quinta-feira, 23 de julho de 2009

Helen Keller

A Experiência De Helen Keller

No desenvolvimento mental do espírito, é evidente a transição de uma forma a outra – de uma atitude meramente prática a uma atitude simbólica. Todavia, este passo é resultado de um processo lento e contínuo. Não é fácil distinguir as etapas individuais deste complicado processo pelos métodos usuais da observação psicológica. Existe, porém, outro caminho de se obter plena visão do caráter geral e da extraodinária importância dessa transição. A própria natureza, por assim dizer, realizou uma experiência capaz de projetar luz inesperada sobre o assunto em questão. Temos os casos clássicos de Laura Bridgman e Helen Keller, duas crianças cegas e surdas-mudas, que, por meio de métodos especiais, aprenderam a falar. Embora estes casos sejam bem conhecidos e tenham sido tratados com frequência na literatura psicológica, vejo importância em recordá-los mais uma vez por encerrarem, talvez, a melhor ilustração do problema geral de que nos ocupamos. A Sra. Sullivan, professora de Helen Keller, registrou a data exata em que a criança realmente principiou a compreender o sentido da linguagem humana. Cito-lhes as próprias palavras:

"Preciso escrever-lhes uma linha hoje cedo porque algo muito importante aconteceu. Helen deu o segundo grande passo em sua educação. Aprendeu que tudo tem um nome, e que o alfabeto manual é a chave de tudo o que ela deseja saber.

...Hoje cedo, enquanto se lavava, ela quis saber o nome correspondente a "água". Quando quer saber o nome de alguma coisa,ela aponta para essa coisa e dá umas palmadinhas na minha mão. Soletrei "á-g-u-a" e não pensei mais no assunto até depois do café... (mais tarde) fomos à casa da bomba, e fiz que Helen segurasse sua caneca debaixo da bica, enquanto eu bombeava. Ao jorrar a água fria, enchendo a caneca, escrevi "a-g-u-a" na mão aberta de Helen. A palavra, que se juntava à sensação de água fria que lhe escorria pela mão, pareceu sobressaltá-la. Deixou cair a caneca e quedou como que paralisada. Nova luz iluminou-lhe o rosto. Soletrou "água" várias vezes. A seguir, inclinou-se até o solo e perguntou-lhe o nome, apontando para a bomba e o caramanchão e, voltando-se de repente, perguntou o meu nome. Soletrei "professora". Durante a volta para casa mostrou-se excitadíssima, e aprendendo o nome de todo o objeto que tocava, de modo que, em poucas horas, havia acrescentado trinta palavras novas ao seu vocabulário. Na manhã seguinte, levantou-se como uma fada radiosa. Adajou de um objeto a outro, perguntando o nome de tudo e beijando-me alegremente. Tudo agora precisa ter um nome. Aonde quer que vamos, pergunta, ansiosa, os nomes das coisas que não aprendeu em casa. Espera, sôfrega, que os amigos soletrem e vive aflita por ensinar as letras a todas as pessoas que encontra. Abandona os sinais e a pantomina que antes empregava, uma vez que dispõe de palavras para substituí-los, e a aquisição de uma palavra nova lhe proporciona o mais intenso prazer. E notamos que seu rosto se torna cada dia mais expressivo."

O passo decisivo que leva do uso de sinais e pantominas ao uso de palavras, isto é, de símbolo, não poderia ser descrito de maneira mais notável.

( Ernest Cassirer, Antropologia filosófica, p. 62-64.)

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