domingo, 25 de julho de 2010

A Era dos Impérios Uma Economia Mudando de Marcha de Eric Hobsbawn

A Era dos Impérios

Uma Economia Mudando de Marcha


Eric Hobsbawn da página 78 até a página 85


O significado coletivo dessa acumulação de fregueses, mesmo pobres, agora era reconhecido pelos homens de negócios. Os filósofos políticos temiam a emergência das massas, ao passo que os vendedores a saudavam. A indústria publicitária, que se desenvolveu agora como força importante pela primeira vez dirigiu-se a elas. As vendas a prazo, em grande medida uma inovação desse período, visavam a permitir que as pessoas, com pequenas rendas fizessem grandes compras. E a arte e a indústria revolucionárias do cinema (ver cap.9) começaram do nada em 1895 para exibir uma riqueza além dos sonhos mais ambiciosos, em 1915, com produtos tão caros que faziam óperas e príncipes parecerem mendigos, tudo isso baseado na força de um público que pagava em centavos.


Há uma cifra que, sozinha, pode ilustrar a importância da região "desenvolvida" do mundo na época. Apesar do crescimento notável das novas regiões e economias ultramarinas, apesar da sangria causada por uma vasta emigração em massa, a parcela de europeus na população mundial cresceu no decorrer do século XIX, e sua taxa de crescimento passou de 7% ao ano na primeira metade e 8% na segunda a quase 13% em 1900-1913. Se a este continente urbanizado de consumidores potenciais, acrescentarmos os EUA e algumas economias ultramarinas em processo de desenvolvimento rápido, porém muito menores, teremos uma mundo "desenvolvido" de algo em torno de 15% da superfície do planeta, com ao redor de 40% de seus habitantes.


Esses países constituíam o grosso da economia mundial, juntos representavam 80% do mercado internacional. E mais, eles determinavam o desenvolvimento do resto do mundo, cujas economias cresciam ao prover às necessidades estrangeiras. Não se pode saber o que teria acontecido ao Uruguai ou a Honduras se lhes tivesse cabido a iniciativa. (De qualquer maneira, não provável que isso ocorresse: o Paraguai, já tentara uma vez escapar ao mercado mundial, e fora massacrado e forçado a voltar a ele – cf. A Era do Capital, cap.4) O que nós sabemos é que o primeiro produzia carne porque havia um mercado para ele na Grã-Bretanha e, o outro, bananas porque alguns comerciantes de Boston calcularam que os americanos pagariam para comê-las. Algumas economias satélites se saíram melhor que outras, mas quanto melhor se saíssem, maior o proveito das economias do núcleo central, para quem esse crescimento se traduzia em mercados maiores e crescentes para a exportação de bens e capital. A marinha mercante mundial, cujo crescimento indica grosso modo a expansão da economia global, permaneceu mais ou menos estável entre 1860 e 1890. Seu volume flutuou entre 16 e 20 milhões de toneladas. Entre 1890 e 1914, quase duplicou.


Então, como podemos sintetizar a economia mundial da Era dos Impérios?


Em primeiro lugar, como vimos, foi uma economia cuja base geográfica era muito mais ampla do que antes. Sua parceria industrializada e em processo de industrialização aumentara: Na Europa, devido à revolução industrial na Rússia e em países como a Suécia e a Holanda, até então pouco atingidos por ela, e, fora da Europa, por causa do desenvolvimento da América do Norte e, já até certo ponto do Japão. O mercado internacional dos produtos primários cresceu enormemente – entre 1880 e 1913 o comércio internacional dessas mercadorias quase triplicou – bem como, por conseguinte, tanta as áreas destinadas a sua produção como sua integração ao mercado mundial. O Canadá se integrou ao grupo dos maiores produtores mundiais de trigo após 1900, com uma safra que passou da média anual de 18 milhões de hectolitros nos anos de 1890 a 70 milhões em 1910-1913. Ao mesmo tempo, a Argentina se tornava um exportador importante de trigo – e todos os anos os lavradores italianos apelidados de "andorinhas" (golondrinas), atravessavam 16 mil quilômetros de Oceano Atlântico, indo e voltando para fazer sua colheita. A economia da Era dos Impérios foi aquela em que Baku (no Azerbaijão) e a bacia do Donets (Na Ucrânia) foram integradas à geografia industrial, ao passo que a Europa exportava tanto bens como moças a cidades novas como Johanesburgo e Buenos Aires, e aquela em que teatros foram erguidos sobre os ossos de índios mortos em cidades nascidas do boom da borracha a 1600 quilômetros rio acima da foz do Amazonas.


Por conseguinte, como já foi observado, a economia mundial agora era notavelmente mais pluralista que antes. A economia britânica deixou de ser a única totalmente industrializada e, na verdade, a única industrial. Se reunirmos a produção industrial e mineral (incluindo a construção), em 1913 os EUA forneceram 46% deste total, a Alemanha 23,5%, a Grã-Bretanha 19,5% e a França 11%. A Era dos Impérios, como veremos, foi essencialmente caracterizada pela rivalidade entre Estados. Ademais, as relações entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido também foram mais variadas e complexas que em 1860, quando a metade do total das exportações da Ásia, África e América Latina se dirigiu a um só país, a Grã-Bretanha. Por volta de 1900, a participação britânica caiu a um quarto e as exportações do Terceiro Mundo para outros países da Europa Ocidental já superavam as destinadas à Grã-Bretanha (31%). A Era do Império já não era monocêntrica.


Esse pluralismo crescente da economia mundial, ficou até certo ponto, oculto por sua persistente e, na verdade, crescente dependência dos serviços financeiros, comerciais e da frota mercante da Grã-Bretanha. Por um lado, a City de Londres era, mais que nunca, o centro de operações das transações comerciais internacionais, tanto que o rendimento de seus serviços comerciais e financeiros, sozinho, quase compensava o grande déficit do item mercadorias de sua balança comercial (137 milhões de libras contra 142 milhões, em 1906-1910). Por outro lado, o enorme peso dos investimentos britânicos no exterior e de sua frota mercante reforçou ainda mais a posição central do país, numa economia mundial que girava em torno de Londres e se baseava na libra esterlina. A Grã-Bretanha continuou a ter uma posição dominante no mercado internacional de capitais. Em 1914, a França, a Alemanha, os EUA, a Bélgica, a Holanda, a Suíça e os demais, juntos, somavam 56% dos investimentos ultramarinos mundiais; a Grã-Bretanha, sozinha, detinha 44%. Em 1914, a frota britânica de navios a vapor era, sozinha, 12% maior que a totalidade das frotas mercantes de todos os outros países europeus reunidos.


Na verdade, a posição central da Grã-Bretanha por ora estava reforçada pelo próprio desenvolvimento do pluralismo mundial. Pois, como as economias em processo de industrialização recente compravam mais produtos primários do mundo subdesenvolvido, acumulavam em seu conjunto um déficit comercial bastante substancial em relação a este último. A Grã-Bretanha, sozinha, restabelecia um equilíbrio global, pois importava mais bens manufaturados de seus rivais, exportava seus próprios produtos industriais para o mundo dependente, mas principalmente obtinha rendimentos invisíveis de vulto, provenientes tanto de seus serviços comerciais internacionais (bancos, seguros, etc.) como da renda gerada pelos enormes investimentos no exterior do maior credor mundial. Assim, o relativo declínio industrial britânico reforçou sua posição financeira e sua riqueza. Os interesses da indústria britânica e da City até então bastante compatíveis, começaram a entrar em conflito.


A terceira característica da economia mundial é a que mais salta aos olhos: a revolução tecnológica. Como todos nós sabemos, foi nessa época que o telefone e o telégrafo sem fio, o fonógrafo e o cinema, o automóvel e o avião passaram a fazer parte do cenário da vida moderna, sem falar na familiarização das pessoas com a ciência por meio de produtos como o aspirador de pó (1908) e o único medicamento universal jamais inventando a aspirina (1889). Tampouco devemos esquecer a mais benéfica de todas as máquinas do período, cuja contribuição para emancipação humana foi imediatamente reconhecida: a modesta bicicleta. Apesar de tudo, antes de saudarmos essa safra impressionante de inovações como uma "segunda revolução industrial", não devemos esquecer que só retrospectivamente elas são consideradas como tal. Para o século XIX, a principal inovação consistia na atualização da primeira revolução industrial, através do aperfeiçoamento da tecnologia do vapor e do ferro: o aço e as turbinas. As indústrias tecnologicamente revolucionárias, baseadas na eletricidade, na química e no motor de combustão, começaram certamente a ter um papel de destaque, em particular nas novas economias dinâmicas. Afinal de contas, Ford começou a fabricar seu modelo T em 1907. Contudo, considerando apenas a Europa, entre 1880 e 1913 foi construída a mesma quilometragem de ferrovias que na "idade da ferrovia" inicial, entre 1850 e 1880. França, Alemanha, Suíça, Suécia e Holanda aproximadamente duplicaram suas redes ferroviárias nesses anos. O último triunfo da indústria britânica, o virtual monopólio britânico da construção naval definido entre 1870 e 1913, foi conquistado por meio da exploração dos recursos da primeira revolução industrial. Não obstante, a nova revolução industrial reforçou, mais que substituiu, a antiga.


A quarta característica foi, como já vimos, uma dupla transformação da empresa capitalista: em sua estrutura e em seu modus operandi. Por um lado, houve a concentração de capital, o aumento da escala, que levou a distinção entre "empresa" e "grande empresa" (Grossindustrie, Grossbanken, grande industrie...), ao retraimento do mercado de livre concorrência e a todos os demais aspectos que, por volta de 1900, levaram os observadores a buscar em vão rótulos gerais que descrevessem o que parecia ser cabalmente uma nova fase de desenvolvimento econômico (ver próximo capítulo). Por outro lado, houve uma tentativa sistemática de racionalizar a produção e a direção das empresas aplicando "métodos científicos" não só à tecnologia, mas também à organização e aos cálculos.


A quinta característica foi uma transformação excepcional do mercado de bens de consumo: uma mudança tanto quantitativa como qualitativa. Com o aumento da população, da urbanização e da renda real, o mercado de massa, até então mais ou menos restrito à alimentação e ao vestuário, ou seja, às necessidades básicas, começou a dominar as indústrias produtoras de bens de consumo. A longo prazo, isto foi mais importante que o notável crescimento do consumo das classes ricas e favorecidas, cujo perfil de demanda não mudou de maneira acentuada. Foi o Ford modelo T, e não o Rolls-Royce, que revolucionou a indústria automobilística. Ao mesmo tempo, uma tecnologia revolucionária e o imperialismo concorreram para a criação de uma série de produtos e serviços novos para o mercado de massa – dos fogões a gás, que se multiplicaram nas cozinhas da classe operária britânica no decorrer desse período, á bicicleta, ao cinema e à modesta banana, cujo consumo era praticamente desconhecido antes de 1880. Uma de suas conseqüências mais óbvias foi a criação dos meios de comunicação de massa, que só agora merecem esse nome. Um jornal britânico atingiu pela primeira vez uma tiragem de um milhão de exemplares nos anos de 1890, e um francês por volta de 1900.


Tudo isso implicou uma transformação não apenas da produção, pelo que agora veio a ser chamado de "produção em massa", mas também da distribuição, inclusive do crédito ao consumidor (sobretudo através das vendas a prazo). Assim, a venda de chá em pacotes padronizados de ¼ de libra começou na Grã-Bretanha em 1884. Ela faria a fortuna de mais de um magnata de empórios saído das ruelas dos bairros operários das grandes cidades, como Sir Thomas Lipton, cujos iates e dinheiro conquistaram a amizade do rei Eduardo VII, monarca com notória atração por milionários pródigos. O número de filiais da Lipton passou de zero em 1870 a 500 em 1899.


O aspecto acima também se ajustava naturalmente à sexta característica da economia: o crescimento acentuado, tanto absoluto como relativo, do setor terciário da economia, tanto público como privado – trabalho em escritórios, lojas e outros serviços. Tomemos apenas o caso da Grã-Bretanha, um país que, em seu apogeu, dominara a economia mundial com uma quantidade ridiculamente reduzida de trabalho de escritórios: em 1851, havia 67 mil funcionários públicos e 91 mil empregados de comércio, numa população ativa total de cerca de 9,5 milhões de pessoas. Mas por volta de 1911, o comércio empregava quase 900 mil pessoas das quais 17% eram mulheres, e o funcionalismo público triplicara. A porcentagem da população ativa que o comércio empregava quintuplicara desde 1851. Mas adiante abordaremos a conseqüência social dessa proliferação de trabalhadores de colarinhos brancos e mãos limpas ("brancas").


A última característica da economia que destacarei aqui será a crescente convergência de política e economia, quer dizer, o papel cada vez maior do governo e do setor público, ou o que ideólogos da persuasão liberal, como o advogado A.V. Dicey, consideraram como o avanço ameaçador do "coletivismo" às custas da velha, boa e vigorosa iniciativa individual ou voluntária. Na verdade, tratava-se de um dos sintomas do retraimento da economia da livre concorrência, que fora o ideal – e até certo ponto a realidade – do capitalismo de meados do século XIX. De uma forma ou de outra, após 1875, houve um ceticismo crescente quanto a eficácia da economia de mercado autônoma e auto-regulada, a famosa "mão oculta" de Adam Smith, sem alguma ajuda do Estado e da autoridade pública. A mão estava se tornando visível das mais variadas maneiras.


Por um lado, como veremos no capítulo 4, a democratização da política forçou governos muitas vezes relutantes e inquietos a enveredarem pelo caminho de políticas de reforma e bem-estar sociais, bem como de ação política na defesa dos interesses econômicos de certos grupos de eleitores, como o protecionismo e – de certa forma com menos eficácia – medidas contra a concentração econômica, como nos EUA e na Alemanha. Por outro lado, ocorreu a fusão da rivalidade política entre os Estados com a concorrência econômica entre grupos nacionais de empresários, o que contribuiu – como veremos – tanto para o fenômeno do imperialismo como para a gênese da Primeira Guerra Mundial. Levaram também, a propósito, ao crescimento de indústrias em que, como na indústria bélica, o papel do governo era decisivo.


Contudo, embora o papel estratégico do setor público pudesse ser crucial, seu peso real na economia permaneceu modesto. Apesar da proliferação dos exemplos em contrário – como a aquisição pelo governo britânico de uma participação na indústria petrolífera do Oriente Médio e seu controle da nova telegrafia sem fio, ambos significativos do ponto de vista militar; a sua indústria; e, acima de tudo, a política sistemática de industrialização do governo russo a partir dos anos de 1890 – os governos e a opinião pública encaravam o setor público apenas como uma espécie de complemento menor à economia privada, mesmo em se considerando o crescimento acentuado da administração pública (sobretudo municipal) na Europa, na área do serviço direto como na das empresas de utilidade pública. Os socialistas não partilhavam dessa crença na supremacia do setor privado, embora dessem pouca ou nenhuma atenção aos problemas de uma economia socializada. Talvez possam ter considerado essas iniciativas municipais como um "socialismo municipalista", mas a maiorias delas se devia a autoridades sem intenções, nem mesmo simpatias, socialistas. As economias modernas amplamente controladas, organizadas e dominadas pelo Estado foram produto da Primeira Guerra Mundial. Entre 1875 e 1914, a parcela dos crescentes produtos nacionais que os gastos públicos consumiam na maioria dos países líderes tendeu a se reduzir: e isto apesar do acentuado aumento dos gastos com os preparativos para a guerra.


Esses foram os rumos do crescimento e da transformação do mundo "desenvolvido". Contudo, o que mais forte impacto causava nas pessoas do mundo "desenvolvido" e industrial à época era mais até que a evidente transformação de suas economias, seu ainda mais evidente êxito. Vivia-se, obviamente, num tempo de prosperidade. Até as massas trabalhadoras se beneficiaram com essa expansão, ao menos na medida em que a economia industrial de 1875-1914 era predominantemente do tipo mão-de-obra intensiva e sua oferta de trabalho não especializado, ou de aprendizado rápido, para homens e mulheres que afluíam à cidade e à industria parecia quase ilimitada. Foi isso que permitiu que os europeus que emigraram para os EUA se adaptassem a um mundo industrial. Contudo, embora a economia fornecesse trabalho, ainda propiciava mais que um alívio modesto, às vezes mínimo, a miséria que a maioria dos trabalhadores encarou, no transcurso da maior parte da história, como seu destino. Na mitologia retrospectiva das classes operárias, as décadas que precederam 1914 não figuram como uma idade de ouro, como no caso dos europeus ricos ou mesmo da mais modesta classe média. Para estes a belle époque foi de fato o paraíso que seria perdido após 1914. Para os homens de negócio e os governos posteriores à guerra, 1913 seria o ponto de referência permanente, ao qual eles aspiravam retornar, deixando para trás uma era problemática. Vistos dos nublados e conturbados anos do pós-guerra, os momentos excepcionais do último boom anterior a ela faziam figura de ensolarada "normalidade", a que ambos aspiravam retornar. Em vão. Pois, como veremos, as mesmas tendências da economia pré 1914, que tornaram a era tão dourada para as classes médias, empurraram-na à guerra mundial, à revolução e aos distúrbios, excluindo a hipótese de uma volta ao paraíso perdido.




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