sábado, 5 de fevereiro de 2011

As Classes Populares Revolução Industrial Britânica Emergência e Consolidação do Operariado

Artigo
As Classes Populares
Revolução Industrial Britânica
Emergência e Consolidação do Operariado
Autor: François Bédarida
As Classes Populares

Descendo a escala social, chegamos às ordens inferiores. Aqui se encontrava a massa da população, visto que as ordens inferiores constituíam cerca de cinco-sextos do país, de fato, a totalidade da força de trabalho. Neste ponto, acima de tudo, o vocabulário contemporâneo com as suas variantes e variações revelam inconscientemente o conceito correto de ordem social. Assim, enquanto algumas expressões bastante utilizadas antes de 1850 estavam em declínio tais como as classes trabalhadoras e, acima de tudo, os pobres trabalhadores outras como a de povo trabalhador, tiveram uma vida duradoura. Entre os próprios trabalhadores, o termo trabalhador que era cada vez mais adotado. No entanto, a palavra mais do agrado das classes superiores, entre aproximadamente 1850 e 1890, era artesão, seguramente devido a falsa sugestão de independência que continha (embora, curiosamente, fosse um termo mais aplicado aos assalariados do que aos trabalhadores, por conta própria no sentido estrito do termo). Nos distritos industriais continuavam a usar uma palavra mais expressiva para designar os proletários que sobreviviam unicamente pelo seu trabalho. Chamavam-lhes hands.
No decurso deste período, a questão social, o movimento da classe operária e, de uma maneira geral, toda a natureza do mundo do trabalho estava dominada por quatro grandes problemas, que separadamente ou em conjunto deram origem a vivo debate:
1. Será que as estruturas econômicas da Inglaterra desse tempo e a composição do mundo do trabalho nos permitem englobar este último no termo genérico de proletariado? Ou será mais apropriado utilizar o rótulo tradicional mas englobante de povo?

2. Tinha a classe trabalhadora, no sentido estrito do termo, a unidade básica resultante de características comuns, ou será que os seus vários componentes a dividiam em elementos heterogêneos, para não dizer antagônicos?

3. A evolução do nível de vida tendeu para a pauperização ou para o progresso?

4. Teria havido, no terceiro quartel do século, um processo de aburguesamento, envolvendo uma rendição aos valores burgueses e à ordem capitalista?

Podemos, por conseguinte, ver por detrás destas questões todo o problema da aristocracia do trabalho, do seu lugar na hierarquia social e do seu papel no movimento laboral.
Primeiro que tudo, devemos evitar à idéia errada da Inglaterra de meados do século XIX. Na verdade, houvera avanço econômico, mas não devemos representar a Inglaterra como domínio quase exclusivo de uma vasta indústria concentrada, pois existia uma mistura híbrida de arcaísmo e modernismos. Lado a lado com atividades altamente mecanizadas, continuavam a existir vários tipos de produção pré-industrial. Isto evidenciava-se na sociedade pela presença de uma massa de pequenos produtores independentes, artesãos artífices, jornaleiros e trabalhadores domésticos, enquanto os mestres de obras e trabalhadores à peça, longe de terem sido eliminados pela industrialização, encontravam novas oportunidades para as suas energias e ocupações. Além disso, o trabalho manual era ainda mais comum que o trabalho mecanizado – no recenseamento de 1851, a Grã-Bretanha possuía mais sapateiros que mineiros. Do total dos 5 milhões de trabalhadores fabris e nas atividades mecanizadas eram menos de 2 milhões. A juntar a isto, a comercialização da maioria do artesanato não estava separada da manufatura. A oficina era o local onde os objetos eram feitos e vendidos. Deve-se ter em mente outro fator importante. Dois grandes grupos, que continham em 1851 metade dos trabalhadores da indústria e dos transportes, deviam ser incluídos nas classes trabalhadoras apesar de as aparências os separarem do proletariado industrial. Eram os criados domésticos (que eram tão numerosos como a totalidade dos operários têxteis, isto é, 1.300.000) e os trabalhadores agrícolas, que constituíam o proletariado rural – uma categoria cujos membros eram numerosos, embora estivessem largamente dispersos.

É claro que a indústria em larga escala fez constantes progressos. Em 1871, um inquérito oficial registrou um crescimento significativo da concentração: uma média de 570 trabalhadores na construção naval, 209 no ferro e no aço, 180 na fiação do algodão e 71 nas meias. De fato, nos têxteis, o sistema doméstico moribundo estava a dar lugar ao sistema fabril, e a maioria dos tecelões manuais e os hands-loom­ desapareceram ao mesmo tempo em que o Cartismo. Por outro lado, existia um aumento rápido do número de mineiros, celebrando na canção de Auguste Barbier, um poeta romântico menor:

“Somos os mineiros da rica Inglaterra;
“Vivemos como toupeiras seiscentos pés abaixo do chão...”

Havia 216.000 mineiros em 1851, ao passo que em 1881 eles já eram 495.000. No entanto, mesmo onde o crescimento da tecnologia moderna era mais rápido, isto é, na metalurgia e na mecânica, as pequenas oficinas continuavam a prosperar, nomeadamente nas áreas de Sheffield e de Birmingham. Altamente especializada, estavam perfeitamente adaptadas às necessidades de uma produção diversificada, trabalhando freqüentemente por encomenda, e continuaram a existir até depois da Primeira Guerra Mundial. O resultado foi que em 1871 600.000 trabalhadores metalúrgicos encontravam-se espalhados por 180.000 estabelecimentos. Outro exemplo era a indústria de construção (450.000 trabalhadores em 1851), um setor que resistiu sempre muito vigorosamente à concentração e à mecanização. Neste setor predominaram sempre técnicas e relações laborais tradicionais. Os empresários muito pequenos ou os mestres de obras trabalhando em locais singulares, foram sempre em maior número do que os grandes construtores. É verdade que no negócio da construção, como em muitos outros setores de atividade, com os de mobiliário, carpintaria e calçado, para tentar a sorte e procurar estabelecer-se por conta própria era necessário apenas um pequeno investimento, de algumas libras de poupança. Para além disso, os subcontratos eram comuns, favorecendo as pequenas firmas independentes. Os trabalhadores domésticos tentavam aqui e ali preservar a sua autonomia, enquanto abundavam oficinas de trabalho explorado. Estas últimas prejudicavam principalmente a indústria de vestuário, especialmente os alfaiates, e o negócio da moda, do emprego de mão-de-obra feminina, aumentava constantemente (dois-terços em 1881 em oposição a menos de metade em 1851). Finalmente, nas ordens inferiores, existiam, quer nas cidades em expansão, quer em cidades tradicionais adormecidas, uma multidão heterogênea de pessoas que viviam de múltiplas ocupações. Algumas trabalhavam com o seu próprio transporte e comércio (carroceiros, carreteiros, leiteiros, vendedores de fruta e etc.) outros desempenham pequenos serviços, permanentes ou casuais, nas ruas (varredores, limpadores de chaminés, vendedores ambulantes, músicos de rua e etc.) enquanto outros preferiam procurar a aventura como soldados ou marinheiros...

O quadro do emprego e do negócio que emerge, é um vasto mosaico de atividades, no qual uma complexa rede de hierarquias do trabalho se renovava constantemente, à medida que as novas técnicas e os novos métodos de produção se desenvolviam. Os modernos setores da alta concentração alternavam com outros, nos quais a tradição combinada com o desejo de independência, tentava resistir com sucesso variável ao avanço do capital e dos grandes negócios. Concluímos que agrupar sob o título de proletariado grupos sociais tão variados como operários fabris, artesãos e artífices, pequenos empresários, comerciantes, subcontratantes, trabalhadores agrícolas e criados domésticos, conduz a uma excessiva simplificação que resulta pouco esclarecedora. Sem dúvida todas estas categorias tinham certas coisas em comum: a mesma dependência face aos possuidores do capital, a mesma insegurança, os mesmo rendimentos baixos; mas diferiam tanto em outros aspectos – estilo de vida, relação com o patronato, atividades de lazer, cultura, vida familiar, relações de vizinhança, da atual experiência quotidiana do povo nas cidades e nas aldeias e alimenta-se das tradições políticas do mundo do trabalho. Pois a ideologia dominante entre os trabalhadores, isto é, o radicalismo sempre quis unir as forças do povo na luta contra os exploradores e os parasitas. Este povo, eram os assalariados, artesãos, comerciantes, pequenos empresários e elementos progressivos das classes médias. Daí que a consciência da classe operária continuasse a ser, acima de tudo uma consciência democrática, que era mais política que econômica e estava imbuída de numerosas características da alma popular.

Se considerarmos agora a estrutura interna da classe trabalhadora, um fato fundamental salta à vista – a separação dos trabalhadores em dois níveis, distintos pelas suas qualificações, rendimentos e estatuto social. No nível superior da hierarquia, encontravam-se os trabalhadores especializados que tinham passado por uma longa aprendizagem. Ocupavam uma posição chave na produção devido às suas habilitações técnicas. Estavam imbuídos da dignidade que acompanha uma profissão e as suas ferramentas. Como controlavam a entrada nas suas profissões em moldes fechados, estavam em posição de exercer uma pressão contínua sobre os patrões, que evocando práticas de trabalho tradicional, que pela formação de associações. Foram de fato, o elemento chave na formação dos sindicatos. No nível inferior, a massa dos trabalhadores não especializados formava um vasto exército de reserva do trabalho, recebido conforme as circunstâncias o exigiam, quer para apoiar os trabalhadores especializados, quer para participar em atividades que requeriam força física (por exemplo, como marinheiros ou estivadores) ou simplesmente como exemplo de homens contratados por baixo salário. No entanto, lado a lado com os tipos mais comuns da atividade econômica, onde existia esta divisão nítida entre especializados e não especializados, existiam outros, como a indústria dos têxteis e do vestuário, as minas e a indústria alimentar, onde uma categoria intermédia se desenvolveu – os trabalhadores semiespecializados que estavam geralmente encarregados de uma máquina. Existiam mulheres neste grupo. Esta ocupação mista não pode ser explicada simplesmente pela coexistência das antigas estruturas artesanais e dos efeitos da Primeira Revolução Industrial. Era essencialmente o resultado de técnicas de produção que prevaleceram até a Primeira Guerra Mundial. Daí que se encontre uma organização de trabalho que variava muito pouco e onde havia uma divisão de tarefas e de recompensas estrita e relativamente estável.

Contudo, a divisão técnica entre trabalhadores especializados e não especializados tornou-se rapidamente um divisão social e psicológica. De um universo para o outro, afirmava Mayhew, “a transformação moral e intelectual era tão grande que parecia que estávamos que parecia que estávamos numa nova terra e entre uma nova raça”. Thomas Wright, “o jornaleiro mecânico”, autor de vários livros sobre o mundo do trabalho, fala do fosso entre o artífice e o trabalhador, que resulta numa atitude de superioridade pouco favorável à solidariedade proletária: “Enquanto o primeiro se melindra com a atitude de desprezo que acredita terem em relação a eles, os que trabalham em ocupações elegantes, ele, por sua vez olha com desprezo o trabalhador indiferenciado. O credo do artesão em relação aos trabalhadores indiferenciados é que estes constituem uma classe inferior, a quem se deveria lembrar o seu lugar para que nele permanecessem. As escalas de pagamento mostram perfeitamente estas diferenças. Não só o fosso existente entre os grupos salariais era considerável (o salário do trabalhador não especializado e o salário do semi-especializado correspondia a dois terços do mesmo) mas o diferencial tendeu a tornar-se mais pronunciado entre 1850 e 1890. Dudley Baxter calculou em 1867 que um sétimo dos trabalhadores recebiam um quarto da remuneração total. O fosso não era menor nos domínios da cultura e da organização. Um trabalhador especializado que ganha entre 80 e 90 libras por ano (comparação com um trabalhador não especializado, que ganhava de 40 a 50 libras) estava em posição de ter alguma educação, ler regularmente um jornal, juntar-se a uma Sociedade de Socorros Mútuos, tudo o que poderia parecer inatingível a um trabalhador indiferenciado. Na verdade, para alguns observadores, a definição de trabalhador não especializado era aquele que não pertencia a um sindicato. Como era fácil, pois, ao trabalhador elevado por um estatuto respeitável e pela maneira como era tratado pelo patrão fazer sentir a sua superioridade! Assim como para o estrato superior dos capatazes, supervisores, chefes de grupo (3% - 4% da força de trabalho na indústria) que estavam na fronteira da classe média baixa...

Ao calcular o tamanho das diversas categorias da hierarquia laboral podemos estimar que as proporções eram aproximadamente de 15% para os trabalhadores altamente especializados, 45% para os trabalhadores não especializados e 40% para as zonas intermediárias (começando por qualificações médias e descendo gradualmente até à modesta qualificação dos trabalhadores semi-especializados) Era o primeiro destes estratos que formava essencialmente a aristocracia do trabalho ou cerca de um oitavo da força de trabalho na indústria. Era, sem dúvida, uma categoria privilegiada e o seu papel fez correr muitos rios de tinta. Os seus representantes podiam encontrar-se acima de tudo nas indústrias mecânicas, na construção civil, no artesanato tradicional e, ocasionalmente, nas fábricas têxteis, nas minas, indústrias químicas e nos transportes. Uma das contradições mais importantes da aristocracia do trabalho era que tinha o cuidado de se distinguir profissionalmente e socialmente dos outros trabalhadores, ao passo que politicamente tendia a apresentar-se como porta-voz da totalidade do mundo do trabalho.
Face a tudo isto, podemos afirmar que existia uma classe operária, ou que havia simplesmente a justaposição de vários estratos, tocando-se entre si, mas autônomos? Obviamente o problema consiste em medir a profundidade alcançada por estas divisões. Para alguns historiadores, a solidariedade operária sobreviveu a todas as divisões horizontais; assim segundo Hobsbawn, já existia um verdadeiro proletariado na Inglaterra por volta de 1840-1850. Pelling afirma que, pelo contrário, até ao fim do século XIX não apareceu uma classe operária homogênea. Outros propuseram ligar os trabalhadores especializados. Na nossa opinião, contudo, estava a fazer uma análise mais profunda das forças existentes na sociedade inglesa, quando escrevia que a fratura rela na hierarquia das classes ocorria entre os mais baixos das classes proprietárias e os mais altos das classes não proprietárias. Por esta distinção o mundo dos trabalhadores manuais encontra uma unidade fundamental que tende a perder-se de vista num estudo detalhado da sua complicada hierarquia interna.

O quadro das condições da classe operária foi pintado tão freqüentemente que pode parecer supérfluo ponderá-lo. Vamos apenas recordar alguns traços essenciais. Primeiro que tudo, as longas horas de trabalho. Os Factory Acts de 1847-1850 limitavam a semana de trabalho a 60 horas, mas aplicavam-se apenas à indústria têxtil e a média, para a maioria, situava-se à volta das 64 horas. Nas fábricas a regra geral era o trabalho das 6 às 18 horas e nas lojas das 8 às 20 horas, com hora e meia para a refeição, isto pelo menos até 1874, altura em que foi adotado o princípio das 56 horas e meia por semana (ou 10 horas por dia). Após 1850, a tarde do sábado tornou-se regra geral, o trabalho parava ao sábado as 14 horas. O movimento, a favor das 9 horas diárias iniciado por volta de 1871-1872, teve sucesso nas indústrias metalúrgica e de construção. Por outro lado, a habitação da classe operária era freqüentemente pequena, superlotada e insalubre, havia que sofrer o desconforto a promiscuidade e a brutalidade. Acima de tudo, a vida do trabalhador era inteiramente dominada por um profundo sentimento de insegurança, de tal forma ele estava a mercê do mercado e do seu ciclo. Cada trabalhador encontrava emprego de acordo com a procura flutuante de trabalho. Uma crise, uma queda na procura, uma falência, eram suficientes para mergulhar distritos inteiros no desemprego e em profunda miséria. Por exemplo, em plena era de prosperidade vitoriana, a fome do algodão de Lancashire, no tempo da guerra civil americana, ou a depressão de 1867-1868 deram origem ao ano nefasto de 1879, o pior desta metade de século. Sem segurança social de qualquer espécie, as famílias da classe operária estavam a mercê da eventualidade de um desastre de qualquer tipo – um acidente, uma doença ou alguma inovação tecnológica. De fato, a vida quotidiana era tão precária (em tempos normais apenas se agüentavam) que o mínimo acidente arrastava uma família rapidamente para a desgraça. Com uma queda ou duas encontravam-se mergulhadas no abismo da miséria.

Em relação aos salários, os patrões seguiam geralmente os ensinamentos dos economistas clássicos, isto é, a remuneração acertava-se ao nível mais baixo, compatível com a sobrevivência do trabalhador e da família. Em média, o rendimento familiar da classe operária atribuía 60% do seu orçamento à comida, 20% ao alojamento (renda, aquecimento e luz) e 10% ao vestuário. Ficavam somente 10% para todas as outras necessidades – ou seja 2 xelins por semana para um trabalhador que ganhasse 1 libra por semana, um salário muito comum. O orçamento familiar médio montava a 30 xelins por semana ou cerca de 75 libras por ano. De fato, tendo em conta as diferenças, o rendimento real era, em média, de 85 a 90 libras para um rendimento familiar especializado, de 70 libras para um trabalhador semi-especilizado e de 45 a 50 libras para um não especializado. Conseqüentemente, havia nos bairros da classe operária uma loja sempre florescente, a casa de penhores. Todas as segundas-feiras, as donas de casa vinham ai depositar roupas, bugigangas ou utensílios domésticos e levantavam-no sábado seguinte, após o dia de pagamento. Em Liverpool, 60% dos objetos penhorados valiam menos de 5 xelins. A classe operária exibia no aspecto físico e na saúde, os efeitos da má nutrição e da falta de higiene. A média da altura dos rapazes pobres nas escolas industriais, entre os 11 e os 12 anos, estava 12 cm abaixo da dos rapazes ricos da public school.
No entanto, o que talvez contribuísse mais do que qualquer outra coisa para o desespero e a resignação das classes baixas era a monotonia, a brutalidade, o sentimento de que era impossível sair desta prisão. As pessoas afortunadas eram as que podiam olhar a desigualdade simplesmente como a ordem natural das coisas – para eles qualquer pessoa tinha de se resignar. “A sina de comer, beber, trabalhar e morrer é a soma total da vida humana”, declara Sir James Graham, o braço de direito de Peel na Câmara dos Comuns. Estes pontos de vista estavam de tal modo difundidos que eram lugares comuns, mesmo entre as classes baixas, onde muitos decidiam resignar-se com a sua sorte.

Foi esta a existência proletária que Dickens imortalizou em Hard Times (1854) com a sua descrição de Coketown, arquétipo da cidade industrial, um montão de fealdade cinzenta e de monotonia sem fim, onde uma escuridão não deixava lugar à esperança:
Era uma cidade de maquinaria e altas chaminés, das quais saíam intermináveis serpentes de fumo que trepavam para sempre e sempre, sem nunca se desenrolarem. Tinha um canal negro e um rio roxo de tinta fétida, enormes pilhas de edifícios cheios de janelas, onde havia barulho e tremor durante todo o dia, e onde os pistões das máquinas a vapor trabalhavam monotonamente, para cima e para baixo, como a cabeça de um elefante em estado de demência melancólica. Continha várias ruas largas, todas muito parecidas umas com as outras, habitadas por pessoas iguais umas as outras, que entravam e saiam todas as mesmas horas, com o mesmo som do mesmo pavimento, a fazer o mesmo trabalho, e para quem cada dia era igual ao anterior e ao seguinte e cada ano a cópia do passado e do próximo”.

Existia uma outra categoria da classe trabalhadora No extremo oposto a esta uniformidade, os criados, que constituíam um oitavo da população ativa em 1881, sendo 90% destes, mulheres. O seu destino variava consideravelmente. Alguns eram bem tratados e acabam por ficar ligados à família para quem trabalhavam, mas para muitos outros a situação era pouco invejável. Eram na sua maioria raparigas, por vezes bastante novas freqüentemente mal pagas e obrigadas a trabalhar demasiadamente. Tinham de se levantar cedo, acender as lareiras, limpar, esfregar e eram constantemente repreendidas. Havia pouco tempo livre, vigilância estrita, e não eram permitidos namoros.

Quanto aos trabalhadores agrícolas, estavam muito dispersos e tinham dificuldades em estabelecer uma consciência comum. As suas condições dependiam, em grande medida, da forma como eram tratados individualmente pelos lavradores e pelos proprietários. Muitos viviam em miseráveis cabanas com condições sanitárias primitivas. Suando por um magro salário, este proletariado sem voz e sem direitos não tinha direito a voto e, recebendo pouca instrução por falta de escolas, suportava uma existência degradada em estado de submissão e dependência, mas as suas queixas subiam de tom. Joseph Arch, trabalhador agrícola e pregador Metodista laico, homem de caráter arrojado e obstinado, fundou em 1872 o Sindicato Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, que conduziu em poucos meses a uma explosão súbita de atividade sindical.

No entanto, no que diz respeito às condições da classe operária, o que há de importante a descobrir são as tendências de desenvolvimento. Em que direção se moviam as condições sociais? Estavam a melhorar? Idéias pessimistas sobre a pauperização da classe operária foram contrapostos à idéia (geralmente aceita pelos contemporâneos) que postulavam um progresso nacional no qual a classe trabalhadora tinha a parte que lhe era devida. Os advogados desta teoria apontam a subida dos salários, o crescimento do consumo alimentar e dos depósitos bancários das poupanças, o avanço das Sociedades Socorro Mútuos e de Temperança, o desenvolvimento da leitura e da educação – todos sinais seguros de um aumento do bem estar material. Disto é exemplo o quadro familiar do sólido trabalhador, bem sucedido, ostentando a sua gravata e um relógio de ouro desportivo na algibeira do colete, apreciando o seu rosbife e a sua cerveja diária, capaz de ir de vez em quando passar o dia na praia.

Embora o quadro tenha alguns elementos de verdade, todo este otimismo parece um pouco suspeito e pode ser resultado da vontade deliberada, numa época de euforia e de alta confiança, de olhar o mundo através de óculos cor-de-rosa. Não é sempre reconfortante convercermo-nos de que não somos os únicos a enriquecer? Assim, devem ser tomadas em conta três considerações que modificam consideravelmente as visões tradicionais. Primeiramente, em relação ao nível de vida, os estudos sobre o movimento dos salários reais demonstram, apesar de algumas divergências entre as estatísticas, que os rendimentos pouco progrediram na década de 1850. Apenas começam a subir a cerca de 1863 e durante dez anos, houve uma fase de crescimento rápido, tanto que um trabalhador num emprego estável (condição indispensável) viu o seu poder de compra subir de 20% a 30% entre 1855 e 1875. Em segundo lugar, havia diferenças entre categorias de empregados e estes cálculos aplicavam-se, acima de tudo, à camada superior da força de trabalho. De fato, os operários especializados, aproveitando a sua relativa escassez em número e a sua capacidade de utilizar a arma sindical, que era sobretudo o seu domínio, conseguiram elevar o preço do seu trabalho, embora permanecessem vulneráveis às mudanças e às oportunidades da sua situação. Um período de depressão podia facilmente alterar a tendência altista. Por outros lado, para os trabalhadores não especializados, a melhoria parece ter sido menos obvia, se é que existiu de todo. Por exemplo, estudos recentes levados a cabo sobre as condições sociais em Lancashire tendem a mostrar que a sorte dos não especializados e dos semi-especializados pouco mudou. Onde houve alguma avanço, este parece ter sido limitado, disperso e frágil e muitos setores da sociedade não foram virtualmente afetados. Finalmente os números relativos à distribuição do rendimento mostram que os trabalhadores tiraram menos proveito do aumento geral da riqueza do que os ricos. De acordo com Bowly, a proporção dos salários no rendimento nacional caiu, entre 1860 e 1880 de 47 para 42% - números que também foram apresentados pelo The Economist da altura. Por outras palavras, o rendimento do capital, sob a forma de dividendos e lucros, obteve uma parte mais importante do que anteriormente até 1880. Depois disto aconteceu o oposto até o final do século.
Estas reservas tornam o quadro menos favorável aos trabalhadores que o pretendido pelo otimismo tendencioso. É certamente errado falar de pauperização, mas também não se pode concluir que houve uma melhoria geral, sem quebras, para os trabalhadores, correspondente ao boom da economia. Por outro lado, é correto dizer que as classes mais baixas se beneficiaram diretamente do melhoramento geral. Geoffrey Best salientou corretamente a proporção crescente de empregos mais bem remunerados para operários qualificados, a redução em longo prazo da duração da semana de trabalho e o progresso da educação. Podemos acrescentar o estabelecimento de férias pelo Bank Holiday Act de 1871, a redução do adulteramento de comida nas lojas, e mais ainda o desenvolvimento das infra-estruturas, higiene, bibliotecas, escolas dominicais. Finalmente, as próprias restrições do puritanismo e da respeitabilidade desempenharam um papel positivo na luta contra o alcoolismo e insistiram numa limpeza maior, nem que fosse para se parecerem com a gente fina. Uma cultura mais moralizante e uniforme estava certamente a impor-se às antigas formas sólidas da cultura popular, mas adaptava-se melhor a uma civilização industrial. No entanto as camadas mais baixas do proletariado no seu conjunto não partilhavam deste processo e continuavam acorrentadas à sua degradação. Para aproveitar este melhoramento era necessário ter um nível de cultura e um padrão de vida que negado aos pobres. Os principais recursos dos pobres eram os freqüentemente humilhantes donativos da caridade privada. Centenas de milhares de libras eram distribuídas todos os meses por organismos de caridade, sob a forma de dinheiro, sopa dos pobres, roupas e etc... aqueles que eram chamados com desprezo o resíduo ou pobres pouco merecedores em oposição aos pobres merecedores. Por outro lado, havia a Poor Law que permitia ao indigente pagar o preço da sua pobreza em casas de trabalho horríveis, mesmo que o grau de desumanidade variasse de um estabelecimento para o outro. Foi calculado que a caridade em Londres, isto é, as fundações de caridade da capital combinadas, pagaram 2.440.000 libras no decurso de 1861, enquanto a despesa da Poor Law na área metropolitana montou apenas a uma média de 1.425.000 libras por ano. Assim, percorrendo esta massa de rejeitados e marginais – vagabundos e desempregados, trabalhadores ocasionais, falidos, mendigos, pedintes, imigrantes irlandeses, que eram ridicularizados e desprezados, ex-condenados – chegava-se ao extremo do submundo.
Sindicalismo e Integração Social.

Desde que os Webbs usaram a expressão sindicalismo de novo modelo para descrever o movimento laboral nos anos de 1851-1875, este último tem sido geralmente interpretado como uma reação contra as reivindicações violentas e semi-revolucionárias do período precedente. Em vez de esperanças ilimitadas, era agora predominante de acordo com esta tese, um espírito de moderação e de prudência baseado em táticas que era respeitador e respeitável, aceitando os valores morais pregados pela burguesia com vista a melhorar a sorte dos trabalhadores. As palavras de ordem eram o trabalho, o bem-estar e o individualismo. Em breve existiriam sindicatos razoáveis que preferiram uma colaboração com classes festeis a uma confrontação estéril e nociva. Esta mudança de clima deveu-se principalmente a aristocracia do trabalho, que sabia como melhorar o seu nível de vida, como obter educação e adquirir um gosto pela auto-ajuda, tudo ao mesmo tempo. De fato, durante o último quartel do século, escrevia o economista ortodoxo Leone Levi, “os estratos mais elevados das classes trabalhadoras tiveram de exercer influência na elevação de todos os setores do trabalho britânico”. E em 1869 o Conde de Paris dedicou um livro a Les Associations Ouvrières em Angleterre, onde exaltava a seriedade e a ponderação dos trabalhadores britânicos, tão diferentes dos seus camaradas franceses, que estavam sempre prontos a adotar idéias revolucionárias. Se havia um tal sentimento de segurança nas classes superiores, não será isto prova suficiente de que o processo de integração material e psicológica estava em curso no mundo do trabalho, conduzindo quase à sua absorção pela classe média?

De fato, podemos mesmo questionar seriamente se o quadro depois de 1850 se alterou tão completamente e se o movimento operário virou uma página. Em particular, será que o sindicalismo se tornou tão diferente após a formação da Amalgamated Society of Engineers em 1851, habitualmente considerada como ponto de partida para o novo modelo? Não há dúvida de que algumas ambições fundamentais de emancipação operária foram alterados, mas não deveríamos distinguir entre a aparência e a realidade? Contudo os apoiantes da interpretação firmemente entrincheirados nas suas posições, têm uma impressionante coleção de fatos para apoiar a sua tese.

Primeiramente, é inegável que pouco restava das suas grandes forças que tinham animado o movimento operário no segundo quartel do século – por um lado, o Owenismo e o socialismo cooperativo, e por outro, o Cartismo. A agitação cartista se certamente não morreu com o ano de 1848, como freqüentemente se tem dito, mas manteve uma certa vitalidade por mais dez anos, estava limitada a grupos dispersos e era um mero resíduo flutuando n maré baixa das grandes aspirações. Quanto às idéias socialistas, passaram por um eclipse quase total, exceto numa forma diluída do socialismo cristão, e mesmo aí estavam confinadas a alguns setores da classe média. Evitando sonhos heróicos e utopias visionárias, o movimento cooperativo, as Sociedades de Socorro Mútuos e o Sindicalismo.

Na esteira dos Equitable Pioneers of Rochdale (1844) as cooperativas multiplicaram-se rapidamente. Em 1870, existiam 927 sucursais e 300.000 membros e os seus rendimentos totais eram de quase 10 milhões de libras. Mas o espírito dos cooperativistas nada tinha do fervor messiânico do passado. Tornara-se numa questão de gestão de contabilidade e de individualismo. Como o jornal The Cooperator esclarecia, não se pretendia pôr fim a todas as desigualdades da sociedade – apenas se queria reduzir a exploração dos trabalhadores.O presidente do movimento assegura que “a cooperação pretendia unir os meios, as energias e o talento de todos, para benefício de todos, através de um laço comum, o do interesse próprio”.

Todavia, o idealismo não tinha desaparecido, eram simplesmente os valores que tinham mudado. Em vez de pensar em derrubar as estruturas da sociedade, os membros do movimento cooperativo aceitavam-nas tais como eram, desde que pudessem melhorá-las radicalmente e pacientemente. “já estamos fartos do espetáculo ridículo do socialismo utópico... Não o desejamos. Que a cooperação inculque apenas sentimentos de gratidão a Deus, lealdade ao nosso soberano, o amor ao nosso país e a boa vontade para humanidade”.

Por seu lado, as Sociedades de Socorros Mútuos faziam progressos. Não se tratava, de fato de um fenômeno novo, mas de uma das instituições de trabalho mais antigas. Em 1815 já tinham várias centenas de milhares de membros e, por volta de 1850, provavelmente cerca de um milhão e meio. Em 1872, o seu total era de 4 milhões, isto é quatro vezes mais do que os sindicatos e doze vezes mais do que os das sociedades cooperativas. Nascidas no espírito de entreajuda e batizadas com nomes sonantes Ancient Order of Foresters. Oll-Fellows. Druids e etc..., as Sociedades de Socorros Mútuos dedicavam-se primeiramente à proteção contra os dois grandes desastres da vida do trabalhador, os acidentes e a doença. Surgiam também de um desejo de assegurar ao trabalhador e á sua família um enterro decente, em vez da humilhação de um funeral de pedinte, e de suavizar os efeitos do desemprego, através do pagamento de uma indenização por perda do emprego. Assim, era um sistema de segurança social em miniatura, inteiramente privado e voluntário, fundado num sentido de solidariedade e num desejo de fugir à afrontosa Poor Law, preservando a independência pessoal. Nas Sociedades de Socorros Mútuos auxiliava-se e era-se auxiliado pelos amigos, dentro da classe trabalhadora.

Quanto ao sindicalismo que surgiu à luz do dia após a abolição das Combinations Laws em 1824-1825, o seu progresso apresentava altos e baixos. Os avanços dos sindicatos foi retomado após 1834-1835, quando os seus membros aparentemente excediam os 100 mil, mas o número dos membros, representado quase exclusivamente pela classe dos trabalhadores especializados, aumentava muito lentamente. Em 1868, quando o Trades Union Congress foi constituído, o total situava-se apenas à volta dos 250 mil membros. Ocorreu então um salto repentino. No espaço de cinco anos o número subiu para 735.000, para apenas descer, sob os efeitos da depressão de 1875-1880, para números entre 500 mil e os 600 mil. Este sindicalismo tinha certa características originais. Primeiramente, era acima de tudo um sindicalismo de ofício, que dentro da oficina defendia ativamente e obstinadamente os interesses dos trabalhadores, concentrando-se principalmente na defesa da qualificação e do salário e recorrendo, quando as circunstâncias o exigiam, à negociação coletiva, à arbitragem e a greve. Era também um sindicalismo com um propósito educativo. Era função do sindicato ajudar os membros a instruir-se, a desenvolver as suas capacidades e, por esse meio, a elevá-los enquanto indivíduos. Em terceiro lugar, o movimento sindical era fortemente político. Paralelamente a luta econômica empreendida contra o patronato, o trabalho era ativo na esfera do governo. Podemos distinguir três fases sucessivas. De 1861 a 1867, houve campanhas a favor do sufrágio universal, que culminaram na reforma eleitoral de 1867. De 1867 a 1875, houve a agitação a favor das leis laborais, que garantiam direitos do sindicato e liberdade de piquetagem, etc.. Depois de 1875, houve o acordo oficial entre os sindicatos e o Partido Liberal, a aliança Lib-Lab. Além disso, durante esse período o internacionalismo florescia claramente, como se pode constatar pelas campanhas de solidariedade a favor dos movimentos democráticos e da emancipação nacional da Europa, ou na constituição da Primeira Internacional, em que os sindicatos desempenharam um papel importante entre 1864 e 1871.

A ação da classe operária inclinava-se assim, para a democratização social e política, conforme à tradição radical herdada das lutas populares dos séculos XVII e XVIII e influenciada pelo Jacobinismo. Mas sofria de uma contradição, que não tem sido claramente percebida, entre a ideologia individualista dos direitos dos homens e o povo, que conduzia a uma vasta luta política contra os privilégios dos detentores do poder, e uma luta social estratégica derivada dos interesses divergentes dos assalariados e dos capitalistas, que acabou numa luta econômica contra os privilégios dos ricos. Entre os dois termos desta dialética – luta política ou luta proletária – a balança inclinava-se para a primeira. Além disso, para os radicais, uma sociedade de classes foi sempre considerada inevitável. O objetivo não era abolir as classes, mas garantir a cada indivíduo o exercício dos seus direitos e desenvolver uma sociedade de classes onde cada um pudesse ocupar o lugar que merecia. Era esta a ambição que Geroge Howell, um dos mais representativos líderes do movimento trabalhista, expressava nos seguintes termos: “Nunca defendi e nunca defenderei uma simples mudança de senhores. Não quero um regime aristocrático, nem regime das classes médias e, nem um regime das classes operárias. Quero um governo de todo o povo – onde a riqueza e o intelecto tenham a parte do poder que lhes é devido e nada mais”.

Finalmente de acordo com a época, o sindicalismo estava imbuído do espírito de moralidade. A par de uma solidariedade e lealdade forte – a própria essência da ação coletiva – os sindicalistas cultivavam as virtudes da sobriedade, da poupança e da disciplina. Tinham horror a tudo que exalasse a taberna. O Puritanismo funcionava como um ingrediente básico de respeitabilidade. A política da classe operária tornou-se menos uma questão de faca e garfo e mais uma questão de colarinho e gravata. De fato, o otimismo juntou-se ao idealismo de uma maneira bastante airosa. “As três grandes forças do desenvolvimento da humanidade”, afirmava John Mitchell “são a religião, a sobriedade e a cooperação e, como uma força comercial suportada e sustida pelas outras duas, a cooperação é a maior, a mais nobre e a mais capaz de ser bem sucedida na redenção das classes industriais”.

Em face destes argumentos, deveremos considerar como provada a tese de que o mundo do trabalho foi absorvido psicologicamente pelo universo da burguesia triunfante? O abandono de todos os objetivos revolucionários, as modestas reivindicações, a aceitação das idéias da classe média na sua versão democrática radical, serão todos eles traços inegáveis, decisivos, e acima de tudo, suficientes para reduzir o movimento laboral às dimensões de uma atitude estreita e pragmática, uma versão mais ou menos bastarda do socialismo pela liberdade, após a luta do Cartismo e antes do nascimento do Partido Trabalhista?

Qualquer que seja o juízo que se faça sobre a direção tomada pelo trabalho e sobre a sua união em torno dos princípios do capitalismo (alguns falariam de contaminação) há um ponto com o qual todos estão de acordo – o papel chave da aristocracia do trabalho. È por isto que a escola historiográfica conservadora atribui a esta classe o mérito de ter evitado os princípios revolucionários e utópicos para se concentrar numa tarefa histórica de importância primacial – lançar as bases de uma ação legal, pacífica e construtiva por parte dos sindicatos. Graças a esta jogada tem-se dito que os trabalhadores mostraram a sua capacidade de organização e de forjarem formas práticas, flexíveis e variadas de negociação com o patronato e de pressão sobre o Estado. Diz-se que o sólido senso comum de um povo com os pés bem assentes no chão prevaleceu sobre os impulsos desordenados e as declarações inflamadas habituais à linguagem da revolução. Igualmente, a escola historiográfica marxista apresentou a aristocracia do trabalho como responsável pela cessação (pelo menos temporária) da luta contra o capitalismo, acusando-a de se deixar corromper pelas migalhas dos lucros excessivos que a sua posição privilegiada lhe permitia alcançar. Daí teria nascido a conivência com o processo de exploração da classe operária e uma alienação provocada pelas doutrinas da burguesia.

Pensamos, de fato, que seria razoável modificar estas teses tradicionais através da introdução das seguintes considerações. Em primeiro lugar, a aristocracia do trabalho não merece qualquer crédito ou culpa especial. O seu papel central deriva da própria organização do sistema econômico. Numa sociedade baseada no trabalho diretamente produtivo é o operariado qualificado que detém um posição chave no circuito e, além disso, é relativamente privilegiado quanto ao rendimento e à educação e esta necessariamente na melhor posição para se opor ao capitalista. Era absolutamente natural que assumisse a liderança da atividade sindical e este fato foi conseqüência lógica da organização da indústria. Isto era um fato quando do nascimento do sindicalismo e do cartismo, e o mesmo acontecia no resto da Europa, a começar por França. Alguns dos mais intrépidos dirigentes operários foram recrutados na aristocracia do trabalho.
Em segundo lugar, devemos tomar em conta o clima dos acontecimentos em que se desenrolou a luta operária. Após o período tempestuoso de 1815-1848, em que as esperanças de um milênio podiam contar com o colapso de um sistema econômico e de uma velha classe privilegiada vacilante, já não existia motivo para acalentar as mesmas ilusões durante o terceiro quartel do século XIX, quando o capitalismo e o laisse-faire estavam triunfantes. Como era impossível vaticinar o derrube do sistema social, a estratégia do trabalho teve de se adaptar realista e efetivamente. Certamente, o cálculo não muito consciente, mas as energias da classe operária foram canalizadas de acordo com os fatos. Em vez de querer investir contra moinhos de vento, em gestos cavalheirescos mas votados ao fracasso, era preferível adaptar-se pacientemente à tática do progresso parcial. Obviamente, existia o perigo de cair do romantismo de um D. Quixote na prosa burguesa de um Sancho Pança, mas então?

No entanto, a tese do aburguesamento do movimento operário enfrenta certamente várias objeções fundamentais. Em primeiro lugar, longe de terem aceite religiosamente as leis dos economistas clássicos, como se tem pretendido, os dirigentes sindicalistas nunca deixaram de opor a vários destes dogmas – entre outros a concepção do trabalho como uma mercadoria, a teoria dos salários, o principio de uma identidade de interesses entre empregadores e empregados. É verdade que podemos citar um número de declarações dos sindicatos criticando o antagonismo de classe e a greve e pregando em seu lugar a arbitragem e a conciliação. Mas o movimento operário continua sempre a proclamar como requisitos básicos o direito ao trabalho, o direito a um nível de vida decente e um salário diário justo por justo dia de trabalho. – requisitos que todos eles contradizem a ortodoxia liberal. Além disso, os sindicalistas nunca abandonaram dois princípios como essenciais ao avanço dos interesses da classe operária: o sufrágio universal como arma decisiva para assegurar uma representação estatal e quando necessário, o recurso à greve como única forma de tornar irresistível a pressão dos trabalhadores. Mesmo Howell, símbolo da aliança do Lib-Lab, o homem de paz, reconhecia que os conflitos industriais eram inevitáveis e que as greves parecem ser parte essencial da economia do capital e do trabalho e um resultado natural e inevitável da relação agora existente entre empregadores e empregados. E, de fato, o número de greves não diminui durante o período de 1850-1880.

Em terceiro lugar (e é este sem dúvida o fator mais importante de todos), a maioria dos trabalhadores organizados mantinha uma consciência de classe e uma autonomia cultural que os impedia de pisar a linha da burguesia dominante. Toda a pressão ideológica das classes governantes não conseguia eliminar certas áreas da cultura popular. A esse respeito, mesmo as mais tranqüilas instituições da classe operária tal como as Sociedades de Socorros Mútuos e as Cooperativas estimulavam um sentido de solidariedade de classe, encorajando o espírito de companheirismo e de sociabilidade entre iguais. Uma espécie de convivência juntava estes homens, que se reconheciam como pertencentes ao mesmo mundo e ao mesmo meio. Além disso, a violência de certos conflitos sociais (freqüentemente provocados por lock-outs deliberadamente planeados pelos empresários) e o desejo abertamente anunciado por muitos patrões de quebrar os sindicatos foi suficiente para cimentar uma frente de classe que nunca desapareceu e que continua durante lutas persistentemente travadas.

Finalmente, nos inícios da década de 1870, a explosão da atividade sindical transcendeu completamente o enquadramento da organização dos artífices e passou a refletir o acordar dos trabalhadores indiferenciados que repentinamente se movimentaram e se organizaram. Já se mencionou o acordo dos trabalhadores agrícolas. Agora abarcava igualmente os estivadores, os empregados da Companhia de Gás, os ferroviários, os marinheiros, e etc... Sem dúvida, a depressão cíclica que desceu sobre a Inglaterra a partir de 1874 quebrou fortemente o impulso. No entanto, é correto considerar estes sinais de militância e combatividade operária (e neste caso era um levantamento dos não privilegiados, até agora a seção mais passiva) como uma prova de que não aderiram tanto como fora afirmado aos princípios da deferência e da paz social. Devemo-nos precaver em relação às aparências. As visões formalistas da classe trabalhadora, o chapéu que foi adotado como símbolo da respeitabilidade, a rigidez pedante de pessoas que pareciam ter engolido um guarda-chuva, não nos devem cegar em relação à realidade existente por detrás das máscaras, da independência e do espírito de luta de classe operária.

Só que tudo isto era expresso na linguagem otimista desse tempo, que escondia as grandes ambições coletivas e considerava que o progresso cumulativo dos indivíduos conduziria ao progresso da comunidade, isto é, a salvação das classes trabalhadoras.

François Bédarida. A Social History of England

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