstrução do pós-guerra foi a expansão do sistema americano conhecido como fordismo. O sistema de trabalho montado pelo empresário Henry Ford consistia na adequação de tarefas seqüenciais e repetitivas, existentes desde o século passado, com a inédita esteira mecânica, criando assim uma linha de montagem. Fixando o trabalhador ao longo da esteira, reduzia o gasto inútil de energia e controlava a velocidade do processo de trabalho. Os ganhos em produtividade foram notáveis. Também estava implícita no fordismo a visão de que se remunerasse melhor os trabalhadores, estes se tornariam consumidores. Ou seja, por que não ampliar o leque de consumidores se isto implicava mais produção? Ford acreditava que cabia ao Estado regulamentar e organizar essas relações. O New Deal de Roosevelt dava-lhe, parcialmente razão.


Antes da Segunda Guerra Mundial, o fordismo existia somente nos EUA. Na reconstrução constituiu-se num dos pilares da expansão americana. Vinculado aos princípios do Estado capitalista regulador, ajudou a solucionar o problema do excesso de mão-de-obra que não era absorvido pelos sistemas de trabalho, mais simples e em menor escala, existentes na Europa antes da guerra. A imposição e expansão do fordismo na Europa e Japão trouxeram rápidos benefícios. A linha de montagem acelerou e dinamizou a produção, especializou os trabalhadores em ações simples e modernizou os padrões de produção, especialmente no setor automobilístico e de eletrodomésticos. Além do próprio conceito, grande parte da maquinaria necessária para a linha de montagem também deveria ser comprada dos EUA.


Mas, em termos políticos, o mais importante talvez tenha sido a exportação da concepção de um mercado massificado do qual fazem parte importantes setores de trabalhadores industriais e agrícolas. A adesão à idéia de ver no operário um consumidor potencial teve, como conseqüência imediata, o fortalecimento dos mercados internos e a possibilidade de um crescimento econômico parcialmente auto-sustentado das economias nacionais desenvolvidas. A transformação do trabalhador em um consumidor de produtos até então inacessíveis, através de aumento salarial, criava uma sensação de melhoria material e esvaziava pressões sociais gerais. O fordismo, além de ser um dos pilares do chamado Estado de bem-estar social gerou, também, demandas de maquinaria e capital. Os padrões de produção em série e em grande escala e o consumo massificado, ligados direta ou indiretamente a investimentos dos EUA, mostram o real caráter deste reordenamento mundial.


A base teórica do Estado pós-guerra nos países desenvolvidos foi formulada pelo economista britânico John Maynard Keynes, que em 1936 publicou A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. A sua proposta fundamental defendia o estímulo da demanda e o aumento da produção, da renda e do emprego através da intervenção do Estado. Este devia corrigir os defeitos do mercado objetivando um capitalismo eficiente. Como veremos depois, a doutrina Keynesiana, ao defender o papel regulador do Estado na economia e nas relações sociais, acabou sendo a sustentação explicativa do Estado de bem-estar social.


Em termos demográficos, a recuperação de pós-guerra foi acompanhada por significativo crescimento (baby boom). Acompanhando a tendência da economia, o aumento populacional durante os anos de ouro contrastou com o período anterior à guerra, quando houve redução do tamanho ideal da família. Após 1946, e de acordo com as teses Keynesianas sobre o consumo, muitos governos estimularam o crescimento da natalidade. A partir dos anos 60 verificou-se uma retratação em diversos países desenvolvidos. Vários foram os motivos: o medo da superpopulação, a generalização de métodos contraceptivos, a legalização do aborto em alguns países, o temor de novos problemas econômicos e a conscientização da relação entre famílias reduzidas e bem-estar social. Já no terceiro mundo, houve crescimento permanente. A redução da taxa de mortalidade, o aumento da expectativa de vida e o violento processo de urbanização promoveram alta taxa de natalidade. O debate sobre as teses malthusianas (crescimento demográfico muito maior que a capacidade da população produzir alimento) avançou nos anos 60 e 70.


A reconstrução européia e japonesa na agricultura passou a ser chamada de segunda revolução agrícola. A modernização tecnológica e a maquinização do trabalho desenvolveram pequenas prosperidades agrícolas com o aumento de produtividade. E a reforma agrária foi imposta onde ainda não ocorrera, como no Japão. A tecnologia aumentou fantasticamente a capacidade de produção de alimentos. A introdução da genética e da química (adubos, pesticidas) afastou o fantasma da fome e rompeu a dependência européia dos mercados externos. A fome crônica ficou evidenciada muito mais como problema político de prioridade de investimento em escala planetária do que de superpovoamento mundial.


Um ultimo elemento a destacar para a compreensão do desenvolvimento global da sociedade do pós-guerra é a pesquisa científica e os avanços tecnológicos produzidos. A guerra atingiria toda a estrutura produtiva. Matérias-prima, energia, equipamentos, sistemas de montagem. A complexidade e o custo das novas pesquisas e tecnologias acentuaram a dependência em relação ao grande capital. Por outro lado, a velocidade na aquisição de novos conhecimentos sucateava rapidamente a produção há pouco desenvolvida (a indústria de armas foi o grande exemplo). A sofisticação de algumas plantas industriais a necessidade de mão-de-obra; a automatização caracterizou os últimos anos do período. A corrida espacial a energia nuclear, a eletrônica e a robótica foram alguns dos novos setores privilegiados por essa revolução tecnológica. A aplicabilidade da ciência passou a ser quase direta. A física aprofundou o desenvolvimento da energia atômica (os reatores nucleares e a bomba H nos anos 50); a astronomia contava, desde 1955, com o primeiro telescópio eletrônicos; a biologia e a química desenvolviam a indústria farmacêutica, os produtos sintéticos, as transfusões de sangue e órgãos, a produção de plásticos, etc.


O potencial aberto pelas novas descobertas científicas e tecnológicas aumentou a demanda de fontes de energéticas e estimulou o estudo sobre outras. O carvão, o gás, o petróleo, a eletricidade e a hidráulica foram explorados como nunca. Praticamente, até 1970, falava-se em “energia barata”. Nada mais exemplar da incrível velocidade da transformação do mundo material do que a massificação do automóvel e dos eletrodomésticos. Facilitando a vida do cidadão-consumidor comum, tais produtos passaram a fazer parte da vida da sociedade moderna e do “modo de vida americano” (American way of life), exportado mundo afora.


Apontadas as diretrizes e tendências gerais do período cabe apresentar uma breve síntese dos principais países capitalistas envolvidos na reconstrução. O discurso homogêneo entre eles, desde o fim da guerra, era o dos valores democráticos ocidentais e, acima de todos a liberdade como valor universal. Os EUA propuseram uma reconstrução do espaço político, um modelo bipartidário e a estabilidade do bem-estar econômico e da paz social. Tal modelo, com algumas variáveis e carregado com o anticomunismo do início do pós-guerra, espalhou-se pela Europa e Japão.


Os EUA, fiadores da ordem ocidental, desenvolveram três orientações que pautaram a reconstrução: 1) organizar a economia capitalista em volta de sua liderança e interesses; 2) abrir os impérios coloniais e as metrópoles européias aos seus investimentos e comércio; 3) derrotar a onda revolucionária anticapitalista (na Europa, no Extremo Oriente e depois, na América Latina e África)


É visível na política externa americana a intrínseca vinculação entre interesses econômicos e militar-estratégicos. Neste sentido, a obtenção de mercados estava acompanhada pelas necessidades geradas pela Guerra Fria: controle sobre zonas energéticas, bases militares, enclaves geopolíticos etc. A administração Truman (1945-1953) orientou com êxito a reconversão econômica de tempos de guerra para tempos de paz. A Guerra da Coréia (1950-1953), além de mostrar a disposição dos EUA ante o avanço revolucionário em zonas de interesse estratégico, foi também fator de dinamização produtiva e comercial (necessidades de apetrechos militares, matérias-primas e infra-estrutura), principalmente para o Japão e para a Europa. Internamente, a caça as bruxas Macarthista introjetou a Guerra Fria e marcou uma guinada conservadora da qual não escaparam nem os defensores do reformismo social do governo Roosevelt. O governo Eisenhower (1953-1960) enfrentou dificuldades com a espiral inflacionária, que dificultou as exportações do país, principalmente com o aumento competitivo das exportações da Alemanha e do Japão. A ascensão dos democratas Kennedy e Johnson ao poder (1961-1968) fortaleceu algumas ações de matriz keynesiana (política de impostos, ampliação de gastos públicos, seguros sociais, programas contra a pobreza) paralelamente, reforçou-se a pesquisa nos campos militar e espacial. Mas o que mais marcou estas administrações foi a agressiva política externa. Na América Latina, depois do fracasso na tentativa de invadir Cuba (1961), partiu-se para o apoio direto de regimes contra-revolucionários e ditatoriais. O pior foi, porém, a escalada militar no Vietnã. Os reflexos da guerra e seus custos contribuíram para o desequilíbrio orçamentário. A continuada perda de competitividade internacional nos setores de eletrodomésticos e material elétrico, além do dólar ser uma moeda de alto valor diante de qualquer outra, favorecia as importações e criava saldos comerciais negativos. Os EUA estavam numa encruzilhada.


Na Europa Ocidental, o processo de desnazificação (eliminação das estruturas residuais nazistas) ficaria incompleto. No contexto da Guerra Fria, os antigos quadros do serviço secreto inimigo, assim como seus cientistas e empresários, tinham utilidade contra URSS. Mesmo, assim, nos primeiros meses após a guerra, comunistas e socialistas participavam de governos de coalizão com democrata-cristãos e liberais, segundo a lógica anterior de uma grande aliança contra o inimigo comum. A rápida deterioração das relações entre EUA e URSS, o receio do comunismo e a expectativa de melhoria do nível de vida dos trabalhadores acabaram isolando a esquerda em cada país. No parlamento ou mesmo em alguma coalizão de governo, a esquerda foi moderando suas propostas; grande parte dos socialistas abriu mão do marxismo adotando um reformismo negociador entre o capital e o trabalho.


A Alemanha Ocidental sentiu fortemente o impacto da Guerra Fria. A divisão territorial, em 1949, entre uma área capitalista (República Federal da Alemanha) e outra socialista (República Democrática da Alemanha) produziu umas das situações mais traumáticas do mundo contemporâneo. O sistema político foi estruturado a partir dos princípios de democracia, parlamentarismo, federalismo e garantias de liberdade e direitos. As forças políticas aglutinaram-se assim: União (democratas-cristãos e outros católicos de direita antinazistas e anticomunistas); Partido Social-Democrata (SPD), esquerda reformista com alguns princípios marxistas; Partido Liberal (FDP) reformista e de centro. De 1949 aos anos 60, a aliança da União com os liberais ocupou o poder. Konrad Adenauer foi o grande nome do ressurgimento alemão pautado pela integração e colaboração com o bloco ocidental, estímulo à integração européia e questionamento ao Estatuto de Ocupação (que vigorou até 1955). O “milagre alemão” continuou nos anos 60 com a ampliação de programas sociais. Entretanto, sinais de contração da expansão econômica e de inflação começaram a manifestar-se. Isto aproximou setores progressistas da União e a social-democracia (que em 1957 abandonara o marxismo). Impuseram-se então, medidas de controle de preços e salários e ampliação da previdência social. Na política externa, houve importante aproximação com o Leste europeu e com a própria Alemanha Oriental. Willy Brandt, o líder da social-democracia nos anos 60, enfrentou o problema da imigração (turca, espanhola e portuguesa) e a efervescência estudantil e operária de 1968, reforçando a ordem pública e a segurança. Em 1969, a aliança entre o SPD e os liberais afastou os democratas-cristãos do poder após vinte anos de hegemonia. A nova coalizão reforçaria o reformismo do Estado de bem-estar social.


Marcada pelo colaboracionismo de parte da população durante a guerra, a França passou por importante reconstrução política. O perfil político definiu-se ao redor dos Partidos Comunistas, socialista e o Movimento Republicano Popular (democrata-cristão). A constituição de 1946 estabeleceu um poder executivo frágil em benefício do legislativo. Até o fim dos anos 50, uma aliança entre socialistas e o Movimento Republicano dava à França destacado papel dentro dos esquemas internacionais de integração e cooperação, afiançando o ressurgimento europeu (OTAN, 1949; CECA, 1951; CEE, 1957). Mas os problemas coloniais abalaram profundamente o país; o Vietnã e a Argélia mostraram a incompetência diplomática para encontrar uma solução negociada e transformaram-se em retumbantes derrotas militares. Apesar do sucesso econômico de importantes setores do país, a “guerra suja” na Argélia e a pressão dos militares de extrema direita em manter a colônia desgastaram completamente a IV República. A eleição de De Gaulle em 1958, como um governo de “salvação nacional”, foi acompanhada de uma nova constituição e um fortíssimo poder executivo (podia nomear o chefe do governo, dissolver a Assembléia Nacional, usar poderes excepcionais nas crises, apelar diretamente aos eleitores via plebiscitos). De Gaulle jogou todo o seu prestígio no reconhecimento da independência da Argélia (1962), apesar da violenta campanha do grupo paramilitar de extrema direita Organização do Exército Secreto (Organization armée secrete, OAS). Na política externa, procurou autonomia ante o bloco ocidental, tentando recuperar o orgulho francês, uma posição internacional de destaque e questionando o grau de ingerência dos interesses dos EUA dentro da Europa. Assim devem ser avaliadas a retirada francesa do mando unificado da OTAN (1966) e visita de De Gaulle ao Canadá francófono (1967) e as iniciativas nucleares desde o início dos anos 60. Internamente, porém, o governo sofreu sérios questionamentos de setores econômicos prejudicados com a integração européia. À persistência do desemprego e da inflação somaram-se descontentamentos regionais contra o centralismo de Paris. Em 1968, confluíram as reivindicações operárias com a intensa mobilização estudantil que produziu o “maio francês”. O governo conseguiu combatê-lo, mas pouco depois, um De Gaulle profundamente desgastado retirava-se da cena política.


Na Grã-Bretanha, o fim da guerra trouxe um fato surpreendente. Winston Churchill, liderança maior na resistência ao nazismo, foi derrotado na eleição de julho de 1945. Clement Attlee, trabalhista, venceu com um programa de amplas reformas sociais e nacionalizações. O programa de nacionalizações atingiu o Banco da Inglaterra, os setores mineiros, as ferrovias, o gás e a eletricidade. Paralelamente, um ousado plano previdenciário amenizava o desemprego, garantia saúde pública e abria frentes de trabalho através de um programa de moradias populares. Para financiar tudo isto, além de uma política de austeridade, optava-se por diminuir o protagonismo internacional, ficando a reboque da orientação dos EUA e abrindo mão de importantes colônias (Índia, Paquistão, Birmânia e Ceilão). O governo Attlee promoveu restrições ao consumo e ao salário. Pior, a escalada militar dos EUA na Coréia e o conseqüente rearmamento do exército inglês (ante a perspectiva de um novo conflito de proporções mundiais) obrigaram o governo a cortar o orçamento dos programas sociais. O resultado não poderia ser diferente; em 1951, os conservadores voltaram ao poder. Tinha início um período de leve desnacionalização (siderurgia, transporte rodoviário) mas mantinham-se as reformas sociais, assim como consolidava-se a política de negociação das independências coloniais em troca da permanência na Commonwealth. Em 1964 os trabalhistas voltaram a vencer (H. Wilson) e, apesar das dificuldades monetárias, mantiveram os programas sociais e os investimentos em escolas, hospitais e moradias. Concomitantemente, cresceram os conflitos no Ulster (Irlanda do Norte). No início dos anos 70, o recrudescimento da questão irlandesa, acompanhada da radicalização dos setores operários e a crescente perda de competitividade da indústria inglesa esboçou um quadro de profunda crise.
Na Itália manifestava-se desde a guerra uma forte tendência revolucionária, antifascista e antimonarquista. Mas a pressão americana e uma recomendação soviética ao colaboracionismo da esquerda com os setores burgueses esvaziaram os setores radicais. Em junho de 1946, um plebiscito rejeitou a Monarquia (54% dos votos). Organizou-se então, a “Reconciliação Nacional”, coalizão liderada pela democracia-cristã (DC), sob a qual se moviam inclusive, setores fascistas sobreviventes. No ano seguinte, os representantes socialistas e comunistas, sob o calor do endurecimento das relações URSS-EUA, foram expulsos do governo. Em 1948, a vitória eleitoral do bloco da direita, cujo eixo era DC apoiada pela Igreja e pelos EUA, afastou o “perigo vermelho” estabelecendo as bases para reconstrução do país. “O milagre dos anos 50” não escondeu as mazelas de uma Itália muito desigual em termos sócio-econômicos e regionais. O contraste entre o Norte industrializado e o Sul agrário se manteve, sendo perceptível a permanência do fluxo migratório do segundo para o primeiro. A necessidade de apoiar-se em alianças regionais levou a DC a fazer concessões a outras forças políticas, provocando seguida instabilidade ministerial. Entrementes, a esquerda passou a aceitar o jogo político da democracia parlamentar e aproximou-se dos setores progressistas da DC. Isto permitiu que, em 1958 e 1963, coalizões entre a DC e a esquerda esboçassem um Estado de bem-estar, como no resto da Europa Ocidental. Porém, no fim dos anos 60, os problemas avolumaram-se houve desaceleração econômica com inflação e desemprego, sobrevivência de práticas de nepotismo, clientelismo e corrupção das elites. O descontentamento social manifestou-se na forma de greves maciças (1969) por salário e fortalecimento dos conselhos de representantes sindicais nas negociações capital-trabalho-Estado.


A inserção do Japão no cenário internacional causou impacto. A derrota militar atingiria duramente dois pressupostos ideológicos básicos da sociedade nipônica, o racismo e o papel divino do imperador. Até 1951, o general MacArthur administrou o país como território ocupado. Durante tal período foram fixadas as bases da recuperação do país. Os EUA tinham cinco eixos de interesse: 1) a destruição do poder militar e a responsabilização das suas ações; 2) a desmilitarização da sociedade e reconversão industrial; 3) a democratização do país e a limitação do poder do imperador (Constituição Parlamentar e Sufrágio Universal); 4) o desenvolvimento econômico que garantisse o retorno aos investimentos americanos e auto-sustentasse a reconstrução do país e; 5) a transformação do Japão em ponto de apoio do sistema defensivo dos EUA no Extremo Oriente.


Assim sendo, diversas ações foram encaminhadas para modernizar a mentalidade das elites, impor o reconhecimento dos sindicatos e a reforma agrária. A reativação econômica partiu da modernização do parque industrial preservado pela guerra. As injeções de capital externo e a Guerra da Coréia aceleraram o desenvolvimento. A combinação de fatores conjunturais com a existência de uma mão-de-obra barata e relativamente dócil, a contenção do gasto público e da inflação, e a capacidade de poupança do Estado e da população garantiram o “milagre japonês”. Em função do caráter estratégico e único que o Japão tinha para os EUA no contexto da Guerra Fria, o país não precisou direcionar capitais para a segurança nacional ou outros gastos militares (bem ao contrário daquele país, “guarda-chuva nuclear” do mundo ocidental). Desde a saída de MacArthur, o Partido Liberal-Democrático estabeleceu-se no governo mantendo laços orgânicos com influentes setores econômicos. Nos anos 60, a economia japonesa ocuparia amplos espaços internacionais. Adquirindo e produzindo tecnologia avançada, adaptando patentes importadas e desenvolvendo a capacidade de concentração da mão-de-obra no trabalho, estruturou uma sofisticada indústria siderúrgica, naval, automobilística e eletrônica. Não só ocupava mercados externos como o aumento da renda nacional criara um grande mercado interno.


A reestruturação teve sérias implicações sociais. As profundas alterações no sistema produtivo, o perfil do emprego e o aburguesamento de segmentos operários provocaram desdobramentos. Em breve linhas, pode-se destacar:


1) A extensão da mecanização da agricultura e sua intensificação tecnológica produziu constante diminuição do campesinato e estímulo à urbanização da sociedade. A introdução da biotecnologia e a criação seletiva aumentava a produtividade, liberando braços no campo. Se no mundo desenvolvido o impacto desse processo sobre o tecido social foi amenizado por outras fontes de trabalho nas cidades, no Terceiro Mundo produziu êxodo rural e os cinturões urbanos de miséria. Tal situação combinou-se com a explosão demográfica, resultando em falta de espaço, poluição, insuficiência de redes sanitárias, ausência de áreas verdes e excesso de automóveis.


2) O crescimento do proletariado europeu, no imediato pós-guerra, acompanhou a incorporação do fordismo, assim como a exploração extensiva de setores econômicos cujas potencialidades, antes da guerra, não haviam sido utilizadas. O uso de tecnologias mais sofisticadas, antes da guerra, como a automação e a posterior robotização, produziu problemas que se agravariam a partir dos anos 70. Outro fator a considerar é que o custo social da mão-de-obra européia, protegida pelo Estado de Bem-estar, estimulou a transferência de empresas para a periferia, onde uma série de vantagens comparativas, como baixos salários e leis sociais permissivas, possibilitou o deslocamento conjunto de vagas de trabalho (embora o número destas fosse geralmente inferior às fechadas na matriz da empresa, pois a abertura de novas fábricas implicava a adoção de parques industriais mais modernos) É comum nos anos 70, a presença dos “cinturões de ferrugem” nas antigas cidades industriais européias, resultado de desindustrialização de certos setores produtivos (Hobsbawm, 1995, p.297) Constata-se, entre os operários com capacidade de consumo nos países desenvolvidos, uma gradual acomodação social, perda de solidariedade e combatividade. O acesso ao consumo de certos bens de massa, o pleno emprego, assim como o entorno protetor do Estado de bem-estar, moderaram as reivindicações e fragilizaram o poder sindical. Parte desse bem-estar de setores do operariado europeu e americano foi financiado pelos trabalhadores do Terceiro Mundo, que, com o seu trabalho, geraram a riqueza dos Estados periféricos, canalizada e transferida, através do comércio desigual e do pagamento de juros e dívidas, aos países desenvolvidos.


3) A ascensão da mulher, como protagonista produtiva e política, concretizou-se rapidamente. Os anos gloriosos vislumbraram uma crescente determinação para o seu protagonismo. O papel desempenhado na retaguarda da guerra, tanto no setor produtivo, quando na estrutura familiar, permitiu acesso maciço ao ensino e ao mundo do trabalho. Mas permaneceu a desigualdade salarial com um dos graves problemas a enfrentar dentro da perspectiva da valorização profissional. Socialmente, a independência da mulher deu saltos significativos. O salário e as pílulas anticoncepcionais aceleraram uma conscientização social feminina que promoveria uma verdadeira revolução comportamental e ideológica no fim dos ano 60. A concepção tradicional da família e da relação entre os sexos modificava-se radicalmente.


4) A exigência de maior qualificação da mão-de-obra e o contato com novas tecnologias levaram à universalização da alfabetização e do ensino fundamental. Até os setores pobres passaram a ter mais consciência da importância da educação para a ascensão social. A ampliação das escolas e da universidades foi objeto de pressão política, inclusive no Terceiro Mundo. O papel da educação na politização das massas secundaristas e universitárias foi evidente. Gerações mais conscientes, críticas, exigentes e mais bem instrumentalizadas surgiram deste processo. Por isso 1968 foi o ano da explosão estudantil. Exigia-se o arejamento geral do mundo acadêmico. Mas criticavam-se também as contradições de uma sociedade que começava a ter problemas sociais crescentes, além da burocratização, massificação, despersonalização e alienação. Secundaristas e universitários clamaram como uma geração que buscasse seu espaço; mas muito mais gritaram contra o legado que estavam recebendo das gerações anteriores: o imperialismo, o napalm e bomba atômica, a mercantilização de tudo e os valores consumistas da sociedade burguesa, que pausterizava e massificava qualquer postura autônoma e solidária. O paradoxo é que a radicalização era de setores que, em tese, viviam muito melhor que a geração anterior mas que exigiam, além da qualidade material, mais qualidade de vida. Já no Terceiro Mundo, 1968 foi muito mais do que isso; foi também denúncia da opressão econômica externa, do subdesenvolvimento crônico e de muitos autoritarismos.


5) A guerra provocou grande crise no sentimento religioso. As posturas das diversas igrejas ante o holocausto e diante do próprio nazismo foram muitas vezes, ambíguas. A dimensão da destruição humana e material atingiu em cheio a fé das pessoas. A isto somou-se a forte presença do materialismo consumista como medida de sucesso e estabilidade. A eleição de João XXIII para o papado em 1958, iniciou um fase de abertura aos problemas sociais. As encíclicas Mater et Magistra (1961) sobre aspectos sócio-ecônomicos, e Pacem in Terris (1962) envolvendo a paz e as relações internacionais, confirmaram essa preocupação. Finalmente, o Concílio Vaticano II (1962-1965) estabelecia as bases para uma orientação mais sensível à situação dos setores pobres e terceiro-mundistas.

O caráter destrutivo da guerra produziu reflexões sobre os limites do uso da ciência e da tecnologia e sobre os fundamentos de uma ética civilizatória. A perda da humanidade estava presente numa sociedade profundamente ferida. Importante, apesar da euforia material dos anos gloriosos, sempre pesou sobre a consciência coletiva a lembrança da barbárie anterior e o medo do holocausto nuclear.

Os novos desafios e a procura de novas respostas estimularam a produção científica. Nas ciências econômicas polemizou-se sobre os caminhos a seguir no mundo do pós-guerra. Keynes, Galbraith, Samuelson e os ultraliberais Hayeck e Friedman apontaram caminhos diferentes para a nova ordem econômica. Na filosofia, o existencialismo e o marxismo marcaram posição a partir de novas correntes que renovaram o ambiente intelectual. Sartre, Althusser e Marcusse estiveram entre os principais inspiradores da efervescência político-cultural do fim dos anos 60.

Também a produção artística e literária sofreu impacto direto dos acontecimentos do período. Os novos avanços científicos permitiram utilizar outros recursos de expressão (o plástico na escultura, a eletrônica na música) O experimentalismo, a existência de um público muito maior e de mediana formação e as diversas percepções sobre os fatos produziram uma explosão de manifestações artísticas extremamente variadas. Na pintura, entre outras correntes, destacavam-se a permanência do surrealismo, presente no mundo dos sonhos, das alucinações e do subconsciente (Miró, Dalí) e a ausência de elementos figurativos na explosão colorida das formas no abstracionismo (Kandinski, Mondrian, Poliakoff). Fortemente marcada pela sociedade individualista e de consumo de fins dos anos 50, a Pop Art foi a grande representação plástica dos anos gloriosos, mostrando o efeito da massificação e a mercantilização de tudo através da transformação de ícones em produtos de consumo.

Na arquitetura, os avanços técnicos permitiram responder às enormes demandas urbanas. Prédios gigantescos (edifícios, estádios, aeroportos, depósitos) áreas abertas acompanhando a expansão urbana, a utilização crescente de novos materiais (vidro, alumínio), a opção pela altura para dar mais espaço às superfícies verdes etc. São marcadas registradas disso o edifício da ONU, em Nova York, e as concepções arrojadas e funcionais de Oscar Niemayer para a cidade de Brasília.

A música, além de ganhar riquezas rítmicas importantes, tornou-se objeto de grande consumo de massas. Associada à evolução da mobilidade social dos jovens e adolescentes, aproveitou-se da fantástica possibilidade de ser reproduzida como nunca antes o fora. O disco de vinil, o rádio, a televisão e alta-fidelidade tornaram-na extremamente popular e produziram o fenômeno da ampliação permanente de público, independentemente de estilos musicais. O fenômeno musical marcante dos anos gloriosos foi o Rock; de Elvis Presley a Jimi Hendrix, passando pelos Beatles, o rock pautou musicalmente as mudanças sociais do seu tempo.

Na literatura ecoaram profundamente os problemas do período. As questões sociais, a guerra e o pós-guerra, as infindáveis feridas abertas, individuais ou coletivas, o maquinismo e a massificação, o autoritarismo, o papel da ciência, a burocracia, a contestação etc. Orwel, Greene, Camus, Malraux, Brecht, Weiss, Pasternak, Kerouac, Hemingway e Neruda são alguns dos tantos nomes que refletiram a realidade do pós-guerra no romance e na poesia.

Por último, a que é considerada a arte mais característica do século XX, o cinema. Estourou como um grande veículo de massa, emocionando o público com imagens, ilusões e mensagens. A concepção de industria cinematográfica lembra as modernas empresas produtivas do fordismo. A preocupação com resultados comerciais imediatos tornou-se o móvel da maioria das produções, reduzindo sensivelmente a qualidade do produto. As inovações técnicas foram rapidamente incorporadas, como a cor e tela panorâmica, assim como aproveitaram-se as escolas de cinema. Se é verdade que se criou um mercado para o entretenimento (aproveitando a demanda da massa por opções de lazer), também é verdade que alguns diretores produziram grandes obras reflexivas. Rossellini, De Sica, Capra, Weles, Truffaut, Gordad, Tati, Buñuel, Wilder e Bergman estão entre eles. A indústria de Hollywood marcou a produção do período, diversificando temáticas e investindo muito dinheiro em grandes produções. E cumpriu, também, importante papel na expansão ideológica do “modo de vida americano”, juntamente com a televisão. Inclusive, a difusão desta última gerou uma indústria própria que teve nos EUA o grande motor propulsor. Desde os anos 50, começaram a produzir-se e a exportar-se interminável e variada produção de séries de TV americanas. Produtos típicos da industria cultural massificada de baixa qualidade para públicos pouco exigentes, a TV e o cinema (assim como as histórias em quadrinhos) desempenharam destacado papel na padronização cultural em curso nos anos 50 e 60.

3. As Bases do Estado de Bem-Estar social: o Projeto social-democrata para a humanização do capitalismo

As participações malsucedidas de partidos políticos de orientação social-democrata no poder, durante o entre guerra, e a vontade de marcar distância do socialismo soviético, levaram essa corrente, em diversas partes da Europa, a priorizar a participação dentro dos limites da legitimidade do Estado burguês. Assim, através do jogo eleitoral e do sistema de alianças políticas, o objetivo passou a ser o acesso ao governo para introduzir algumas reformas de caráter social, e então, voltando à trincheira do parlamento, defender tais avanços até uma nova chegada ao governo. Com este tipo de atuação, defendendo programas de moradia popular, luta contra o desemprego ou pensão para os idosos, consideravam que cumpriam com o seu papel. Pensavam que, se não eliminavam as contradições do capitalismo, ajudavam a combater as tensões mais visíveis. Neste sentido, tinham razão, pois não modificaram a estrutura econômica nem a relação de forças existentes.

O cruzamento das propostas de Keynes com o gradual afastamento da social-democracia de propostas revolucionárias levou-os ao objetivo de gerenciar a economia capitalista, limitando-se a combater seus efeitos sociais negativos. Ou seja, através do Estado, desenvolver programas sociais, garantir o pleno emprego e evitar desequilíbrios internos acentuados. A tese keynesiana de que uma sociedade sadia devia ter produtividade crescente sustentada num forte mercado consumidor reforçava a opção social-democrata de garantir pleno emprego, bons salários e razoável cobertura social. A solução era aumentar o consumo. Visando combater a liberdade caótica das forças do mercado, propunham a sua regulamentação racional. Essa relativa ingerência do Estado era compensada pela paz social a ser construída. Veja-se que, numa conjuntura extremamente sensível às demandas sociais deprimidas pela guerra e estimuladas pelo avanço bolchevique, a proposta social-democrata não deixava de ser sedutora para o capitalismo e para a burguesia. Neste sentido, as estatizações britânicas levadas a cabo pelos trabalhistas entre 1946 e 1947, foram bem sucedidas pela burguesia. Por quê? Porque a orientação reformista defendia a participação do Estado na atividade econômica em circunstâncias especiais, abrindo mão da estatização ou socialização geral dos meios de produção. Assim, o Estado intervinha nos seguintes setores: estratégicos ou que exigiam um enorme volume de capital privado. Fora estas situações, a orientação reformista era a de que esquecer posturas radicais anteriores e não mais ameaçar o capital e a prosperidade privada. Isto interessava muito a burguesia.

O abandono das teses revolucionárias pela social-democracia isolou a esquerda européia dentro de um quadro de “satanização” do bolchevismo e do comunismo. Porém, não se tratou somente disto. Os social-democratas manifestariam diferenças concretas em relação aos projetos socialistas e abriram mão de fatores políticos mobilizadores. A opção pelo reformismo dentro dos limites do capitalismo abriu-lhes chances eleitorais. Na prática, procurou-s um consenso, um compromisso de classe envolvendo o capital e o trabalho. Keynes já havia dado o sinal, cabia ao Estado intermediar tal relação (Estado regulador). Os Social-democratas preencheram esse Estado com preocupações sociais progressistas e até humanistas (se comparadas às outras propostas da direita). O consumo passava pelo compromisso dos capitalistas em direcionar parte dos seus lucros às atividades produtivas (criando mais empregos) e em concordar com uma distribuição de riqueza (sem colocar em risco, em momento algum, a propriedade privada ou a hierarquia social existente) Já os trabalhadores aceitavam as regras do funcionamento do sistema, inseriam-se nele e reconheciam a propriedade privada do capital. Esta foi a compensação da produtividade e da distribuição de parcela dos ganhos. Sintetizou a combinação de crescimento econômico com uma mão-de-obra plenamente empregada, com salários razoáveis e protegida pelo Estado de bem-estar social. Tão forte foi o impacto deste tipo de proposta à sociedade que até setores políticos de direita a assumiram, mesmo que parcialmente. Assim se explica o porquê dos conservadores na Inglaterra ou da democracia-cristã na Alemanha preservarem parte do Estado de bem-estar. Portanto, o Estado foi instrumento de diversas ações encadeadas: 1) assumiu as atividades que não interessavam ao setor privado, mas que eram globalmente importantes; 2) regulou, mediante mecanismos políticos, as relações econômicas entre o capital e o trabalho e compensou os efeitos distributivos do mercado; 3) desempenhou papel econômico, fornecendo serviços e insumos a baixo custo, financiando a atividade privada, realizando obras públicas e capacitando a mão-de-obra; 4) incorporou múltiplos programas sociais (assistência familiar, habitacional, auxílio financeiro, saúde)

Os governos deviam estimular o aumento da produção, diminuir o número dos excluídos do circuito produtivo e, conseqüentemente, promover o crescimento da demanda de todo tipo de consumo. Fundamentalmente, deviam promover uma melhor distribuição de renda entre os setores menos aquinhoados. Aumentos salariais, subsídios, gastos e investimentos governamentais, prêmios, redução de impostos, oferta de serviços sociais etc. Tais eram os mecanismos que apontavam nessa direção. Encontrar um consenso social e político era o que de mais interessante havia no cenário institucional do pós-guerra. Quase todos os programas de governo referiam-se a tal objetivo. O pleno emprego e a igualdade para todos no recebimento dos serviços do Estado de bem-estar social contentavam segmentos importantes da população.

Havia, no entanto, um erro de perspectiva nessa proposta de consenso. A social-democracia considerava que com o crescimento econômico e ganhos de produtividade, havia fatias maiores de riqueza para distribuir entre as massas empregadas. Podia justificar, então, que era mais eficiente abandonar o questionamento sobre a legitimidade da propriedade privada dos meios de produção e aumentar uma fiscalização racional sobre o funcionamento da economia. E devia convencer os capitalistas de que eles tinham a ganhar com a manutenção de um clima de estabilidade. Entretanto, afastado o fantasma da revolução no início do pós-guerra, o capital partiria à procura de melhores taxas de remuneração, deslocando-se para o Terceiro Mundo (caso das multinacionais). Da mesma forma, a incorporação de novas tecnologias fazia parte da racionalidade do capitalismo em fase de maior internacionalização. Tanto num caso como no outro, iniciou-se um processo de desemprego que tomaria um viés profundamente agudo a partir dos anos 80. São dois exemplos que mostram como o compromisso do capital com a proposta social-democrata funcionou enquanto aquele não encontrou melhores condições de reprodução. Na prática, a social-democracia deixava até de ser reformista. Não tendo objetivos nem ações revolucionárias, mesmo assim o reformismo devia produzir, gradualmente, transformações estruturais. Mas isto se o Estado não tivesse assumido atividades em setores não-lucrativos que subsidiaram a industria privada (montagem de infra-estrutura de transportes e comunicações para viabilizar empresas particulares, venda de energia ou matéria-prima subsidiada etc.) Ou seja, o desempenho por debaixo do seu real custo significou transferência de fundos estatais ao setor privado. Quer dizer, retiraram-se do Estado os recursos com os quais poderia desenvolver um verdadeiro projeto de estatizações. Empresas e investimentos deficitários inviabilizaram em médio prazo o setor público. Escondeu-se, porém, que subsidiaram em grande parte, a expansão privada. Quando, em meados dos anos 70, os investimentos públicos ficaram obsoletos e sucateados, por falta de reinvestimento e de cobrança de preços de mercado, foram alvo de críticas pelos defensores das privatizações e dos quais exigiam “menos Estado”. O argumento usado seria o da incompetência do setor público e da incapacidade reguladora do Estado (Przeworski, 1989. P.58)

Outra crítica que se faz à social-democracia é que, ao impedir a revolução, promovendo o compromisso de classe que imobilizou os setores sociais mais radicais, fortaleceu o mercado. O seu projeto de compromisso não só não eliminou as contradições estruturais do capitalismo como perpetuou a necessidade de manter sob controle os desequilíbrios. É outro paradoxo; defendendo uma economia de mercado com crescente produtividade para manter o pacto social, a social-democracia fortaleceu o capital e ajudou-o a combater suas contradições (desequilíbrio na distribuição de riqueza, eficiência pela redução salarial, tendências ao desemprego etc.) Sob os preceitos keynesianos, a social-democracia procurou conciliar, via Estado, o controle democrático da economia com os interesses privados. É inegável que durante os anos gloriosos esta experiência pareceu definir uma fórmula que satisfazia à maioria dos atores sociais envolvidos. O Estado de bem-estar social foi uma realidade que se concretizou, em diversos momentos, em grande parte da Europa Ocidental. Porém, muito mais do que o engajamento de uma consciência solidária, o que motivou o capital e os capitalistas a sustentar o Estado de bem-estar foi o medo do impacto que as conquistas sociais dos trabalhadores soviéticos poderiam ter sobre o movimento operário mundial. E não se esqueça de que o financiamento da adesão ao pacto de consenso teve a enorme contribuição indireta da exploração desenfreada que o Terceiro Mundo continuou sofrendo das economias centrais.

De qualquer forma, o consumo de bens cotidianos, como alimento, vestuário, moradia e lazer, estava ao alcance da mão daqueles que, até pouco tempo atrás, os consideravam como luxo. É isto que deu um grande fôlego às teses defendidas pela social-democracia européia. Não libertava o homem da exploração, mas tornava-o consumidor do sistema. Funcionou assim, enquanto durou o consenso e este foi sustentável enquanto garantiu emprego e segurança social.

No pós-guerra, o Estado aumentou sua atuação no conjunto da sociedade, ampliou suas funções e consolidou-se como pilar da recuperação em marcha. A intervenção do Estado regulador deu-se em duas grandes esferas: a econômica, propriamente dita, e a social. Em relação à primeira, cabe lembrar que visou regular o funcionamento global da economia, impulsionando e sustentando a expansão econômica. Dentro desta perspectiva, promoveu investimentos em três direções: 1) indústrias vinculadas ao desenvolvimento da sociedade de bem-estar; 2) indústrias de bens de consumo duráveis (prioridade para os automóveis); 3) desenvolvimento de novas regiões industriais em espaços interiores. O Estado assumiu obras de infra-estrutura. Além da oferta de trabalho previsível, as demandas de materiais e outros recursos para tais obras, por sua vez, multiplicaram e dinamizaram outros setores produtivos, inclusive privados. Assim, obras em estradas, ferrovias, rede elétrica, rede de esgoto etc. eram em parte de programas de urbanização vinculados a criação de empregos e esvaziamento de tensões sociais.

Outra atividade em que o Estado exerceu uma ação direta sobre a produção foi o financiamento de parte da pesquisa científico-tecnológica. Por outro lado, apesar de destacar-se muito a procura do bem-estar social, a política de compromisso entre capital e trabalho teve como uma das regras básicas a proteção da propriedade privada e da economia de mercado. Sendo assim, usaram-se diversos artifícios que estimularam o capital privado: subvenções, isenções fiscais, linhas de financiamento, programas monetários etc. O Estado ainda comportou-se como consumidor (para os serviços sociais que prestava e os bens públicos que protegia), sendo um grande consumidor de armamento e apetrechos militares.

Finalmente, desenvolveu-se uma política externa agressiva, em termos econômicos, dando sustentação aos investimentos e empresas que agiam no mercado mundial. De forma geral, estas foram tendências que caracterizaram a intervenção econômica do Estado do pós-guerra. Vejamos alguns casos específicos.

A França teve um forte processo de estatizações, pressionada pela presença de socialistas e comunistas no primeiro governo do pós-guerra. Companhias de seguro, bancos, setores energéticos (gás, carvão e eletricidade) e empresas específicas, como Renault e Air France, passaram às mãos do Estado (representando quase 1/5 de toda a produção industrial) A planificação estatal visou as grandes empresas, investindo pesados recursos em tecnologia. Até 1952, o Estado produziu um crescimento desequilibrado, pois privilegiara o carvão, aço, cimento, eletricidade, maquinaria agrícola, transporte e, depois, petróleo e fertilizantes. A montagem dessa infra-estrutura nos anos 50 estimulou, com subsídios e linhas de crédito, o capital privado. A ausência do controle estatal no setor de bens de consumo originou um desequilíbrio entre preços e salários. A deterioração destes provocou uma onda de greves e a retirada dos sindicalistas das comissões de modernização (órgãos de negociação empresário-sindicalista-Estado)

Na Inglaterra, os princípios Keynesianos estavam arraigados. Desde 1944 o pleno emprego e a previdência social eram objetos de estudo. Através de uma política flexível entre salários e preços, havia uma preocupação com uma distribuição de renda mais equilibrada. O principal mecanismo para isto foi o imposto progressivo que taxava a renda, heranças e patrimônio imobiliário. Em 1946, os trabalhistas, no poder, estatizaram setores estratégicos, criando fortes monopólios estatais: Junta Nacional do Carvão (1946) e Junta Nacional das Ferrovias Britânicas (1946) Junta Nacional dos Transportes Marinhos (1946), Junta Nacional do Aço (1948). Estatizou-se também, o Banco da Inglaterra, os aeroportos, a televisão e o rádio, o transporte rodoviário e ações da British Petroleum Rolls-Royce. Aproximadamente 20% da indústria britânica estavam estatizados. Mesmo assim, o Estado resistiu a assumir formulas globais de planejamento. Os conservadores, ao voltarem ao poder, mesmo privatizando alguns setores estatais, mantiveram outros e partiram, nos anos 60, para um planejamento mínimo, pressionados pelos investidores privados. Surgiu, assim, em 1962, o Conselho Nacional para o Desenvolvimento Econômico, integrado por seis empresários, seis sindicalistas, seis representantes do governo e dois especialistas. Este organismo deu maior confiança ao setor privado e criou as leis de Ciência e Tecnologia (1965) e Expansão Industrial (1968).

Na Itália, o Instituto de Reconstrução Italiano (IRI), criado durante o regime fascista, preservou-se no pós-guerra. Vinculado ao governo, encaminhou a recuperação industrial da região norte e um programa de desenvolvimento para o sul. Houve o cuidado para dinamizar as exportações antes de investir na melhoria social interna, evitando o aumento das importações. Nos anos 50, já havia um programa de planejamento para a década e políticas para o desenvolvimento da química, petroquímica e siderurgia.

Na Alemanha ocorreu, simultaneamente, o estímulo da livre concorrência e do livre mercado e ações de planejamento. Umas delas foi a suspensão dos grandes cartéis (como no setor bancário), descentralização das grandes unidades produtivas (Krupp, Farben, Hoesch) pulverizando a produção, o gerenciamento e o poder que isso representava. Tudo acompanhado por uma rigorosa legislação anti-monopolista. Outra experiência marcante foram as leis de co-decisões (patrões e empregados regulamentando os setores produtivos) Na década de 1960, o setor público controlava 40% da produção de ferro e carvão, e 61% da eletricidade, 72% do alumínio e 60% das instituições de financiamento.

O Japão encaminhou políticas de planejamento e intervencionismo estatal sem ter, entretanto, um setor público desenvolvido. Desde a ocupação americana, o Estado interveio para quebrar o poder dos grandes consórcios econômicos e reduzir a grande propriedade, de 46% para 8% do total. A Guerra da Coréia possibilitou um grande fluxo de dólares que estimularam o planejamento. Assim como na Inglaterra e na França, priorizaram-se os setores estratégicos (aço, química, construção naval e petróleo). Aos poucos, o Estado desenvolveu a pesquisa cientifica e estimulou para este foram decisivos o boom dos anos 60.

Finalmente, nos EUA, o intervencionismo econômico estatal reduziu-se muito se comparado ao New Deal dos anos 30. Em 1946 foi aprovada a lei do emprego: o Estado obrigava-se a abrir vagas de trabalho. Porém, a Lei Taft-Hartley (1947) proibia a sindicalização obrigatória e exigia um aviso de sessenta dias antes da deflagração da greve. Tal medida protegia o capital e disciplinava a mão-de-obra. Quanto aos déficits orçamentários (provocados pela crescente conta da Guerra Fria e da reconstrução), o Estado aumentou os impostos para financiá-los.

A corrida armamentista estreitou a colaboração entre o setor público e privado. A pesquisa e a produção no setor bélico e afins exigiram financiamento público. A corrida espacial e as novas demandas industriais de alta tecnologia reforçaram um planejamento eficiente. O maior exemplo foi o Programa de Avaliação e Análise Técnica, órgão do Pentágono que centralizou todas as empresas e centros de pesquisa que trabalhavam para ele sob um esquema de planejamento homogêneo e estandardizado. O governo Kennedy reforçou a geração de empregos (construção de obras públicas, estradas, equipamentos urbanos), mantendo parte da agricultura e das minas sob controle estatal. Apesar da pressão dos grupos defensores do “mais mercado, menos Estado”, nos anos 60 e 70 mantiveram-se as iniciativas de bem-estar social.

Um dos primeiros elementos negociados foi a extensão do conceito de salário mínimo. Salário que permitisse conferir, aos indivíduos, condições decentes de convivência social. Sendo uma iniciativa de origem inglesa, foi na França, porém, vigente desde 1947, que ele recebeu a complementação da indexação às variações de preços (1953), evitando a defasagem entre salário e variação do custo dos produtos básicos.

Em matéria de moradia, o Estado congelou e fiscalizou os valores dos aluguéis (França, Inglaterra, Alemanha) e desenvolveu programas de construção de moradias populares em áreas destruídas pela guerra, de construção muito antiga (Alemanha e França) ou pressionadas pelo crescimento demográfico. Concomitantemente à construção das moradias populares montou-se uma rede de iniciativas de infra-estrutura que seguiam a mesma lógica (encanamento e abastecimento de água, rede de esgotos, ruas). Reformulou-se toda uma legislação a esse respeito; na França, uma lei de julho de 1950 instituiu um programa de subsídios, reduções fiscais e empréstimos para a construção civil, assim como a poupança-habitação.

Em relação ao ensino, a intervenção também foi forte. As necessidades eram diversas: renovação dos quadros dirigentes, formação qualificada de quadros técnicos e científicos numerosos para enfrentar as novas necessidades e responder ao enorme afluxo em todos os graus provocados pela pressão demográfica e pela adequação dos futuros trabalhadores às novas tecnologia em desenvolvimento. Uma das respostas mais concretas a isto, além da multiplicação de escolas públicas e programas de concessão de bolsas, foi a institucionalização do ensino obrigatório. Na Grã-Bretanha, impôs-se em 1947 a idade de 15 anos como limite obrigatório, enquanto que na França foi de 16 anos. A luta contra o analfabetismo e a extensão generalizada do ensino primário e secundário caracterizam o período em estudo. Mas grandes desequilíbrios continuaram acontecendo em boa parte do Terceiro Mundo, apesar das relativas melhorias e do apoio sistemático de programas da ONU.

Estes investimentos e subvenções estatais foram financiados por recursos próprios do Estado e pelo mecanismo de tributação progressiva sobre salários e lucros das empresas. Considerando a realidade de largas camadas populacionais dos países desenvolvidos, assim como o acesso a uma variada gama de produtos que a auxiliavam, não há como negar que a vida das pessoas melhorou significativamente durante os anos gloriosos. Este quadro é mais positivo ainda, se comparado à realidade da guerra ou da depressão dos anos 30. Após um longo período de recessão e compressão das demandas, os anos gloriosos foram fartos para alguns e geraram expectativas para muitos mais. O capitalismo do pós-guerra foi tão reformado que ficou irreconhecível (Hobsbawn, 1995, p.265). Ou seja, um capitalismo que, nos países desenvolvidos, mostrava um inédito grau de distribuição de riqueza.

4. Os Desequilíbrios do Sistema e as Premissas da Revolução da Informação e do Conhecimento.

No início dos anos 70, a combinação do esgotamento do sistema de acumulação característico dos trinta anos gloriosos e do surgimento e aprofundamento de problemas de ordem conjuntural adquiriam um peso importantíssimo. Quais eram os sintomas da tempestade que se aproximava e que se manifestavam de forma mais freqüente no transcorrer da década de 1960?

A crise começou pelos EUA e foi exportada a outras regiões. O domínio americano declinara, em termos relativos, durante as últimas décadas. Alguns indicadores econômicos mostram a perda de competitividade da superpotência: enquanto em 1955 o Produto Nacional Bruto (PNB) do país representava 36,5% do mundial, em 1970 mal chegava aos 30,2%. A própria taxa média de crescimento anual do PNB dos EUA, medida em séries de cinco anos, era superada permanentemente, entre 1950 e 1970, pelo Japão, França, Alemanha e Itália. Até na produção automobilística, pilar de sustentação do American Way of Life, verificaram-se dificuldades (diante da produção européia e japonesa os EUA viram reduzir-se a sua fatia mundial de 51% para 35% entre 1965 e 1975)

A recuperação européia, notadamente o milagre japonês e alemão, significou para os EUA a perda de espaço nesses mercados. Muito pior, alavancou essas economias a uma acirrada disputa nos mercados internacionais. Com matrizes industriais mais modernas, aquisição e reprodução de tecnologia avançada, e especializando-se em setores produtivos específicos (eletrônico, automobilístico, siderúrgico e químico), aquelas economias contavam com a vantagem de não ter maiores ônus com a segurança militar, o que, paradoxalmente, pesava cada vez mais para os EUA. É muito importante salientar que no fim dos anos 60, como sinal claro do aumento da competição internacional, o modelo produtivo baseado no fordismo começara a declinar ante novas formas de organização do trabalho e da produção. Dentro da perspectiva de minimizar as conquistas dos trabalhadores, ganhou espaço o toyotismo (apliacado, pela primeira vez, nas empresas Toyota). Através de um rigoroso controle de qualidade e obrigando o operário a realizar tarefas múltiplas, o toyotismo vinculou a estabilidade do emprego e o salário à situação financeira da empresa. Desta forma, começava a desenhar-se a terrível perspectiva do desemprego, enquanto atacavam-se as áreas consideradas problemas para um melhor desempenho produtivo: absenteísmo, mobilidade voluntária, greves, direitos sociais.

As demandas internas da população dos países desenvolvidos saturaram-se. A reconstrução das suas economias, acrescidas de injeções de capital e de novas tecnologias, atingia todo o conjunto de demandas reprimidas desde a guerra. Por outro lado, tendências decrescentes na produção e na margem de lucros começavam a pesar mais sobre as concessões que tinham sido feitas ao movimento operário para evitar a sua radicalização. O alto custo dessa mão-de-obra levou a expansão de empresas multinacionais ao Terceiro Mundo. O Estado de bem-estar social passava a ser questionado abertamente. A saída de capitais e empresas dos espaços metropolitanos seria, futuramente, pesada carta de barganha contra os sindicatos e partidos de esquerda.

A década de 1960 vivenciou marcado questionamento interno e externo dos EUA. Em termos da lógica da Guerra Fria verificou-se a diminuição da distância que separava URSS dos EUA enquanto poderio militar, tecnologia espacial e presença internacional. A onda revolucionária que se desencadeou desde Cuba, pelo quintal latino-americano, desgastou a superpotência. Novos projetos nacionalistas e populistas, combinados com a expansão de guerrilhas e a radicalização de alguns setores vinculados à Igreja e ao exército, provocaram uma escalada inédita na região. Já no Vietnã ocorria a maior derrota da política externa americana em todos os tempos (e, se devidamente relativizada, derrota militar). No Vietnã caiu, definitivamente, a máscara de nação pacifista e anti-colonial dos EUA mostrando ao mundo a lógica do “grande porrete”, conhecida há muito tempo por mexicanos e centro-americanos. Mais de 500 mil soldados envolvidos, bombardeios maciços e utilização de todo tipo de armas químicas, com desastrosas conseqüências demográficas, econômicas e ecológicas, não evitaram o atoleiro. Pior, a guerra produziu fortíssima indignação interna ante o princípio de intervenção presente desde a Doutrina Truman. Da Ofensiva do Tet (janeiro de 1968) até os Tratados de Paris (1973), o desfecho do conflito fragilizou a pretensão hegemônica internacional da superpotência.

Outros fatores somaram-se à rejeição do conflito no Vietnã, mostrando sinais evidentes de insatisfação. Na sociedade americana do pós-guerra persistiam gritantes desigualdades sociais. A marginalização de importantes minorias expunha as mazelas sociais distantes do discurso oficial da democracia-modelo.

A mecanização agrícola aumentara a pobreza. Nos centros urbanos mesclava-se a ostensiva concentração de riqueza e a visibilidade do racismo. 1968 foi o ano do esgotamento da capacidade de diálogo e espera. A questão racial intensificou-se com o assassinato de Martin Luther King. A violência racista, permanente e impune durante os anos 60, varreu as expectativas da não-violência negra. A belíssima frase de Luther King, “Eu tenho um sonho [...] que todos os homens foram criados iguais”, pronunciada ante 250 mil pessoas na histórica Marcha sobre Washington (1963), surtiu efeito, mas nas mãos de estratégias de luta mais radicais: os Black Muslins (muçulmanos negros) de Malcom X (assassinado em 1965); o movimento Black Power (Poder Negro), de Stokley Carmichael; e a estrutura guerrilheira dos Black Panthers (Panteras Negras), fundada por Huey Newton e Bobby Seale em 1966. A cassação e prisão do campeão mundial de boxe Cassius Clay (futuro Mohammed Ali) por negar-se a lutar no Vietnã, e o punho levantado dos atletas negros Thomas Smith e John Carlos na Olimpíada do México (1968), ao melhor estilo Black Power, foram marca registrada dessa época. Mas a insatisfação contra o sistema não se restringia à comunidade negra.

No espaço universitário, desde o início dos anos 60, surgiu intensa crítica de costumes, valores e política ao poder institucional. A Universidade de Berkley simbolizou o movimento estudantil americano. Perseguido pela violência estatal e “proibidos de manifestar-se” estiveram no centro de outros movimentos questionadores do sistema (feminista, gay, hippie e yippie). Todas estas tendências cruzaram-se com as diversas manifestações de revolta de 1968. Paris, Praga, México e Berlim foram centros de agitação estudantil. Nos países ricos, o inconformismo contra a prepotência do poder e da autoridade, dos valores conservadores, da burocracia e do militarismo. Na Tchecoslováquia, a exigência de oxigenação do socialismo e a denúncia da satelização do país pela URSS. Na América Latina, a tentativa de resistir às ditaduras e às doutrinas de Segurança Nacional da matriz americana (Brasil e Argentina), ou a tentativa de evitá-los (Uruguai, México...) conflito de gerações, sim; mas, também, conflito de classes. No mundo capitalista, foi violento sintoma do esgotamento de um sistema planetário com marcados desequilíbrios políticos e sociais ou de exigência de mais democracia, mais liberdade, mais justiça. A repressão foi violentíssima em todas as partes. O saldo pode parecer pouco positivo diante de tantas expectativas. Entretanto, nos EUA, os setores negros conquistaram maior espaço social e político, assim como a pressão interna contribuiu na retirada do Vietnã.

A perda de competitividade econômica internacional e o custo altíssimo do “guarda-chuva nuclear” e do conflito vietnamita fragilizaram profundamente a hegemonia americana. No fim dos anos 60, os EUA exauriram os saldos positivos acumulados durante o boom dos anos gloriosos. Enquanto Europa e Japão passavam a ter saldos comerciais positivos e a acumular dólares, os EUA careciam deles. A situação revertera-se. Os compromissos com seus objetivos estratégicos levaram a superpotência à emissão de papel-moeda sem lastro em ouro, produzindo uma política inflacionária que dificultou, ainda mais, o desempenho das suas exportações. Recessão e desemprego vincularam-se à agitação social. O centro do capitalismo enfrentava terrível crise. A paridade fixa do dólar mantinha esta moeda artificialmente valorizada em relação as demais, dificultando as suas exportações. Eletrodomésticos e automóveis europeus e japoneses penetraram no mercado americano. Marcas como Renault, VW, Fiat, Opel, Honda, Seiko e Citizen recuperaram ou ganharam prestígio nos mercados internacionais.

O medo de que os dólares dos bancos centrais europeus – eurodólares – fossem usados para comprar o ouro estocado pelo tesouro dos EUA (dentro das diretrizes de convertibilidade negociada em Bretton Woods) assustou o governo Nixon. A ameaça de uma corrida ao ouro e do colapso do sistema econômico americano assumiu enormes proporções, pois afetaria todo o sistema mundial. Em 15 de agosto de 1971, o dólar foi desvalorizado em relação ao ouro em quase 10%; um ano e meio depois, nova desvalorização de 10%. Com isto, ganhavam competitividade as exportações norte-americanas (retornando uma espiral de crescimento e diminuição das tensões sociais), além de atingir os estoques de dólares em poder das economias estrangeiras. Pouco depois, decretou-se o fim da paridade fixa e da livre convertibilidade do dólar em relação ao ouro e às demais moedas. O dólar passou a flutuar, de acordo com as leis de mercado. Era o fim da ordem econômica do pós-guerra. Os demais países, para enfrentar a perspectiva de perda de competitividade no sempre atrativo mercado americano, foram obrigados a desvalorizar suas moedas também. A espiral inflacionária instalava-se nos centros capitalistas desenvolvidos e medidas de contenção com evidente custo social (congelamento salarial e não-concessão ou renovação de conquistas sociais), somaram-se neste processo de esgotamento do crescimento econômico do pós-guerra. Ameaçados no próprio campo capitalista e temendo o colapso do seu poder econômico, os EUA, unilateralmente, haviam mudado as regras do jogo. A diminuição das trocas internacionais e da atividade econômica levou à recessão internacional. Mas, como se isto fosse pouco, ainda faltava um condimento final para acelerar e aprofundar a crise.

Em outubro de 1973, os membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP), em represália à reação israelense na Guerra do Yong Kippur, contra a Síria e o Egito, e cansados de esperar o cumprimento da Resolução 242 das Nações Unidas (devolução dos territórios ocupados por Israel desde a Guerra dos Seis Dias: Faixa de Gaza, Sinai, Colinas do Golan e a Cisjordânia), assumiram importante solidariedade com o Egito. As medidas tomadas constituíram significativa agravante conjuntural à crise estrutural que se gestava havia quase uma década: a redução de 5% do fornecimento do produto energético (essencial para o desenvolvimento do mundo industrial contemporâneo), era acompanhada do aumento de 70% no preço do barril, e a imposição do embargo total aos países que apoiavam Israel (principalmente os EUA).

A crise do petróleo precipitou mudanças radicais na economia internacional. Todas as economias desenvolvidas viram-se obrigadas a reagir ante o encarecimento brutal do combustível; uma nova alta nos preços, a partir do fim da década, empurrou o preço do barril do petróleo para 34 dólares, que já fora de 1,75 dólares em 1950 e 2,18 dólares em setembro de 1973. Crise, restrições e inflação direta e imediata somaram-se aos outros sintomas do esgotamento do sistema. Os que mais sentiram foram os países que, além de dependerem do petróleo estrangeiro, tinham construído suas redes internas de transporte e comunicação a partir de rodovias e transporte terrestre automotivo (caso brasileiro). Uma das imagens mais fortes da necessária reestruturação tecnológica e de padrões de consumo foi a difícil substituição dos obsoletos “carrões” americanos por uma nova geração de automóveis menores e mais econômicos de origem européia e japonesa.

As perdas provocadas pela alta do petróleo foram desiguais. Ganharam os países produtores. Valores fantásticos foram acumulados (petrodólares). Os EUA, apesar do impacto inicial, sentiram-no em menor escala, pois possuíam importantes jazidas e reservas, o que lhes permitia uma situação muito mais confortável do que seus concorrentes diretos (Europa e Japão), que dependiam sensivelmente das exportações árabes. Por outro lado, os EUA atraíram os petrodólares mediante juros atrativos, o que lhes permitiu nova valorização do dólar em relação às demais moedas fortes (significante aumento unilateral da dívida dos países periféricos, que acumulavam saldos comerciais negativos e empréstimos) O Japão e os países europeus conseguiram compensar parte das perdas sofridas com a transferência desses custos aos países dependentes como acréscimo de valor agregado a sua produção tecnológica de ponta. Sem dúvida, as economias afetadas a médio e longo prazo foram as periféricas, pois tiveram sua produção primária desvalorizada (salvo exceções), viram um crescimento acelerado e asfixiante da dívida externa e sofreram maior taxação nas relações econômicas e financeiras estabelecidas com os países desenvolvidos.

A crise provocou desdobramentos importantes. Os EUA, desde o fim dos anos 60, ressentiam-se do desgaste crescente no Vietnã, da perda de competitividade econômica, da inflação, do desemprego e da saída de reservas de ouro. A crise de 1973 impôs medidas de choque para comprimir o consumo e diminuir o volume de moeda circulante; o espírito keynesiano era atingido. No governo Carter permaneceram os problemas internos. No exterior, os EUA perderam posições e influência na América Central (Nicarágua), África (ex-colônias portuguesas) e Ásia (Irã e Afeganistão).

Na Alemanha, a crise levou à revisão dos programas sociais enquanto o desemprego aumentou (um milhão de desempregados em 1974). Problemas sócio-econômicos e a escalada violenta do grupo Badder-Meinhof (fração do Exército Vermelho) desgastaram os governos social-democrata de Brandt e Schmidt.

Na França, Pompidou e Giscard d’Estaing não conseguiram reverter o impacto negativo da crise do petróleo. A revisão dos programas sociais desgastou o governo e abriu caminhos aos socialistas, que chegariam ao poder com François Mitterrand em 1981.

A Inglaterra também foi sacudida. Em 1976, havia 1,5 milhão de desempregados. Além do agravamento da crise social, o governo trabalhista de Harold Wilson enfrentou forte pressão dos separatistas da Irlanda do Norte e uma grande polêmica sobre a entrada da Grã-Bretanha na CEE. Esta situação abriu caminho para a ascensão do projeto neoliberal dos conservadores liderados por Margaret Thatcher.

Na Itália, a crise foi também política, a irrupção das Brigadas Vermelhas e o assassinato de Aldo Moro em 1978 acompanharam a fragilidade dos gabinetes ministeriais e um certo equilíbrio entre a DC e os comunistas (estes, na linha eurocomunista de distanciamento de Moscou). No fim da década, à instabilidade social somavam-se os problemas vinculados à corrupção e à ação da máfia.

Dois aspectos finais devem ser analisados dentro da perspectiva da mudança de rumo ocorrida nos anos 70 e que se manifestavam subterraneamente desde a recuperação do pós-guerra: as profundas transformações tecnológicas em andamento e o processo de globalização da sociedade mundial (a famosa aldeia global anunciada por MacLuhan) a reestruturação da economia capitalista no pós-guerra trouxe a articulação cada vez maior entre ciência, tecnologia e produção. Não há dúvida de que a Segunda Guerra Mundial valorizou sobremaneira a pesquisa científica aplicada aos problemas gerados pela dinâmica do conflito. Essa relação se aprofundou ainda mais em tempos de paz. A descoberta de novas áreas científicas e de novos setores produtivos insere-se na lógica da adequação entre conhecimento acumulado e condições tecnológicas (energia nuclear, eletrônica, aviação supersônica e pesquisa espacial). Prepara-se, desta forma, a terceira revolução industrial ou revolução técnico-científica. A ciência transformou-se em objeto de produção e as empresas e universidades uniram-se na pesquisa científica de ponta.

A internacionalização provocada pela expansão das empresas multinacionais à procura de vantagens competitivas desenhou uma rede mundial, onde a troca de informação, as experiências organizacionais e o fracionamento da produção atingiram escala planetária Novas formas de associação entre empresas, filiais, matrizes, fusões, tudo em nome de um processo de grande concentração de poder, onde o conhecimento e a velocidade de transmiti-lo passaram a ser fator essencialmente estratégico. O crescente investimento em ciência e tecnologia produziu concentração de investimentos (no caso americano, muito vinculado ao establishmente militar). As economias nacionais mais fortes optaram por desenvolver os novos setores de ponta esboçados durante os anos gloriosos e exportaram para o Terceiro Mundo indústrias com tecnologia obsoleta ou poluidora (mas sem perder o controle sobre elas).

Nesse sentido, destacaram-se os avanços na informática, robótica e telecomunicações. Por quê? Porque foram os fundamentos daquilo que mais tarde se chamaria processo de globalização. Foram os fatores revolucionários que atingiram, em momentos diferenciados, o conjunto da população mundial. O controle sobre tempos menores para a transmissão da informação, a instantaneidade, a sofisticação da comunicação (principalmente a mídia eletrônica) e a informatização crescente de quase toda atividade produtiva multiplicam novas possibilidades de investigação científica e produtiva, e configuravam tendências gerais do que se chamou aldeia global.

As guerra mundiais, a Guerra da Coréia, a Guerra Fria e a descolonização acompanharam os progressos dos meios de comunicação e o impacto da propaganda. A transmissão das palavras e das imagens chegou ao âmbito econômico e o controle dos fluxos de informação tornou-se, também, fator, criador de riquezas e poder.

As sociedades industriais foram permeabilizadas pelos meios de comunicação, constituindo um complexo produtivo capaz, de ao mesmo tempo, fabricar aparatos de transmissão e criar produtos para um público cada vez maior. O uso político da televisão atrelou-a aos interesses do Estado ou do capital privado, que, através da publicidade, pode controlar seu conteúdo e mensagem. Meia dúzia de agências de notícias controlam quase toda a informação vinculada. Na Guerra do Vietnã, tivemos a primeira transmissão ao vivo. O impacto das imagens sobre a população foi espetacular e abriu a polêmica sobre o controle e a censura dos meios.

Finalmente, a rapidez do desenvolvimento da informática abriu a possibilidade dos computadores individuais e de uso doméstico. A expansão do seu consumo e as perspectivas futuras de associação entre informatização e comunicação dão às potências e empresas que controlam tal possibilidade o delicado papel de internacionalizar padrões de consumo, modismos lingüísticos, valores exógenos e desvalorização das culturas afetadas por essa fantástica expansão tecnológica.

Em resumo, 1973 foi o ano da crise que salientou o esgotamento do modelo econômico montado no pós-guerra. Os cortes nos programas sociais, aguçaram ainda mais a crise, que atingia em cheio um universo de trabalhadores acuados pelas mudanças tecnológicas, pelas novas tendências de investimento do capital e pelo avanço de projetos que esboçavam a subordinação completa do Estado ao mercado.

A internacionalização da economia e o aumento da competição, junto com o problema do petróleo, produziram inflação de custos, crise de oferta e recessão. O ônus deste processo foi passado à periferia. Os países do Terceiro Mundo, não conseguindo saldas seus compromissos, viram sua dívida externa crescer extraordinariamente.

O esquema de Bretton Woods completara seu ciclo. Permitira encontrar uma saída equilibrada para o capitalismo no pós-guerra, mantendo uma situação vantajosa para os EUA. Porém, a combinação entre o custo social interno, a ascensão de economias competitivas e o custo da parafernália militar da Guerra Fria provocou o esgotamento do sistema na passagem dos anos 60 para os 70. A possibilidade do Japão e da Europa trocaram seus dólares acumulados pelo ouro estocado nos EUA ameaçou a base financeira desta potência.

O fim da convertibilidade do dólar em ouro, acompanhado pela sua desvalorização (para recuperar competitividade no exterior), produziu uma inflação que se espalhou mundo afora. O aumento do preço do petróleo aprofundou essa situação. Políticas protecionistas, crise financeira e quebra de empresas sucederam-se. A crise energética afetou desigualmente as economias nacionais. A paralisia produtiva e a relação econômica começaram a castigar os benefícios sociais num momento em que o desemprego começou a crescer de forma consistente. As finanças públicas tiveram que socorrer o capital privado e rompeu-se a política de consenso e compromisso que a social-democracia ajudara a consolidar como mecanismo de construção do Estado de bem-estar social. No fim dos anos 70, este modelo de Estado começou a ser desmontado, enquanto o movimento operário foi ficando cada vez mais acuado. Os anos gloriosos estavam acabando. A crise do modelo do Estado de bem-estar social foi, também, uma crise civilizatória, uma crise de expectativas. Dentro do violento processo de permanente internacionalização da economia mundial, reforçado no pós-guerra, o capital encontrou um novo modelo de acumulação que, nos anos 70, tornara obsoleto o compromisso social do pós-guerra.

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