quarta-feira, 17 de novembro de 2010

África de Mundo exótico a Periferia Abandonada

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África

De mundo exótico

A periferia abandonada


Cristina Pessanha Mary


Do ponto de vista daqueles que imaginaram a África permanentemente verde e florestal, pululante de vida animal, com rios infestados de jacarés e negros retintos e esse ar cenográfico de mistério, calor e febre que a lenda e a história emprestaram às coisas africanas, a Guiné é genuinamente africana, como nenhuma outra colônia portuguesa.


Aí não se sentirá o viajante despercebido da variedade africana, desconcertado por sensações bonançosas de climas e paisagens européias, como acontece nos planaltos de Angola, não terá que percorrer léguas cálidas à procura da África que imaginou – e que se lhe entregará, fiel e verdadeira, nos próprios povoados de gente branca; e verá imediatamente os pretos que julgava encontrar, os rios que já tinha visto em estampas características e, com alguma paciência, até os jacarés que moram nesses rios. Terá enfim, ao alcance dos olhos e dos nervos uma África exuberantemente africana (Galvão, 1948, p.68).

A África ao sul do Saara, com exceção da África do Sul (país com problemas políticos peculiares) é a causa perdida da economia mundial. Se Deus a desse de presente e fizesse de você seu ditador econômico, a única atitude inteligente seria devolvê-la a Ele. As fronteiras situam-se nos lugares errados para minimizar as animosidades étnicas. A revolução verde não foi feita para funcionar nas condições climáticas e nos solos africanos. Não existem governos efetivos e eficientes. Nenhuma economia jamais foi capaz de sobreviver com taxas de crescimento populacionais como as que prevalecem na África de hoje. Os níveis de qualificação profissional e educacional são os mais baixos do mundo. A AIDS poderá ser para a África no século XXI o que a Peste Negra foi para a Europa no século XVI. As rendas per capita declinantes da década de 80 deverão ser repetir nesta década. Quando se trata da África Meridional, a 'ciência implacável' leva aos mais sombrios prognósticos (Thurow, 1993, p. 255)


Em uma primeira leitura dos textos acima, na hipótese de não sabermos tratarem-se de depoimentos sobre a África, poderiam acreditar que estes referem-se a dois lugares distintos, tal o contraste das descrições. A exuberância africana assinalada no primeiro relato, caminha no sentido oposto à analise cortante do segundo, onde se enfatiza a impropriedade dos solos daquele continente para uma agricultura com mais recursos tecnológicos. Se o texto do autor europeu transmite curiosidade, o do segundo, um economista americano, nos brinda com um cenário de desesperança total, como se aquele continente e todo o seu conteúdo fossem incompatíveis com o mundo moderno.

No entanto, as imagens suscitadas nos referidos textos simbolizam as duas extremidades do processo de inserção da África numa economia mundializada. Assim, o mesmo lugar que um dia excitou a imaginação de alguns europeus com o signo do mistério, do exótico a ser desbravado, nos dias atuais é representado nos mapas como periferia abandonada, revelando diferentes papéis por ela desempenhados. Podemos sugerir um paralelo entre essas imagens e fases distintas da história africana. Se a primeira descrição se entrelaça com a colonização do continente, a segunda se afirma como símbolo daquela parte do mundo na chamada Nova Ordem. Para atingirmos nossa finalidade neste artigo, qual seja, a de analisarmos o papel desempenhado pela África em uma economia globalizada, centraremos nossa atenção no binômio integração – exclusão, visto que este representa a preocupação principal de grande parte dos autores que escrevem sobre o continente. Para estes, a exemplo de Thurow, a situação africana hoje é de insolvência em vários níveis como o político, o social e o ambiental.

Para cumprirmos nossos objetivos pensamos ser importante monitorar alguns episódios marcantes da história do continente, que dizem respeito à organização de seus territórios na atualidade. Ainda que a relação não seja direta e imediata, algumas fases da história africana lançam luzes sobre a origem dos processos de fragmentação que tanto chamam a atenção sobre o continente na mídia, atualmente, bem como explicam a capacidade de algumas regiões de situarem-se como pólos, ainda que de segundo plano, na economia mundial. Neste artigo, remontaremos ao momento da África imediatamente anterior ao desencadeamento do processo de mundialização, ao longo processo de conquista e submissão do continente entre os séculos XV e XX e a África, após o movimento de descolonização na segunda metade do nosso século, "tentando caminhar com seus próprios pés". Buscaremos apontar o rebatimento de cada fase sobre a África de hoje.

O Exame das diferentes visões contidas nas duas epigrafe nos permitiu perceber, com nitidez, laços entre as posturas dos dois autores: ambos distanciados por quase meio século entre seus escritos, olham para África fora dela mesma. No primeiro autor, esta forma de olhar evidencia-se na preocupação em descobrir um ponto que reúna de forma inequívoca todos os atributos paisagísticos do espaço africano, na redução do continente à imagem de uma natureza exótica e distante, a sensação de estranhamento. No segundo autor, a idéia de uma África una é atenuada pelo recorte que destaca do todo a África subsaariana e, dentro desta, a África do Sul; no entanto, podemos notar que a desesperança referente ao que ele denomina de África meridional termina por projetar-se sobre todo o continente.

Ambos reproduzem um comportamento trilhado por muitos autores que se debruçaram sobre o continente. De fato, tanto nas análises, quanto nas estratégias das potências colonizadoras a África tem sido tomada como conjunto. Colônia, periferia descartável, são exemplos dessa forma de olhar para a África, não significando, entretanto, a existência de uma identidade africana. Relativizar tal idéia é de suma importância pois, partimos da hipótese de que a identidade africana está muito mais no olhar dos que a observam do que em pretenso sentimento interno de união ou em uma espacialidade indiferenciada. Talvez se aplique melhor à África a idéia de unidade e não de identidade, pois existe uma história de problemas comuns aos povos daí oriundos, problemas estes advindos de uma colonização por parte dos europeus que se situa entre as mais dramáticas da história. Entretanto, cabe lembrar que unidade não significa, necessariamente, homogeneidade: ilustração exemplar das dificuldades de considerarmos a África como bloco monolítico consiste na já consagrada divisão da mesma em duas partes (presente em Lester Thurow) separadas pelo limite sul do Saara. Ainda que tenhamos em mente o entrelaçamento desses dois conjuntos, ressaltamos a possibilidade de agruparmos o norte mediterrânico e o seu interior saariano, unidos pelos laços do islamismo (e, em épocas anteriores, ao domínio romano), e o sul (subsaariano), mais afastado (ainda que não imune a tais influências) curvado sobre o animismo.

Mais do que uma simples divisão de cunho étnico-histórico entre árabes nas áreas setentrionais e os melano-africanos ao sul, como fazem crer os nomes correntes de África Branca e África Negra este recorte ganha destaque nos dias de hoje quando observamos as fortes implicações das questões do Oriente Médio sobre as áreas do Islã ao norte do continente.

A África subsaariana, geralmente associada a baixos índices econômicos e sociais e à cultura negra, em sua maioria, estaria muito mais entregue a sua própria sorte, representando, via de regra, a face por excelência do subdesenvolvimento, do não-progresso, como vimos na segunda epígrafe. Ainda que não compartilhemos das análises que associam a África subsaariana a esses prognósticos sombrios ou mesmo que enxerguemos uma radical separação desses dois conjuntos, pensamos ser este um exemplo adequado para recusarmos tomar a África como um bloco monolítico.

Ao discutirmos o papel da África dentro de uma economia globalizada teremos que, forçosamente, lidar simultaneamente com duas escalas: aquela que a toma como conjunto e aquela que a regionaliza buscando uma visão menos esquemática de uma realidade que se impões em toda a sua complexidade. A discussão, a seguir, de um painel dos momentos históricos chave se faz necessária para o entendimento da questão sócio-espacial da África contemporânea.

De Província Romana a periferia da periferia:

Uma Regionalização.

Na origem de seu nome a África traz as marcas do "olhar forasteiro" que toma como idêntico o que na realidade é complexo e diversificado. Esta denominação provém de Afrigah ou Afrikigah, termo aplicado à região onde a colônia fenícia de Cartago se desenvolveu, correspondente à cidade de Túnis, ao norte do continente. Inteiramente destruída pelos romanos, estes fundam a seguir uma província nesta mesma região, a qual denominam de África, cujo nome se estendeu por toda parte a noroeste, passando a designar, por fim, o continente inteiro (Castro, 1981. P.17)

Este moto-contínuo (construção – destruição – reconstrução) de territorialidades ganhou nova dimensão a partir dos primeiros contatos com a Europa movidos pelos ventos da expansão mercantil a partir do século XV. Ao longo do processo de conquista e submissão da África entre os séculos XV e XX, podemos discernir algumas fases, ainda que todas tenham se destacado pela extrema violência (George, 1976, p.173). No primeiro período, que se estende das viagens de reconhecimento e construção de feitorias, passando pelas expedições de geógrafos militares e missionários até fins do século XIX, temos uma África ligada ao circuito mundial com a tarefa precípua de exportar escravos para as demais periferias mundiais, como foi o caso do tráfico negreiro em direção à América Latina, jogando o papel de "periferia da periferia" (AMIN, 1976, p.273)

Em fins do século XIX, durante a fase imperialista, a conquista adquire outro conteúdo, tão espoliativo quanto os demais, porém revestido de maior sutileza: é o período em que o capital financeiro alça vôo em direção ao mundo colonial sob a forma de empréstimos, construção de canais e ferrovias. Conhecido como "Partilha da África", este período marcou o início da construção na África de uma economia colonial como um todo, com a organização de plantations na costa oeste e a exploração das minas de ouro nas áreas adjacentes a Johannesburgo e Kimberley. Podemos dizer que nesta fase a África deixou seu papel de "periferia da periferia" para galgar a condição de periferia propriamente dita.

Ao contrário do que se pode imaginar, a conquista e a colonização do continente não foram processos análogos ao ato de carimbarmos uma folha em branco. Sob a "folha de papel" já preexistiram outros desenhos e até mesmo figuras em alto relevo que, ao longo dos cinco séculos de domínio europeu, mesclaram-se às investidas estrangeiras construindo um perfil ímpar em relação ás outras áreas periféricas do mundo.

Até àquele momento o continente africano apresentava contrastes tanto no que se refere à distribuição de sua população quanto nas formas organizativas de suas sociedades. São essas diferenças que, somadas aos heterogêneos interesses europeus que ali incidiram, resultaram em quadro regional bastante complexo.

A região, doravante denominada Norte, se caracterizou por abrigar importantes civilizações que floresceram em torno do Mar Mediterrâneo, como a romana, a árabe e a otomana. Segundo Linhares (1981), eram áreas densamente povoadas com estrutura social complexa constituindo Estados organizados e dotados de uma burocracia onde a presença européia, através da conquista ou anexação, redundou no empobrecimento das comunidades preexistentes. Se os campos da Argélia foram sangrados, fornecendo trabalhadores para a construção de metrôs na França, o Egito, por sua vez, em função de sua posição estratégica, foi alvo das disputas entre as potências européias que construíram o Canal de Suez, verdadeiro símbolo do imperialismo europeu.

Ao sul do Saara, dentro dos limites do que denominamos de África Subsaariana, encontramos as regiões Oeste, Central e Austral.

A região Oeste notabilizou-se pela existência de vários reinos com nítida hierarquia social entre o que podemos denominar de uma comunidade superior (que agia organizando a produção, distribuindo terras entre as comunidades de aldeia, bem como redistribuindo os excedentes das colheitas, ou mesmo monopolizando alguma atividade considerada mais importante) e as próprias comunidades de aldeia. A ausência de riquezas minerais e a existência de transformações advindas da economia do tráfico (AMIN, 1976) contribuíram para a formação de uma área colonial onde predominou a plantation.

Na África Central, área onde predominava a floresta equatorial, a ausência de sociedade hierarquizadas inviabilizou a organização da plantation. A presença da própria floresta equatorial naquela área afugentou o grande capital.

... desencorajados, os colonizadores abandonarão o país a aventureiros que aceitam "tirar qualquer coisa" – sem grandes meios... O processo das companhias concessionárias que, de 1890 a 1930 devastam a África equatorial francesa tendo como resultado um lucro irrisório, como por exemplo o da política Leopoldina no Congo... (AMIN, 1976. P. 284)

Até a colonização a África Meridional foi normalmente identificada como zona dos grupos Bantus (grupos negros com linguagem comum) pois estes ai predominaram. Á exceção de alguns reinos onde estabeleceu-se uma hierarquia entre os clãs mais importantes e os outros setores da sociedade, os bantus organizavam-se em grupos de famílias extensas, com propriedade comunal da terra, sendo freqüentes, graves conflitos entre esses grupos.
Estes fatores, aliados à existência nestas áreas de importantes jazidas minerais, como as de ouro e diamantes (África do Sul), cobre (Zâmbia) e mesmo colônias agrícolas de povoamento (boers na África do Sul e ingleses no Zimbábue), que tornavam premente a necessidade de mão-de-obra para a colonização, desaguaram na desterritorialização de comunidades inteiras no sentido mais cruel do termo:

Para encontrar rapidamente esse proletariado, o colonizador despossui pela força as comunidades rurais africanas, repele-os para espaços exíguos e os mantêm nestas regiões pobres sem meios de modernização... (...) Obriga assim a sociedade tradicional a fazer-se fornecedora de migrantes temporários ou definitivos, fornecendo assim um proletariado barato para as minas, as herdades européias, depois para as indústrias manufatureiras da África do Sul, da Rodésia e do Quênia... (AMIN 1976, p. 280).

Esta violenta segregação ou apartheid a que foram submetidos os negros da região, traduzida em um complexo e elaborado sistema legal a partir de 1948 na África do Sul, e extinto em 1994, com a eleição do líder negro Nelson Mandela constituiu-se em um dos pilares do desenvolvimento capitalista no país. Outros episódios da ocupação desse território, que veio a se constituir como África do Sul, apontaram para um desenvolvimento diferenciado em relação a África como um todo: a colonização bôer, classificada por Amin (1987) como de povoamento; a guerra dos boêrs eclodida em 1899, protagonizada por ingleses e holandeses, opondo duas concepções de colonização distintas. Mas talvez o melhor exemplo deste caminho sui generes se encontre na formação da União da África do Sul no ano de 1910. A União consistiu na reunião das quatro entidades políticas da África Meridional (compreendendo os antigos territórios boêrs e ingleses), constituindo-se em um Estado com um grau de autonomia incomum entre as colônias africanas naquele período.

A área que compreende a Etiópia e a Somália, região do chamado "chifre da África", abrigou sobre o maciço abissínio uma sociedade hierarquizada que resistiu à conquista islâmica e notabilizou-se por sua aproximação com o cristianismo na sua versão copta. Amin (1987) chega a mencionar um desenvolvimento autocentrado para Etiópia, imune a invasão das mercadorias européias, com uma agricultura produtiva que permitiu um elevado crescimento demográfico. Entretanto, o Chifre da África, como veremos adiante, após despertar os interesses das grandes potências durante a Guerra Fria, não evoluiu no mesmo sentido sul-africano. Inversamente, na "Nova Ordem", a situação de alguns de seus países, como a Somália, se traduz na imagem do desespero, motivo de tentativas de intervenções militares e de ajuda humanitária por parte da ONU.

A regionalização por nós descrita está na base da divisão encontrada em Lacoste (1993), referente a África atual. Pensamos que esta "coincidência" se explica em função das alterações resultantes do processo de colonização. Para a compreensão do papel da África perante o sistema mundial na "Nova Ordem", entretanto, não podemos deixar de analisar o período que se seguiu à descolonização, pois este aprofundou as diferenças regionais entre os países africanos.

Tentando Andar com os seus próprios pés

A presença de africanos nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial e todo o esforço excepcional exigido às colônias para que estas fornecessem matérias-primas estratégicas de que o Ocidente necessitava, mudou irremediavelmente, as relações destas últimas com suas respectivas metrópoles. O envolvimento dos africanos na luta contra os regimes autoritários não fizeram mais do que assinalar as contradições de sua própria situação. Recrutados compulsoriamente, estiveram em vários fronts, como na Eritréia lutando contra os italianos, na Birmânia contra a ameaça japonesa e etc. De volta as suas terras de origem, não possuíam os mesmos direitos dos colonizadores. O discurso de defesa da democracia contra os regimes autoritários retornava assim com força, sobre as próprias metrópoles.

A chegada ao poder, na Europa Ocidental, de partidos com conteúdo anticolonialista, bem como a retomada da consciência da necessidade da independência por parte de sindicatos e o protesto dos intelectuais, fomentaram ainda mais o processo pró-independência. Este resultou na formação da maioria dos Estados-nações, situados no continente em um lapso de tempo de 20 anos, entre a independência da Líbia (1951) e a libertação da Suazilândia (1968).


As colônias portuguesas, bem como Djibuti, somente obtiveram este resultado durante a década de 70, enquanto o Zimbábue (antiga Rodésia do Sul) tornou-se independente na década de 80. Por último, ocorreram a independência da Namíbia, concretizada em 1990, e da Eritréia ocorrida em 1993.

Os limites das jovens nações foram demarcados segundo o princípio da "intangibilidade das fronteiras" traçadas durante o período colonial.
Ora, como é sabido, o desenho das fronteiras coloniais pouco considerou as identidades e as territorialidades preexistentes a colonização. O cartunista Plantu, em uma charge muito significativa publicada no Jornal francês Le Monde, nos brinda com a imagem de um africano deitado e cujo corpo se encontra dividido em duas partes: os pés de um lado de uma linha de fronteira e o resto do outro lado da linha. Os mais variados exemplos podem ser encontrados para ilustrar estes recortes bizarros do continente. Assim, ao observarmos um mapa da África, saltam aos olhos os casos de Gâmbia, encravado no território Senegalês, Cabinda, separada de Angola por um braço de terra pertencente ao Congo (antigo Zaire) e etc. Etnias rivais agrupadas no interior da Nigéria são outro exemplo desse intrincado desenho. Estes rearranjos espaciais estão muitas vezes na origem do processo atual de fragmentação.

O processo de descolonização como um todo pode ser, a exemplo dos momentos históricos até aqui relatados, regionalizado. Linhares (1981) agrupa as diferentes vertentes em alguns tipos como o das "descolonizações pacíficas", onde o processo se desencadeou a partir de negociações e acordos entre a colônia e metrópole, logo após a Segunda Guerra (maioria das ex-colônias francesas); outros, onde a guerra se fez presente, como no caso argelino, mas também os "movimentos tardios", como os de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, que se desenrolaram em conjuntura diversa etc. As diferenças não se restringiram apenas ao formato dos processos, atravessando o plano ideológico. A idéia de unidade africana vinha sendo gestada desde fins do século XIX, entretanto, somente em 1963 foi institucionalizada quando da criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em Adis Abeba. Até esse momento a África se encontrava cindida entre dois grandes grupos ideológicos. O grupo de Casablanca (Gana, Argélia, Marrocos, Egito, Guiné) aglutinava os partidários de uma independência absoluta, enquanto o grupo de Monróvia (Costa do Marfim, Etiópia, Tunísia) preconizava uma independência moderada através de acordos de cooperação.

Na atualidade a OUA, se limita a adotar recomendações e não tem obtido resultados eficazes na luta contra os problemas econômicos e políticos que afligem o continente e nem mesmo para escapar dos seus próprios problemas financeiros. Seus dirigentes contam hoje com a entrada da África do Sul pós-apartheid na organização, na esperança de um sopro de revitalização da entidade.

No período imediatamente posterior a 1945, as teorias do desenvolvimento alçaram vôo, anos depois, a África foi tomada pelos economistas e geógrafos como o exemplo clássico do subdesenvolvimento que aí encontrou a sua versão "menos equipada e... mais atrasada" (LACOSTE apud GEORGE, 1976, p. 100, referindo-se a África negra). A idéia do subdesenvolvimento, em que pesem todas as críticas imputadas ao termo, veio no bojo de uma progressiva sensibilização na opinião pública mundial para os problemas da pobreza em um plano menos elaborado e o do abismo social numa visão mais apurada. Aos relatos das Sociedades Geográficas que um dia ajudaram a abrir caminho para a colonização, se superpuseram aqueles que apontaram o sofrimento dos povos do Terceiro Mundo, arregimentando a empatia de grande parte do mundo para a questão de como deixar para trás tal situação. No momento que se seguiu a descolonização da maioria dos países, a África passou a suscitar no "olhar" de alguns analistas uma certa esperança, como a resistência ao capitalismo via projetos de desenvolvimento no âmbito mesmo do socialismo e da autonomia econômica. Enfim, tentavam-se visualizar formas dela caminhar com os próprios pés.

As teorias desenvolvimentistas se abriram em um leque de tendências que se estendem desde aquelas que preconizaram a ruptura com os padrões capitalistas como condição sine qua non para a arrancada de um país em direção a uma equanimidade social, econômica e política, até aquelas preocupadas em eliminar os entraves ao desenvolvimento no interior mesmo do padrão capitalista. Esta última vertente considerou as possibilidades da acumulação de capitais em países periféricos.

Na África, os projetos de desenvolvimento nasceram e se desdobraram ao longo de décadas de forma não-uníssona, divididos em torno do debate supramencionado, que em muito se ascendia numa conjuntura mundial bipolar. De um lado encontrávamos iniciativas que se inseriam nos quadros do capitalismo: o modelo desenvolvimentista, cujo caso exemplar seria a Nigéria, e via Neocolonialista, sul-africana. Numa outra vertente, podemos considerar o modelo socialista marxista-leninista que seguiu ou tentou caminhar de acordo com os modelos soviéticos exemplificados por Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, e o modelo do socialismo africano, cujo melhor exemplo consiste no caso da Tanzânia, onde tentou-se conduzir um socialismo em bases diferentes das seguidas pelos países estreitamente ligados à antiga URSS.

Na atualidade, a sensação de desilusão acerca dos resultados desses projetos de desenvolvimento, mormente os de orientação marxista, toma conta das apreciações e prognósticos sobre o continente como um todo. Como veremos a seguir, é nítido o contraste entre a Nigéria e África do Sul, de um lado, e Angola e Moçambique, de outro.

Na Nigéria, ainda que a violência urbana grasse, que as cidades expulsem de volta aqueles que migraram do campo, que os conflitos étnicos ameacem as bases do desenvolvimento do país, estruturado a partir de sucessivas ditaduras militares, está fora de questão negar a existência de uma base capitalista mais vigorosa, medida dentre outros fatores, pelo extravasamento do comércio muito além das fronteiras do país. As nações vizinhas como Togo, Níger, Chade e Camarões estão sob sua influência econômica direta. A industria nigeriana abastece toda a metade leste do Níger com produtos que vão desde de cosméticos baratos até os Peugout-plateau que não são mais fabricados na França
(DURAND et AL. 1993, p.394). O "milagre" nigeriano tomou impulso a partir de 1973 quando o choque do petróleo permitiu a triplicação das rendas auferidas com a venda deste produto. Já nesse período este "emirado" negro era o mais populoso da África subsaariana, possuía a renda per capita mais alta do continente, com exceção da África do Sul e dos países árabes do norte do Saara, e contava com uma infra-estrutura econômica preparada para um rápido crescimento (CASTILHO, 1984). A partir de então, projetos de monta foram implantados para que o país seguisse a trilha da industrialização: a nova capital, Abuja, foi construída em meio a este período de euforia. Este mercado em expansão captou exportadores europeus, americanos e até brasileiros, bem como mão de obra dos países vizinhos, quando quase três milhões estrangeiros afluíram para o país.

As pretensões nigerianas são muitas: a liderança no continente, hegemonia na África Ocidental e "guia" das nações negras. Sua participação efetiva na vida africana e mesmo fora dela se expande: participação da OUA, na OPEP, Commonwealth e promoção da comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste. A performance do país entretanto, não depende da sua vontade messiânica. Fatores internos como a econômica, diferenças regionais, étnicas e de ordem política estão minando o "desenvolvimento" nigeriano.

No conjunto da África do Oeste, a Nigéria é a única nação que tem conseguido manter a unidade de seu território nacional, superando a tendência ao esfacelamento em função de enormes diferenças étnicas. Para ilustrarmos essas complexidades, basta afiançar a existência de mais de 200 etnias. Podemos agrupá-las em três grandes grupos: os haussas ao norte, ibos no sudeste e iorubás no sudoeste. Essas grandes regiões, base da divisão administrativa colonial, correspondiam, em linhas gerais, durante a colonização, respectivamente, ás áreas de plantation de amendoin, óleo de palma e cacau. Hoje, a riqueza do país provém do petróleo, localizado na região sudeste, contrastando com a situação econômica ao norte. Esta clivagem norte-sul se acentua se pensarmos no vigor da religião muçulmana setentrional enquanto no sul temos o predomínio de cristãos e animistas. A região norte não está isenta de tensões entre confrarias islâmicas ou mesmo rivalidades entre herdeiros de antigos reinos ou emirados. O sul, por sua vez, possui muçulmanos entre os iorubás, ao lado de cristãos e animistas.

O Estado nigeriano, montado na riqueza petrolífera, não mede esforços na tentativa de construir uma verdadeira federação que possa dar conta de tamanha diversidade. Sucessivos governos militares promoveram, ao lado dos projetos desenvolvimentistas, reformas que dotaram o país de 30 estados e incontáveis governos locais. Estes últimos projetam os contornos de territórios tradicionais com base nas diferenças entre grupos. Como os conflitos são volumosos, o número dessas circunscrições vem aumentando ao longo do tempo, tentando minimizar as tensões.

Desde o início da década de 80, quando a produção petrolífera começou a declinar, os efeitos sobre a economia do país se fizeram sentir, visto que o petróleo era responsável por 95% das exportações nigerianas e por 75% das rendas do governo. Os projetos de monta foram interrompidos, desemprego e fome passaram a ordem do dia.

Os primeiros a sentir as conseqüências da crise foram os imigrantes: quase 2 milhões de pessoas, em menos de duas semanas, foram obrigadas a deixar a Nigéria em 1983. Mas, diante das reformas oriundas dos programas de reajustes estruturais, a expulsão desse contingente parece hoje secundária. Inflação, dívida externa, fome, tráfico de drogas, precariedade da saúde e educação, só fazem potencializar as tensões preexistentes no país, nublando as esperanças deste país que ainda aspira à liderança no continente.

Se os sonhos nigerianos de liderança começam a se esvair, o mesmo não acontece em relação à África do Sul. Sobre este país concentram-se as expectativas maiores quanto ao desempenho desse papel. A origem dessa preponderância econômica se encontra em etapas muito anteriores ao momento atual de globalização. A África do Sul implantou um tipo de capitalismo calcado em medidas segregacionistas capazes de proporcionarem ao país a existência de bacias de mão de obra das mais baratas e oprimidas do mundo. Se no período colonial a mineração de ouro e diamantes foi decisiva para a acumulação capitalista, mais adiante, a partir da Primeira Grande Guerra, desencadeou-se no país uma industrialização por substituição de importações. Neste período, capitais ingleses e americanos passaram a afluir para o país.

O período entre guerras assinalou a modernização da economia da África do Sul, que deixava definitivamente a condição de país agrícola com enclaves minerais no Rand e Kimberley. No Transvaal, em torno de Joahnesburgo, nasceram industrias de base, apoiadas no carvão e no ferro. Port Elizabeth tornou-se logo um centro automobilístico, enquanto a Cidade do Cabo e Durban acolhiam fábricas têxteis (MAGNOLI, 1992, p.36)

Mas foi durante o transcurso da Guerra Fria, quando o território africano adquiriu um valor estratégico ímpar na defesa dos interesses do bloco capitalista, que a África do Sul selou sua aliança com as principais potências do ocidente.

Entre 1960 e 1980 os investimentos dos EUA triplicaram; entre 1972 e 1973, as trocas comerciais entre a Alemanha Federal e a África do Sul aumentaram 36%... (NICOLAU, 1982, p.52)

Com as mudanças na conjuntura internacional relacionadas à fragmentação do bloco soviético, a África do Sul viu-se cada vez mais isolada diplomaticamente. A decomposição do ex-bloco socialista privou de sentido a colaboração sul-africana na luta contra o comunismo, enquanto as sanções econômicas por parte dos países tornaram-se mais efetivas
o edifício do apartheid, corroído por crises internas, perdendo também seu "apoio" externo, terminou por ruir. Entretanto com o fim do apartheid, a África do Sul emerge inequivocamente como pólo do continente (ao menos na região subsaariana). Urge discutir sobre sua capacidade de conectar a África ao sistema mundial.

Contrastando com este pólos estão as nações que trilharam o caminho "socialista": Angola, Moçambique. Estes países tiveram grande peso geopolítico no cone sul africano, procurando expandir as fronteiras da revolução socialista. Assim, vimos Moçambique se empenhar na independência do Zimbábue; a liderança moral da Tanzânia sobre o grupo de linha de frente que lutava por uma África do Sul livre; e a resistência de todos os três às investidas militares do Ocidente, em grande parte executadas via estado e territórios da África do Sul contra seus territórios. Hoje, entretanto, é de conhecimento de todos a guerra de dilacera a economia e as esperanças dos angolanos, a palidez do desempenho tanzaniano no cenário regional e o difícil esforço de Moçambique para tentar superar sua condição de pobreza, reconstruindo o país depois dos acordos entre as forças da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique).

A situação de Angola é de difícil prognóstico em função do prolongamento do conflito armado entre as forças governamentais e as forças de oposição da UNITA (União para Libertação Total de Angola), mesmo depois das negociações de paz e a realização das eleições no ano de 1992 que deram a MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) a vitória sobre a UNITA. A saída por enquanto, parece estar muito distante de um final feliz. Por um lado temos o governo se defrontando com uma inflação anual que atinge mais 3.500%, desemprego em massa e 1,5 de pessoas dependendo, para sobreviver, de ajuda internacional. Alie-se a estes dados o fato de que a maior parte das rendas petrolíferas está comprometida com empréstimos feitos a juros altíssimos de médio prazo com bancos privados.
Por outro lado, as forças da UNITA mantém o controle sobre a principais minas de diamantes do país, a maior parte da receita dessa produção destinando-se à manutenção de sua própria estrutura.
O prolongamento desta guerra tem sido chamado de Guerra dos Diamantes em função da disputa acirrada em torno deste recurso reivindicado pelo estado angolano (jornal do Brasil, 8 de fev. 1996).

Outro ponto delicado para o desenvolvimento do país consiste no movimento separatista do enclave de Cabinda e nas questões étnicas como um todo. A região de Cabinda, separada do restante do território angolano por um braço de terra, pertencente ao Zaire, é uma das mais ricas áreas de Angola. Sessenta por cento do petróleo provém daí, existindo na região ao menos três grupos de guerrilha com objetivos separatistas em relação a Angola. Estes movimentos são endossados pelos países vizinhos como Congo Democrático (ex-Zaire) e o Congo-Brazzaville com vistas a açambarcarem as jazidas minerais existentes e, no caso do ex-Zaire, visando a ampliação de sua fronteira litorânea. A questão étnica obscurecida pela guerra civil, sempre foi marcante nesta área, podendo abandonar a qualquer momento o seu estado de latência. Ela esteve presente mesmo durante a guerra de libertação, sendo uma questão com a qual o modelo socialista ali implantado foi forçado a se deparar.

A unidade territorial angolana se encontra ameaçada hoje, não só pela guerra civil, como também pela clivagem entre as etnias, que está na base de algumas propostas reais existentes para o processo de paz, onde o país seria seccionado entre os vários grupos étnicos, submetidos uns e outros às forças da UNITA ou do MPLA.

Se Angola apresenta tal quadro, no outro lado do continente, isto é, no seu flanco oeste, encontramos Moçambique tentando sua reconstrução após os acordos de paz entre os exércitos da FRELIMO e da RENAMO, em 1992, e a realização de eleições mediadas pela ONU, que obrigaram as duas forças contendoras a dividir o poder.

A longa guerra civil que teve seu início antes mesmo da independência, em 1975, deixou um terrível saldo de miséria e questões sociais a serem resolvidas. Assim, existe o drama dos refugiados de guerra que hoje retornam, e dos contigentes dos exércitos desmobilizados durante o processo de paz. Neste país, considerado por muitos como o mais pobre do mundo, vive-se em média somente até os 48 anos, com uma renda per capita anual de 48 dólares, e mais de 80% de sua economia envolve doações que incluem o elevado custo do desarme das minas espalhadas pelo país.

Segundo a análise de Cabaça (1995), encontramos hoje um país em reconstrução, com o governo da FRELIMO premido a aderir ao programa de reformas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, desalentado com a dependência dos recursos internacionais e uma RENAMO sem condições de assumir de fato sua parte na reconstrução do país. Ainda de acordo com o mesmo autor, que analisa lúcida e detalhadamente em seu texto as razões do fracasso do projeto socialista marxista-leninista em Moçambique, os perigos não seriam poucos nesta guinada moçambicana em direção a uma economia de mercado. Se durante as décadas de 70 e 80 não foram poucas as tentativas de se implantar uma economia mais justa dentro dos quadros do socialismo, também não foram poucos os erros nem poucas as manobras de uma África do Sul intervencionista ameaçando os esforços moçambicanos. Hoje, neste quadro unipolar, as opções parecem ter se resumido a uma só: sobreviverá Moçambique a esta nova conjuntura?

A partir dos resultados obtidos nos projetos desenvolvimentistas da Nigéria, África do Sul, Angola e Moçambique, vimos delinear-se o perfil de uma África profundamente cindida: de um lado a desilusão com projetos de desenvolvimento tanto no âmbito do socialismo quanto fora dele, de outro, a esperança no avanço da África do Sul pós apartheid. Frente ao processo de globalização este processo só fará agravar-se. Na imprensa, nas organizações internacionais preocupadas com o destino do Terceiro Mundo, os prognósticos tomam a África como um conjunto sem esperanças – resta-nos discutir essa questão.

África: integração e exclusão na nova ordem mundial

Hoje as causas da mortalidade no mítico Canadá são doenças não transmissíveis: câncer, diabetes, falhas cardiovasculares. Na mãe África globalizada elas são velhas conhecidas: varíola, gripe, tifo, difteria. Por essa e por outras é que, em minha métrica de civilização, Américas, África e Ásia permanecem barrados no convescote global (SANTOS, 1996)

Ao refletirmos sobre o papel da África frente ao processo de globalização deparamo-nos, forçosamente, com a questão da sua exclusão no sistema mundial. Vários autores, a exemplo de Thurow na segunda epígrafe deste artigo, caminham neste sentido: Amin (apud Durand, 1993) refere-se a África negra como "quarto mundializada", sem função no mundo atual, enquanto Zorgbibe (1996) nos fala em marginalização no sistema mundial. Para este último, marginalização significa estar presente massivamente no ranking dos países menos adiantados, isto é, países com insuficiência alimentar, sistemas de saúde arruinados etc.. Chesnais (1996) utiliza a expressão "desconexão forçada" ao referir-se a situação das áreas que no passado tiveram como função primordial a exportação de matérias primas e que hoje, com as novas tecnologias que permitem substituir os recursos tradicionais, estariam desconectadas do sistema do comércio internacional. Ainda que não possamos afirmar que toda área produtora de matérias-primas esteja condenada, a discussão sobre a desconexão forçada em muito se aplica à África tendo em vista a performance de sua economia, em grande parte estreitamente ancorada neste papel.

Outra forma de exclusão diz respeito à perda de importância estratégica de um determinado território em função de mudanças na conjuntura internacional. Este fato é flagrante no caso africano. Se o período correspondente a guerra fria se caracterizou pelo não enfrentamento direto entre as grandes potências, ainda que estas atuassem de modo a gerar crises entre outros povos, este quadro mudou radicalmente com a chamada Nova Ordem. Os países africanos hoje não contam mais com a possibilidade de aliar-se a um outro bloco de poder, a exemplo do que acontecia quando da existência de um bloco capitalista e outro socialista, ficando a mercê das potências ocidentais. Estas por seu turno passaram a impor condições para "ajuda", como exigências de pluripartidarismo e de planos de ajuste estruturais, ditados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial.

O desinteresse por parte dos centros ocidentais implicou em algumas das muitas situações dramáticas que povoam os noticiários sobre o continente. O caso da Somália é ilustrativo. Este país, constituído em 1960 a partir da fusão da antiga Somalilândia britânica com a Somália italiana (mas não incorporando regiões onde viviam membros da etnia somali como Djibuti, Ogáden, concedido pelos britânicos à Etiópia, e a zona nordeste do Quênia) apoiou-se na ex-URSS, durante a guerra fria, para equipar um dos exércitos mais importantes da região do Chifre da África. Ao final da década de 70, alimentado pelo sonho de reunificação dos somalis, o país lançou-se na fracassada disputa com a Etiópia pela região de Ogáden. Esta tentativa frutrada foi acompanhada de uma espetacular reviravolta no jogo de alianças com as grandes potências: a armada soviética foi expulsa de Berbera, base aeronaval, "ancorando-se" a partir de então no regime etíope.

A Somália, entretanto não garantiu a proteção americana; ao contrário, as ajudas estagnaram. No início dos anos 80 os ressentimentos regionais no interior da Somália começaram a tomar vulto: hoje, o Estado não existe, no seu lugar encontramos milícias dos vários clãs que controlam parte do território. A noroeste encontramos a Somalilândia, proclamada independente desde de 1991; na região norte, mais estável, desfrutando de algumas facilidades econômicas mãos aonde as escolas estão fechadas há cinco anos (com exceção das corânicas), o controle é exercido pelo clã liderado pelo general Aidid, antigo chefe da guarda nacional do ex-presidente Barré, deposto em 1991. No centro-sul estão as áreas mais conturbadas, palco privilegiado das ações de ajuda humanitária e militares por parte dos países ocidentais anteriormente.

A Somália é o rosto de uma África marginalizada pela fome e pela miséria mas também pela proliferação dos espaços ocupados por aglomerados humanos de exclusão (HAESBAERT, 1995): os refugiados por toda a África se multiplicam. Metade do número total mundial se encontra em terras da África subsaariana, salientando-se, entretanto a situação de Ruanda, que assim como o caso somaliano, é emblemático dessa face da globalização.

Em Ruanda, centenas de milhares de mortos, mais de 2 milhões de refugiados e deslocados (GUICHAOUA, 1996) são o saldo do conflito, que já vinha se desenrolando há muito tempo. Apresentado pela mídia como um típico caso de escaramuça étnico-racial entre os tutsi, pretensamente com raízes etíopes, e os hutus, hipoteticamente do grupo bantu, este conflito nos traz algumas questões para reflexão. Pelo aspecto físico ou idioma utilizado é impossível distinguir um tutsi de um hutu. Esta "aproximação" dos tutsi com os etíopes teve sua origem durante o período colonial, quando os europeus impregnaram de preconceito racial as diferenças entre esses grandes grupos definidos pelo status de atividade que exerciam na sociedade e/ou pela propriedade da terra e pela divisão territorial do trabalho. A liderança tutsi foi relacionada à Etiópia cristã, ponta de lança do cristianismo no Chifre da África. Grande parte dessa elite tutsi foi convertida ao cristianismo, estimulada e assessorada pelos colonizadores a intermediarem o comando do então território colonial alemão (WAAL, 1994).

Ao longo dos anos, com o processo de independência, a situação se inverteu: os hutus tomaram o poder, reprimindo, expulsando do país os tutsi. Grande número desse grupo se dirigiu para Uganda, constituindo-se na base da Frente Patriótica Ruandense, que hoje, abranda a guerra civil, controla parte do poder em Ruanda (constituindo a maior parte do exército).

Podemos afirmar que o conflito era latente na sociedade ruandense, sendo interessante explicar as razões do seu desencadeamento que, a exemplo do ocorrido na Somália, em muito se relacionam a uma Nova Desordem Internacional. A unipolarização do mundo, como já mencionamos, proporcionou a algumas potências ocidentais ascendência política mais direta sobre as economias mais frágeis. Sendo assim, a ajuda francesa ao país ficou condicionada ao restabelecimento do estado de direito, na sua versão ocidental, isto é, a redemocratização da sociedade representada neste caso por uma divisão de poder equânime entre as etnias rivais. Este processo, em si mesmo, reavivou as clivagens da sociedade ruandense. Por outro lado, a crise econômica, atingindo indiscriminadamente todos os países do continente, pressionou o governo de Uganda a repatriar os tutsi (muitos há mais de 20 anos em Uganda). A sorte estava lançada: a militarização do conflito foi garantida pela venda de armas, para todas as facções, provenientes do Egito, África do Sul, Rússia e outros integrantes do extinto Pacto de Varsóvia.

A (des)ordem instalada em Ruanda e na Somália pode ser encontrada em outros recantos da África: nos jornais e televisões concorrem com essas manchetes as guerras da Libéria, a luta esquecida dos núbios no sul do Sudão, os territórios da droga, interditados ao cidadão comum, na fronteira entre o Chade e o extremo norte de Camarões. Entretanto, não podemos simplesmente reduzir a África a um campo pontuado por aglomerados humanos de exclusão. Sabemos que os mesmos processos que fomentam os fenômenos de exclusão em massa, podem conectar as elites mundiais às bolsas mais importantes do mundo (HAESBAERT, 1995). No avesso dos processos de exclusão das periferias mundiais temos a integração aos centros de algumas nações e/ou cidades existentes no interior mesmo dessas periferias "centros e periferias no mundo, uma rede hierarquizada" (LÉVY, 1993) assinala este processo de inserção de alguns pólos ao sistema mundial. Ainda que a maior parte da África subsaariana se encontre classificada como "periferia abandonada", denotando as situações de exclusão (fome, guerra civil, estados fragmentados, desconexão forçada) existem territórios integrados de forma diferenciada aos centros mundiais de poder. Assim, o grupo de países que possui recursos naturais importantes, a exemplo do Marrocos (fosfato), Argélia e Nigéria (petróleo), bem como os exportadores de produtos agrícolas como Costa do Marfim e Gana, estão classificados como "periferias exploradas" em analogia às funções exercidas pelas colônias de exploração. A Líbia se destaca como "semi-isolada", isto é, uma periferia que conta com suas próprias forças. Enquanto os desertos do Saara e do Kalahari figuram como "reservas territoriais estratégicas", cidades como Dakar, Abidjan, Lagos, Cabo, Johanesburgo e Nairóbi constituem-se em nós dentro da rede mundial.

Dentre todas as nações do continente africano somente a República da África do Sul está classificada como "periferia integrada ao centro". Lançando mão das estatísticas verificamos o violento contraste entre a situação desse país e a dos demais. O PIB da África subsaariana corresponde a apenas 250 bilhões de dólares (2% do total mundial)entretanto, 90 bilhões deste total provém da África do Sul.

Como já ressaltamos, a integração da República da África do Sul é em grande parte explicada por sua trajetória, que lhe possibilitou construir uma base capitalista mais sólida. Ainda que o país se utilize dos seus trunfos, como a persistência de seu valor estratégico e liderança mundial de reservas minerais, o início de uma nova fase, pós-apartheid, nos rumos políticos do país, facilitou sua integração à uma economia globalizada.

África: periferia abandonada?

No contexto de uma Nova Ordem Mundial os olhares sobre a África estão claramente divididos: ou vemos a descrença quanto ao seu futuro – o termo "africanização" foi cunhado para exprimir o forte sentido da exclusão que perpassa a imagem do continente – ou notamos a convicção na capacidade sul-africana de agir como locomotiva de um pretenso desenvolvimento do continente, como meio de "religar" a África ao sistema internacional (ZORGBIBE, 1996).

Sob outros ângulos encontramos divisões acerca do papel da África no momento atual: enquanto a idéia de um desenvolvimento da África do Sul seduz o Ocidente, o norte vem sendo, cada vez mais, associado ao "perigo muçulmano". O islamismo parece polarizar o norte africano, não sendo poucos os indícios dessa ligação. As manifestações populares no interior de países dessa região apoiando as ações do Iraque contra a coligação ocidental durante a Guerra do Golfo; a existência de grupos ligados ao Irã, projetando a criação de um estado islâmico no interior argelino são alguns dos exemplos. Em contrapartida, detectamos uma Europa preocupada em "proteger-se" do assédio do Terceiro Mundo. O empenho europeu em estancar o fluxo de imigrantes toma sua forma mais literal nos planos de construção de um muro em torno de Ceuta, enclave espanhol no extremo norte do Marrocos, considerado o principal ponto de passagem dos africanos que buscam clandestinamente "integrarem-se" a União Européia.

Norte excluído, sul conectado? Não é tão simples assim. Lembramos que alguns autores encaram a capacidade dinamizadora da África do Sul apenas como um mito existente entre as classes dominantes brancas e negras daquele país (LACOSTE, 1995). Fronteiras internas colocadas a partir dos bantustões, racialização do espaço urbano com as townships, disputas entre os principais partidos e entre etnias diversas, aliadas a quadro de recessão que, a despeito de um início de recuperação em 1993, conta com um índice de desemprego entre a população ativa de 30% (atingindo 50% se considerarmos os subempregos) podem ser indícios do estrangulamento do brilhante porvir anunciado para a República da África do Sul...

Se iniciamos este capítulo com uma epígrafe que sugere a devolução da África ao Criador, talvez valha a pena nos debruçarmos sobre o depoimento de Michel Power (1995), à testa de um fundo de investimento panafricano (Simba Fund). Em extenso artigo no Courrier International, aquele empresário exalta as possibilidades do continente africano. Segundo ele, já é fato o grande interesse dos países emergentes asiáticos na África. Mormente na compra de suas matérias-primas, principalmente diamantes, ouro, chá e algodão. Segundo a mesma fonte, mesmo com os preços em baixa, a amplitude da demanda asiática permitiria bons negócios aos africanos.

Mesmo levando em conta que, subjacente à análise do empresário, existia um proposta de manter a África como periferia exportadora de matérias-primas, não descartamos a possibilidade de que alguns países africanos reconvertam a sua economia nesta direção almejando galgar posição melhor dentro da globalização econômica que, mais do que nunca, é um processo ferozmente excludente. Afinal, a trajetória dos Tigres Asiáticos transformou-se em "modelo" que, embora dificilmente transportável e eivado de contradições, ainda encanta a muitos...

Neste difícil momento para a África e demais periferias, quando as portas do "sucesso" estão, rapidamente, se fechando, fica difícil fazer previsões, especialmente quando a tomamos como um conjunto. Para nós, qualquer prognóstico nesse sentido seria precipitado. Sabemos que as soluções para os dilemas da África variam de intensidade e complexidade segundo a região e mesmo segundo o contexto histórico: as esperanças para os africanos são tantas quanto as desesperanças projetadas para o continente neste fim de século.

Referências Bibliográficas.

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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Fase de Expansão da Sociedade Liberal


Capítulo 2

A Fase de Expansão da Sociedade Liberal
(1870/80 a 1914/18)

Falta a informação de que livro pertence esse capítulo


2. A Expansão da Sociedade Liberal
2.1 A Evolução Econômica
Capitalismo monopolista e imperialismo
2.2 A Nova Expansão Colonial
2.a Aspectos gerais da Expansão Colonial
2.b A ocupação da Ásia
2.c A Partilha da África
2.d A Rivalidade na América
2.3 A Evolução Social e Política
3.a Novas Forças em Ascensão e suas manifestações
3.b Os Problemas Internacionais


2. A Expansão da Sociedade Liberal

Na primeira metade do século XIX, a relação entre a Europa industrializada e o restante do mundo se centralizava no intercâmbio comercial. No início do século XX, porém, a Europa se apropriara de vastas extensões territoriais do planeta, impondo-lhes seu domínio político, bem como subordinara à sua economia as economias dos países não-industrializados. Seguiam-na bem de perto os Estados Unidos e o Japão. Por que e de que maneira se estabeleceu essa força expansionista num intervalo de tempo relativamente curto?

Examinando a situação das potências da época, verificamos a ocorrência de mudanças significativas em sua organização econômica, social, política e cultural. Um estadista daquele período assim se manifestou a esse respeito:

“Passaram-se os dias das pequenas nações; chegou o dia dos Impérios.”
[1]

Ou, como escreveu o historiador inglês Barraclough

“... poucos historiadores teriam negado que o novo imperialismo era uma expressão lógica e uma conseqüência dos progressos econômicos e sociais dos países industrializados...”
[2]

Dentre as mudanças significativas do período ressaltam-se o surgimento das grandes empresas, a tendência à monopolização, uma nova política econômica de caráter protecionista, um impulso colonial de novo tipo que promoveu a partilha de quase todo o planeta, o advento da democracia liberal e o aguçamento das rivalidades internacionais.

As páginas que se seguem analisarão os processos de mudança e suas conseqüências para a história européia e mundial.

2.1 A Evolução Econômica – Capitalismo Monopolista e Imperialismo

1.a A partir, aproximadamente, de 1860/70, tendem a acelerar-se determinadas transformações ligadas ao funcionamento e à própria organização geral do sistema capitalista, especialmente no nível econômico.

Verifica-se progressivamente, no sistema capitalista, a alteração tanto do número global quanto das dimensões médias das empresas – há, relativamente, um número cada vez menor de empresas, porém agora são grandes empresas. Modificava-se também a constituição do capital destas – as de caráter individual ou familiar cediam terreno às sociedades anônimas.

Tais fatos ocorreram numa época de agravamento das crises periódicas do sistema e de conseqüente intensificação da concorrência entre os produtores, numa luta dia a dia mais violenta pelos mercados internos e externos.

Com isso, o “jogo liberal”, ou seja, a livre concorrência, a livre determinação dos preços pelas leis da oferta e da procura, o poder decisório, em última instância, do consumidor, foram todos sendo relegados a um plano secundário. O capitalismo tornou-se na prática cada vez menos “livre”, tal a capacidade do grande capital e do Estado de intervirem sobre as condições de funcionamento do mercado. Apesar de tudo, sobreviveu a ideologia do liberalismo econômico – e os pressupostos da teoria econômica a ela ligados – de modo que, quanto mais “monopolístico” se tornava o capitalismo, mais exaltada era a fé liberal.

Não poucos historiadores e economistas referem-se a tais acontecimentos com a denominação de “transformações estruturais do capitalismo”. Daí resultam dúvidas e confusões, pois, na verdade, os aspectos que constituem os componentes essenciais do sistema não se modificam (propriedade privada dos bens de produção e apropriação privada do excedente produtivo). O modo de produção capitalista continua a ser o mesmo. Seu funcionamento, algumas de suas manifestações mais flagrantes, estes sim, aparecem ora mais, ora menos modificados, mas nem por isso podemos aceitar que se trate de “outro” sistema – “pós-capitalista”.

As transformações acima indicadas tiveram correspondências diversas na constelação de elementos constitutivos da formação econômica e social capitalista, como é óbvio, daí o desenvolvimento a longo prazo, já em pleno século XX, de teorias concernentes à superação ou regeneração do capitalismo que se expressam em torno da ideologia do “neocapitalismo”.

1.b O funcionamento mesmo do sistema do capitalismo acarretou, já na segunda metade do século XIX, o início de suas transformações. A livre concorrência, associada ao avanço científico e tecnológico, tendia a acentuar, de um lado, o problema dos custos de produção, a fim de garantir ou ampliar o mercado (e garantir, em conseqüência, a realização da taxa de lucro) e, do outro, a necessidade de investir cada vez mais em equipamentos sempre mais complexos e caros. Ocorreu assim um acentuado aumento do chamado capital fixo.

Simultaneamente, convém lembrar, as crises econômicas, conjunturais e estruturais, multiplicam-se conforme o sistema se expande, a tal ponto que, para muitos, elas parecerão inerentes ao sistema, sem que se constituam em ameaça a sua sobrevivência. As crises agravam aqueles problemas já citados, provocando falências, fusões e eliminação de empresas concorrentes. A luta pelo mercado interno e externo aguça-se em tempo de crise.

Faz-se sentir, ao mesmo tempo, a pressão crescente da mão-de-obra, dia a dia mais organizada e ativa em seus diversos sindicatos. A manutenção da margem de lucro satisfatória entre em choque com o que........................................................................................................................faltam as páginas 74 e 75............................
Mercado do aço; na integração horizontal, efetua-se o domínio de um determinado setor (ou fase) da produção de uma mercadoria. Ex: domínio da fase do refino do petróleo e/ou sua distribuição. Também aqui pode haver a absorção de uma ou mais empresas por outra mais poderosa.

Os grandes complexos industriais e financeiros puderam, melhor que ninguém, enfrentar problemas tais como pesquisa básica, custos crescentes de produção e distribuição, crises econômicas etc. Puderam inclusive interferir no mecanismo dos preços, mantendo-os altos. Quando isto acontecia, configurava-se uma situação monopolista.

1.c Os Monopólios

O monopólio puro – domínio de um setor do mercado por uma empresa – não existe. O que se encontra comumente é o oligopólio, que ocorre quando alguns rivais de grande porto deixam de competir e entram em acordo para findar a concorrência e estabelecer preços altos para seus produtos. Pode-se falar da existência de monopólio no sentido de um controle real exercido sobre os preços e o mercado. No final do século XIX um economista já tinha notado que “a intensidade da competição...” quando umas poucas empresas encontram dificuldades crescentes em dispor de sua produção plena e de um preço lucrativo, leva os competidores a fazer algum acordo uns com os outros, que mitigará a severidade da luta.”
[3] E um jornal comercial da Inglaterra anunciava em 1898 que:

“Já temos operando acordos e entendimentos para preços de trilhos, chapas para cascos, caldeiras, lingotes de ferro e outros ramos do comércio de ferro e aço deste país, pelos quais os preços são mantidos satisfatoriamente e se impede sua queda”
[4]

Note-se ainda a influência do desenvolvimento tecnológico a exigir um volume crescente de capitais, a tal ponto que, logo ultrapassado as possibilidades de ser atendida tal demanda apenas pelo empresário capitalista individual, ou pelas empresas familiares, faz-se necessário modificar os métodos de obtenção de recursos. Além disso, as máquinas têm seu tempo de duração cada vez mais reduzido, aumentando com rapidez as necessidades de reposição e de substituição, coisa que a figura tão decantada do capitão de indústria raramente pode atender. Moderniza-se para sobreviver ou ficar obsoleta e perecer passa a ser o dilema da indústria capitalista.

Ocorreram, na segunda metade do século XIX, avanços técnicos muito importantes nos países industriais. Não seria o caso de considerá-los uma “segunda revolução industrial”, como fazem alguns autores, mais sim um conjunto de procedimentos novos que aprofundaram o impacto geral da revolução industrial em andamento.

Graças a novos processos de purificação do ferro fundido e sua mistura com manganês e carvão (processos de Bessemer. Siemens-Martin e Gilchrist Thomas), produziu-se um tipo de aço maleável e resistente, que se tornou um material básico das estruturas. Além disso, a produção em larga escala possibilitou incrível barateamento e difusão do aço (máquinas, construção civil, transportes, objetos de consumo corrente e etc.)

Desenvolveram-se também novas fontes de energia, gás e eletricidade, que foram substituindo gradativamente o vapor. Aplicada a química e metalurgia, a eletricidade provocou o surgimento de novos processos de produção. Vários tipos de motor de combustão interna (de gás, óleo, gasolina) propiciaram o desenvolvimento dos meios de transporte (automóvel, trem, navio). Desenvolveu-se a química sintética, com ampliação em inúmeros campos industriais, a indústria petrolífera, a indústria da borracha e etc.

Estes e outros processos técnico-científicos produziram um impacto muito forte sobre a organização da produção, o tipo de equipamento industrial, a distribuição das mercadorias, a administração das empresas etc. Eles exigiam a reunião de capitais em larga escala para sua realização. O tempo das pequenas oficinas foi ficando para trás e em seu lugar começaram a surgir os grandes complexos industriais e financeiros.

A solução encontrada foi conciliar o gigantismo da organização com novas e maiores fontes de financiamento. Daí a multiplicação das sociedades anônimas, por ações, que permitiam, de um lado, captar as pequenas poupanças privadas quase ao infinito e, de outro, operar fusões e associações entre grupos industriais e financeiros sem maiores problemas, de tal modo que entra em cena com destaque o setor bancário, cujos membros, assumindo papéis decisivos na nova estrutura financeira das empresas capitalistas, dão a impressão de ter atingido um “novo” estágio capitalista: o do “capital financeiro”
[5].

Resultou essa impressão de uma primeira avaliação de uma época de grandes transformações, mas grande fato é que, a par das transformações que se verificam na organização das empresas e na relação entre elas e os possuidores do capital, permanece o sistema em suas bases essenciais, não importando aqui a circunstância de uma possível ou pretensa diluição do capital por força da multiplicação do número de ações em que esse capital se divide.

Na prática, o aparecimento das sociedades por ações significa apenas que certos grupos poderão controlar grandes complexos industriais e financeiros através da propriedade, ou mesmo da simples gerência, de uma parcela bastante reduzida do total de ações (20-30%), pois, estando o restante dividido entre milhares de pequenos acionistas, a participação efetiva dos mesmos nas decisões é puramente teórica, isto é, ilusória.

Até a Primeira Guerra Mundial, pelo menos, os bancos exerceram um papel de liderança nesse processo de crescimento monopolístico, daí a ilusão quanto à existência do chamado capital financeiro. Isso se processou porque quase sempre cabia aos bancos colocar no mercado essas ações; adiantando aos respectivos empresários o seu valor nominal, ficavam os bancos em condições de influir em larga escala sobre a administração dessas empresas. É interessante observar que também na área bancária se processou um idêntico fenômeno de concentração e integração, pela absorção ou eliminação dos pequenos bancos e constituição de grandes sociedades financeiras que, em número reduzido, detinham praticamente em suas mãos as finanças do país (veja-se, por exemplo, o caso do grupo Morgan nos Estados Unidos).

Não devemos acreditar que o processo de concentração e integração elimine necessariamente todas as pequenas e médias empresas. Deixando de lado as variações setoriais que explicariam o porquê da sobrevivência ainda hoje, em setores limitados, de uma estrutura, de uma estrutura baseada nesse tipo de empresa
[6], o fato mais importante é a constatação de que, mesmo nos setores altamente monopolizados, sobrevivem mais ou menos marginalizadas algumas pequenas e médias empresas. Sabe-se que esta sobrevivência não é acidental e nem decorre de uma especial concessão das grandes empresas, pois na verdade essas pequenas empresas não são eliminadas simplesmente porque não há interesse em fazê-lo. Isso porque à grande empresa interessa a permanência de pequenas empresas cuja produtividade baixa encarece seus produtos – essa circunstância permite à grande empresa manter altos seus preços, as pequenas empresas podem dedicar-se a produtos complementares da grande indústria. Em ambos os casos o pequeno produtor fica dependente do grande capital. Um estudioso viu da seguinte maneira o problema do fim do século passado:

“Em todos os campos da indústria... não se constata a diminuição do número total de pequenos negócios... mas a independência econômica de muitos tipos de pequenos negócios se esfacela diante do capitalismo organizado.”

“O pequeno produtor ainda sobrevive em grande número na agricultura... mas o pequeno fazendeiro torna-se mais e mais dependente do crédito e da ferrovia.”
[7]

As transformações desse período fizeram-se acompanhar, como é fácil supor, de todo um cortejo de justificativas ideológicas voltadas para a demonstração não só da necessidade dessas transformações mas até mesmo do caráter benéfico que as mesmas teriam para todos os interessados, isto é, produtores e consumidores. A crítica ao liberalismo admite agora que a livre empresa e, mais ainda, a livre concorrência não constituem um ideal autêntico, uma vez que é posta em dúvida a própria eficácia do mercado como mecanismo auto-regulador. Isso se deve às crises, especialmente as de superprodução, as quais levam os empresários à convicção de que a ordem econômica existente necessita de certas “correções”. Começa-se então a admitir que cabe ao produtor uma certa capacidade, diríamos mesmo um certo “direito”, de intervir no mecanismo dos preços, a fim de controlá-los e impedir que baixem a tal nível que as mercadorias deixem de oferecer lucro quando vendidas. Estamos aí, evidentemente, bem distanciados do ideal primitivo, isto é, da “igualdade” entre o produtor e o consumidor face às condições ditadas pelo mercado.

Intervir torna-se a ordem do dia. Intervir, porém, ao nível da iniciativa privada sem apelar para o Estado, daí a busca de entendimento entre os produtores, facilitada pela nova estrutura das empresas. É assim que iremos ter os vários tipos de concentração e integração geralmente conhecidos como ententes, consórcios, cartéis, trustes e holding.

Nas ententes ou pactos trata-se de verdadeiros “acordos entre cavalheiros”, isto é, um certo número de grandes indústrias resolve fazer um pacto fixando um preço mínimo para a respectiva produção: geralmente este pacto baseia-se tão somente na honestidade dos participantes e é fácil concluir quanto à sua observância em tempos normais, sendo, porém, muito difícil sustentá-lo em época de crise, pois nesse caso uns tentam superar os demais, dando saída da maneira mais favorável possível à sua própria produção. Em alguns casos essas ententes evoluíram no sentido de organizações estáveis chamadas por vezes de consórcios, que se assemelham ao tipo seguinte, o cartel.

O cartel é constituído por empresas dedicadas à produção de similares, as quais se reúnem a fim de estabelecer, mediante acordo, ou uma divisão do mercado ou uma fixação de quotas de produção e venda para cada uma delas, chegando-se quase sempre, como medida de segurança, a estabelecer um escritório ou agência comum de vendas, evitando-se assim, que elas possam vender diretamente ou seus produtos. No cartel, as empresas mantêm sua identidade e autonomia próprias, ou seja, sua personalidade jurídica, muito embora a existência de uma agência comum que controle preços e quotas represente uma limitação a essas características. O problema do cartel é constituído por duas séries de situações: em termos de conjuntura há sempre a possibilidade de no decorrer de uma crise, uma ou mais empresas faltarem com seus compromissos, isto é, venderem além de suas quotas e baixarem os preços respectivos; do ponto de vista da estrutura, o que se observa é a participação, no mesmo cartel, de empresas cuja produtividade é muito diversa, de modo que, sendo os preços fixados ou em função de um termo médio entre os custos ou em função das condições da empresa de menor produtividade, o que vai acontecer é uma margem de lucro considerável para as maiores empresas e uma possibilidade muito pequena de lucro para as empresas menores. Com isso há um desequilíbrio interno mais ou menos constante que, para ser contornado, irá exigir quase sempre a intervenção do Estado.

Ententes, consórcios e cartéis são típicos dos países capitalistas europeus, destacando-se o cartel como modalidade específica da Alemanha, inicialmente.

Nesses Estados europeus não se observam apenas diferenças quanto a tais modalidades de concentração, sendo notória a diferença de atitudes assumidas pelo Estado face a esses processos de concentração.

Na Inglaterra e na França, a concentração e a integração esbarram em leis e preconceitos que visam a proteger o consumidor da ganância do produtor, de tal modo que tais formas de concentração só podem existir mais ou menos à margem da lei, ora toleradas, ora perturbadas pelo Estado.

Na Alemanha, verifica-se o contrário, pois ali é o Estado o grande impulsionador da “cartelização”, considerada essencial ao próprio futuro político e econômico do país. Enquanto na Alemanha o Estado pressionava no sentido da criação dos cartéis e facilitava as punições contra aqueles que faltavam aos seus compromissos dentro do cartel, na Inglaterra e na França não havia condições legais ou administrativas de perseguir e punir um empresário faltoso em seus compromissos como membro de uma entente ou consórcio.

No Japão, devido à própria estrutura em que se formou o capitalismo japonês, os cartéis constituíram a forma predominante assumida pela industrialização, dominados por algumas poucas famílias, porém sob a forma específica dos Zaibatsu.

Nos Estados Unidos, a concentração deu origem à forma característica dos chamados trustes. Nestes há a absorção de uma ou mais empresas por uma outra empresa ou grupos de empresas concorrentes, de tal modo que as empresas iniciais desapareceram por completo. Os trustes podem estar ligados à integração vertical ou horizontal ou a ambas simultaneamente. Dado o seu caráter quase sempre mais visível ou ostensivo, os trustes despertam com mais facilidade a hostilidade da opinião pública e especialmente da classe média. Contra eles foram tentadas inúmeras providências consubstanciadas nas chamadas leis antitrustes. Diante de tais medidas, os trustes mais visados tendem a dividir-se em diversas empresas juridicamente independentes, que representam, na prática, ramos da mesma organização
[8]

Mais complexos que os trustes temos as chamadas empresas “holding”, em grande parte surgidas no final do século XIX como modalidade capaz de substituir os trustes, obrigados a dissolver-se por força de medidas governamentais. A empresa holding, espécie de “supertruste”, é uma empresa que coordena diversas outras empresas, funcionando como uma espécie de sociedade de coordenação técnica que na prática dirige as demais empresas que o constituem, o holding controla praticamente essas empresas, embora em função do mecanismo mesmo que preside às decisões nas sociedades anônimas, nas quais os acionistas, sobretudo os pequenos investidores, quase sempre se abstêm de participar, deixando nas mãos dos maiores detentores de ações, em termos relativos, todas as decisões referentes às empresas do grupo. Oficialmente, o holding exerce apenas uma tarefa de administração.

1.d Uma nova política econômica

As transformações até aqui estudadas produziram um forte impacto sobre a política econômica tradicional (o laissez-faire), conduzindo gradativamente os Estados desenvolvidos à adoção de políticas protecionistas.

Como e por que ocorreu essas mudanças? Estudaremos o problema em dois níveis, as tendências gerais resultantes da estrutura monopolista e as circunstâncias históricas concretas que reforçaram aquelas tendências.

Já vimos que os monopólios lançam mão de uma limitação da oferta de seus produtos para obter preços mais altos no mercado nacional, empresas estrangeiras poderiam oferecer produtos similares a preço mais baixo no mercado nacional, o que seria fatal para os monopólios nacionais. Daí sua exigência de tarifas alfandegárias altas para garantir internamente seus preços. O protecionismo reaparece, portanto, com um sentido novo:

“A antiga política tarifária tinha a função... de acelerar o crescimento de uma industria dentro das fronteira protegidas... Agora as industrias mais poderosas, mais capazes de exportar... e para as quais as tarifas não deviam ter interesse, pedem altas tarifas protetoras”.
[9]

As altas tarifas alfandegárias assumiam uma outra função: a empresa monopolista, na tentativa de realizar exportações, tentava garantir seu sucesso nesse empreendimento vendendo mais barato que seus concorrentes estrangeiros no mercado internacional. Esse procedimento não lhe dava prejuízos porque internamente os preços altos compensavam possíveis perdas no exterior. Esse processo pelo qual as vendas no exterior eram subsidiadas pela situação interna chama-se dumping. Neste caso, as tarifas alfandegárias assumiam a função de auxiliar a conquista de mercados estrangeiros.

Outra tendência geral da estrutura das economias monopolizadas era o aumento constante da exportação de capitais. Os mecanismos garantidores de altos preços (limitação da oferta através da subutilização da capacidade produtiva, dispensa de trabalhadores, diminuição das horas de trabalho etc.) limitavam as oportunidades de reinvestimento, por isso, os capitais acumulados tendiam a buscar áreas (industrializadas ou não) que proporcionassem rentabilidade. Ocorria que capitais de outra procedência nacional podiam estar interessados também naquelas áreas, e podia ocorrer também uma resistência das próprias áreas visadas. Desse modo, a exportação de capitais pressupunha uma certa integração da área receptora no sistema econômico (e as vezes no político) do país exportador de capital. Os investidores pressionavam o Estado para que este assegurasse as melhores condições de investimento externo.

De 1873 ao final do século, caracterizou-se uma situação de depressão econômica e crise social. No setor industrial notava-se estagnação acompanhada de desemprego. Ao mesmo tempo, emergiam novos países como potências industriais de primeira ordem: Estados Unidos e Alemanha, seguidos mais tarde pelo Japão, o que tornava a concorrência mais acesa no mercado internacional. O impacto da crise na Inglaterra, por exemplo, ficou bem claro num relatório da “Comissão Real” de 1886:

“... em razão da conjuntura presente, a demanda de nossos produtos não cresce no mesmo ritmo de antigamente... e nossa posição de principal nação industrial do mundo não é mais tão indiscutível;... nações estrangeiras começam a entre com sucesso em competição conosco em numerosos mercados, dos quais tínhamos o monopólio até então”.
[10]

Também o setor agrícola achava-se em crise devido ao fluxo de produtos agrícolas, principalmente cereais, dos Estados Unidos, Canadá, Argentina, Austrália, Nova Zelândia, que invadiam os mercados europeus, prejudicando seus produtores. Gradativamente, o protecionismo dos produtos agrícolas foi-se impondo como tendência geral. Um de seus defensores afirmava na Câmara dos Deputados da França:

“Quem ousará negar os sofrimentos do agricultor? (grifo organizacional). Os recenseamentos não demonstram que os campos se despovoam mais e mais em proveito das cidades?... Em princípio houve razão para estabelecer a taxa sobre o trigo porque, sem ela, o cultivo teria desaparecido e o consumidor francês estaria à mercê do produtor estrangeiro”
[11]

O conjunto destes problemas suscitados pela depressão resultou na formulação de uma política de expansão e de anexação de mercados externos. Um estadista como Jules Ferry estimulava essa política em 1885 com a afirmação de que:
“Na crise que todas as indústrias européias atravessam, a fundação de uma colônia significa a criação de um mercado”
[12]

As potências desenvolvidas começaram a lançar-se à corrida colonial e imperialista por todo mundo.

2.2 A Nova Expansão Colonial

2.a Aspectos gerais da expansão colonial

A partir do momento em que a Inglaterra – para enfrentar a estagnação econômica, a crise social e a concorrência de novas potências – reforçou os laços imperiais e iniciou a corrida colonial, outros Estados seguiram-na rapidamente. A anexação de vastas áreas do mundo ao sistema econômico e político das nações mais industrializadas se fez então em ritmo acelerado.

a.1 A Natureza da Expansão

Já vimos que a reorganização geral da economia e sociedade nas nações capitalistas mais industrializadas gerou novas exigências econômicas e novas políticas estatais que conduziram à competição internacional e à conquista imperialista. Diferentemente da época anterior – da livre concorrência – cuja ênfase estava no intercâmbio de matérias-primas e alimentos por produtos industrializados, o que importava agora era principalmente exportar para as áreas visadas os capitais disponíveis. Estes capitais chegavam àquelas áreas secundariamente sob forma de empréstimos e principalmente sob a forma de investimentos: em obras públicas (ferrovias, energia elétrica, serviços de gás, transportes urbanos e etc.) e atividades primárias (extrativas ou agrícolas). Todos os setores atingidos ligavam-se direta ou indiretamente ao setor exportador da área sob influência e domínio. Além dos lucros realizados diretamente na produção ou nos serviços, esses investimentos estimulavam o comércio e a própria indústria do país que aplicava os capitais.

A rivalidade no plano internacional arrastou, por vários motivos, os Estados à competição. Desta competição se seguiu uma repartição das áreas “ocupáveis” do mundo, o que se fez de acordo com o poderio de cada Estado empenhado na corrida. Como formulou Cecil Rhodes, um dos maiores animadores ingleses da competição colonial:

“A expansão era tudo e, sendo a superfície do mundo limitada, o grande objetivo da humanidade contemporânea devia ser tomar tanto pedaços do mundo quanto fosse possível”
[13]

Essa divisão não era eterna, pois os ritmos de crescimento econômicos variavam de país a país, e um Estado que se julgasse prejudicado da divisão anterior de mercados ou áreas dominadas e se sentisse suficientemente forte para reivindicar uma redivisão tentaria mudar os acordos anteriores. Daí as ações diplomáticas e até militares.

Além dos motivos gerais já definidos, a corrida colonial surgiu de motivações mais imediatas (ligadas aqueles motivos gerais):

- A necessidade de assegurar vias de comunicação (portos, ilhas, pontos de abastecimento etc.) para áreas onde já existiam posições econômicas definidas; ou a necessidade de criar uma área de segurança em torno do território nacional (anexação por motivos estratégicos ou colônias estratégicas);
- A necessidade de proteger uma área do avanço de rivais, impedindo-os de utilizarem-na em seu proveito (anexação protetora);
- A necessidade de anexar áreas, mesmo que fossem de pequeno valor, mas que poderiam tornar-se importantes no futuro (anexação antecipatória). Como formulou um estadista: “Fomos até Massoua no interesse da civilização e porque talvez uma outra potência teria podido ocupar aquela região... Não podemos permanecer inertes e deixar que as outras potências ocupem sozinhas partes inexploradas do mundo”
[14]

[1] CHAMBERLAIN, cit. Por BARRACLOUGH, G. Introduccion a la historia contemporânea, Madri, Gredos Ed. 1965
[2] BARRACLOUGH, G. op. Cit. P.68
[3] HOBSON, J. A. The evolution of Modern Capitalism, Londres, G. Allen & Unwin Ltd., 1949, p. 169 (1ª ed. 1894)
[4] HOBSON, J. A. op. Cit. P. 170
[5] HILFERDING, A. El capital financeiro. Madri. Ed. Tecnos, 1963.
[6] GALBRAITH, J.K. o capitalismo, Rio, Zahar, 1960
[7] HOBSON, op, cit, p. 212
[8] O’CONNOR, H. O império do petróleo, Rio, Zahar, 1968.
[9] HILERDING, cit. por SWEEZY, op. cit.p, 346
[10] Cit. por VOILLIARD e outros em Documents d’Histoire. Vol.2. Paris. A Colin 1964. p.72
[11] Debate na Câmara dos Deputados, em 2 de maio de 1891, L’Année Politique, 1891, PP, 123-25, cit,por VOILLIARD, op, cit, p.50
[12] FERRY, J. Discurso na Câmara dos Deputados, Journal Officel, em 29 de julho de 1885, cit, por VOILLIARD, op, cit, p.48
[13] Cit, por LANGER, The diplomacy of imperialism, Vol 1. P.77
[14] CRISPI, cit. Por BOURGIN, Les politiques d’expasión imperalistes, p.134.