terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A Era das Revoluções Rumo a um Mundo Industrial


A Era das Revoluções
Capítulo 9
Rumo a um Mundo Industrial


Eric Hobsbawn
Editora Paz e Terra, da página 187 à 201
"De fato, estes são tempos gloriosos para os engenheiros"
James Nasmyth, inventor do martelo a vapor


Em 1848, somente uma economia estava efetivamente industrializada – a inglesa – e conseqüentemente dominava o mundo. Provavelmente na década de 1840, os Estados Unidos e uma boa parte da Europa Ocidental e Central já tinham ultrapassado ou se encontravam na soleira da revolução industrial. Já era razoavelmente certo que os EUA seriam finalmente considerados – dentro de 20 anos, pensava Richard Codben na metade da década de 1830 – um sério competidor dos ingleses, e em torno da década de 1840, os alemães, embora talvez ninguém mais, já apontavam para o rápido avanço industrial. Mas perspectivas não são realizações, e, por volta da década de 1840, as efetivas transformações industriais do mundo que não falava a língua inglesa ainda eram modestas. Havia, por exemplo, em 1850, um total de pouco menos de 100 milhas[1] de ferrovias em toda a Espanha, Portugal, Escandinávia, Suíça e toda a península balcânica, e, tirando os Estados Unidos, menos do que isto em todos os continentes não europeus juntos. Se excluirmos a Grã-Bretanha e algumas outras partes, o mundo social e econômico da década de 1840 pode facilmente ser visto de uma maneira não muito diferente daquele de 1788. A maioria da população do mundo, então como anteriormente, era de camponeses. Em 1830, havia, afinal de contas, somente uma cidade ocidental de mais de um milhão de habitantes (Londres), uma de mais de meio milhão (Paris) e – tirando a Grã-Bretanha – somente 19 cidades européias de mais de 100 mil habitantes.

Esta lentidão de mudanças no mundo não britânico significava que seus movimentos econômicos continuaram, até o fim de nosso período, a serem controlados pelo antiquado ritmo de boas e más colheitas, ao invés de pelo novo ritmo de booms e recessões industriais que se alternavam. A crise de 1857 foi provavelmente a primeira de alcance mundial causada por acontecimentos diferentes da catástrofe agrária. Este fato, por acaso, teve as mais extensas conseqüências políticas. O ritmo de mudanças nas áreas industriais e não industriais foi muito variado entre 1780 e 1848[2].

A crise econômica que ateou fogo a tamanha parte da Europa em 1846-8 foi um depressão do velho estilo, predominantemente agrária. Foi de certa forma a última, e talvez a pior, catástrofe econômica do ancien régime. Tal não se deu na Grã-Bretanha, onde a pior recessão do período inicial do industrialismo ocorreu entre 1839 e 1842 por razões puramente “modernas”, coincidindo de fato com baixíssimos preços do milho. O ponto de combustão social espontânea na Grã-Bretanha foi alcançado na não planejada greve geral dos cartistas, no verão de 1842 (os chamados plug-riots). Quando esse ponto foi alcançado no continente, em 1848, a Grã-Bretanha estava simplesmente sofrendo a primeira depressão cíclica da longa era de expansão vitoriana, como também a Bélgica, a outra economia mais ou menos industrial da Europa. Uma revolução continental sem um correspondente movimento britânico, como previu Marx, estava condenada. O que ele não previu foi que a disparidade entre o desenvolvimento britânico e o continental tornasse inevitável que o continente se insurgisse sozinho.

Contudo, o que é importante sobre o período que vai de 1789 a 1848 não é que, por padrões posteriores, suas mudanças econômicas fossem pequenas, mas sim que as mudanças fundamentais estavam claramente acontecendo. A primeira destas mudanças foi demográfica. A população mundial – e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla – tinha iniciado uma “explosão” sem precedentes, que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos. Visto que poucos países, antes do século XIX, tinham qualquer coisa que se parecesse com um censo, sendo os existentes de pouca confiança[3] não sabemos com precisão com que rapidez a população aumentou neste período; mas foi certamente um aumento sem precedente e maior (exceto talvez em países pouco populosos que cobriam espaços vazios e até então mal utilizados, como a Rússia) nas áreas economicamente mais avançadas. A população dos EUA (aumentada pela imigração, encorajada pelos ilimitados recursos e espaços de um continente) aumentou quase seis vezes de 1790 a 1850, ou seja, de quatro para 23 milhões de habitantes. A população do Reino Unido, quase duplicou entre 1800 e 1850, quase triplicou entre 1750 e 1850. A população da Prússia (considerada as fronteiras de 1846) quase duplicou entre 1800 e 1846, o mesmo acontecendo na Rússia européia (sem a Finlândia). As populações da Noruega, da Dinamarca, da Suécia, da Holanda e grandes partes da Itália quase duplicaram entre 1750 e 1850, mas cresceram a uma taxa menos extraordinária durante nosso período; as da Espanha e Portugal aumentaram em um terço.

Fora da Europa, estamos menos bem informados, embora pareça que a população da China aumentou a uma rápida taxa nos séculos XVIII e início do XIX, até que a intervenção européia e o tradicional movimento cíclico da história política chinesa produzissem a derrocada da florescente administração da dinastia Manchu, que se achava no auge da eficiência nesse período[4]. Na América Latina, a população provavelmente cresceu a uma taxa comparável à da Espanha. Não há nenhum sinal de qualquer explosão populacional em outras partes da Ásia. A população da África provavelmente permaneceu estável. Somente certos espaços vazios habitados por colonizadores brancos aumentaram a uma taxa realmente extraordinária, como a Austrália, que em 1790 virtualmente não tinha habitantes brancos, mas por volta de 1851, tinha meio milhão.

O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia, embora devêssemos considerá-la antes como uma conseqüência do que como uma causa exterior da revolução econômica, pois sem ela um crescimento populacional tão rápido não poderia ter sido mantido durante mais do um limitado período. (De fato, na Irlanda, onde não foi suplementado por uma revolução econômica constante, esse crescimento não foi mantido.) Ele produziu mais trabalho, sobretudo mais trabalho jovem e mais consumidores. O mundo desse período foi bem mais jovem do que qualquer outro anterior: cheio de crianças, com jovens casais ou pessoas no auge da juventude.

A segunda maior mudança foi nas comunicações. Segundo consenso geral, as ferrovias estavam apenas na infância em 1848, embora já fosse de considerável importância prática na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na Bélgica, na França e na Alemanha. Mas mesmo antes da ferrovia, o desenvolvimento das comunicações foi pelos padrões anteriores empolgante. O império austríaco, por exemplo, (excluindo a Hungria) acrescentou mais de 30 mil milhas de estradas entre 1830 e 1847, multiplicando assim sua rede de estradas quase duas vezes e meia. A Bélgica quase duplico sua rede de estradas entre 1830 e 1850, e até a Espanha, graças em grande parte à ocupação francesa, quase duplicou sua diminuta teia viária. Os Estados Unidos como de costume, mais gigantescos em seus empreendimentos do que qualquer outro país, multiplicou seu sistema viário para carruagens em mais de oito vezes, de 21 mil milhas em 1800 para 170 mil em 1850. Enquanto a Grã-Bretanha adquiria seu sistema de canais, a França construía 2 mil milhas deles entre 1800 e 1847 e os Estados Unidos abriam rotas fluviais tão importantes como as do Lago Erie, do Chesapeake e do Ohio. O total da tonelagem mercante do mundo ocidental mais do que duplicou entre 1800 e o início da década de 1840, e já os navios a vapor uniam a Grã-Bretanha e a França (1822) e subiam e desciam o Danúbio. (Em 1840, haviam cerca de 370 mil toneladas de navios a vapor comparadas a nove milhões de toneladas de navios a vela, embora isto já representasse na verdade cerca de um sexto da capacidade de carga.) Novamente aqui os americanos ultrapassaram o mundo, competindo até mesmo com os britânicos quanto a posse da maior frota mercante[5].

Também não devemos subestimar a melhoria da velocidade e da capacidade de carga assim alcançadas. Sem dúvida que o serviço de carruagens que conduziu o czar de todas as partes da Rússia de São Petersburgo a Berlim em quatro dias (1834) não estava a disposição de pessoas menos importantes, mas já era disponível o novo e rápido correio (copiado dos franceses e dos ingleses) que depois de 1824 ia de Berlim a Magdeburgo em 15 horas, aos invés de dois dias e meio. A ferrovia e a brilhante invenção de Rowland Hill da cobrança padronizada para a matéria postal em 1839 (suplementada pela invenção do selo adesivo em 1841) multiplicaram os correios, mas mesmo antes de ambas as invenções, e em países menos adiantados que a Grã-Bretanha, ele cresceu rapidamente: entre 1830 e 1840, o número de cartas anualmente despachadas na França subiu de 64 para 94 milhões. Os navios a vela não eram simplesmente mais rápidos e mais seguros, eram em média maiores também.

Tecnicamente, sem dúvida, estas melhorias não foram tão inspiradoras quanto as ferrovias, embora as arrebatadoras pontes, que se curvavam sobre os rios, as grandes vias aquáticas artificiais e as docas, os esplêndidos veleiros deslizando como cisnes a toda vela e as novas e elegantes carruagens do serviço postal fossem e continuem a ser alguns dos mais belos produtos do desenho industrial. Mas como meio para facilitar as viagens e os transportes, para unir a cidade ao campo, as regiões pobres às ricas, as ferrovias foram admiravelmente eficientes. O crescimento da população deveu muito a elas, pois o que em tempos pré-industriais o retardava não era tanto a alta taxa de mortalidade mais sim as catástrofes periódicas – freqüentemente muito localizadas – de fome e escassez de alimentos. Se a fome se tornou menos ameaçadora no ocidental neste período (exceto em anos de fracasso quase universal nas colheitas, como em 1816-1817 e 1846-1848), foi primordialmente devido a essas melhorias no transporte, bem como, é claro, à melhoria geral na eficiência de governo e administração (cf. capítulo 10).

A terceira grande mudança foi, naturalmente, no volume do comércio e da emigração. Não em toda a parte, sem dúvida. Não há por exemplo, qualquer sinal de que os camponeses da Calábria e da Apúlia já estivessem preparados para emigrar, nem que o montante de mercadorias trazido para a grande feira de Nijniy Novgorod tivesse aumentado de forma surpreendente. Mas, tomando-se o mundo da revolução dupla como um todo, o movimento de homens e mercadorias já tinha o ímpeto de um deslizamento de terra. Entre 1816 e 1850, perto de cinco milhões de europeus deixaram seus países nativos (quase quatro quintos deles para as Américas), e dentro dos países as correntes de migração interna eram bem maiores. Entre 1780 e 1840, o comércio internacional em todo o mundo ocidental mais do que triplicou; entre 1780 e 1850, ele se multiplicou em mais de quatro vezes. Por padrões posteriores, tudo isto foi sem dúvida muito modesto[6], mas por padrões anteriores, e afinal de contas estes eram os padrões utilizados pelos contemporâneos para estabelecer comparações com sua época, eles estavam além dos sonhos mais loucos.

O que foi mais relevante, depois de 1830 – o ponto-chave que o historiador de nosso período não pode perder, qualquer que seja seu campo de interesse particular – é que o ritmo de mudanças sociais e econômicas acelerou-se visível e rapidamente. Fora da Grã-Bretanha, o período da Revolução Francesa e de suas guerras trouxe relativamente pouco avanço imediato, exceto nos Estados Unidos, que saltaram à frente depois de sua guerra de independência, duplicando a área cultivada por volta de 1810, multiplicando a frota mercante em sete vezes e demonstrando suas capacidades futuras de uma maneira geral. (não só o descaroçador de algodão, mas também o navio a vapor, o desenvolvimento inicial da produção em série – o moinho de farinha sobre uma correia de transmissão, de Oliver Evans – são avanços americanos deste período.)As bases de uma boa parte da indústria posterior, especialmente da indústria de equipamentos pesados, foram lançadas na Europa napoleônica, mas muito pouco sobreviveu ao fim das guerras, que trouxe a crise para toda a parte. No todo, o período que vai de 1815 a 1830 foi um período de reveses ou, na melhor das hipóteses, de recuperação lenta. Os Estados colocaram suas finanças em ordem – normalmente por meio de uma rigorosa deflação (os russos foram os últimos a fazê-lo em 1841). As indústrias cambalearam sob os golpes da crise e da competição estrangeira; a indústria algodoeira americana foi severamente atingida, a urbanização era lenta: até 1828, a população rural francesa cresceu tão rapidamente quanto a das cidades. A agricultura definhava, especialmente na Alemanha. Ninguém que se pusesse a observar o crescimento econômico do período, mesmo fora do âmbito da formidável expansão econômica britânica, se sentiria inclinado ao pessimismo, mas poucos julgariam que qualquer outro país, a não ser a Grã-Bretanha e talvez os EUA, estivesse no portal imediato da revolução industrial. Para tomarmos um índice óbvio da nova indústria: fora da Grã-Bretanha, dos EUA e da França, o número de máquinas a vapor e a quantidade de energia a vapor o resto do mundo eram, na década de 1820, de chamar muito pouco a atenção do estatístico.

Depois de 1830 (ou por esta época) a situação mudou rápida e drasticamente, a ponto de, por volta de 1840, os problemas sociais característicos do industrialismo – o novo proletariado, os horrores da incontrolável urbanização – se transformaram no lugar comum de sérias discussões na Europa Ocidental e no pesadelo dos políticos e administradores. O número de máquinas a vapor na Bélgica duplicou sua potência em cavalos-força também triplicou, entre 1830 e 1838: de 354 (com 11 mil hp) para 712 (com 30 mil hp). Por volta de 1850, o pequeno país, agora maciçamente industrializado, tinha quase 2.300 máquinas de 66 mil hp, e quase 6 milhões de toneladas de produção de carvão (aproximadamente três vezes mais que em 1830). Em 1830, não havia qualquer companhia de capital social na mineração belga; por volta de 1841, quase metade da produção de carvão vinha destas companhias.

Seria monótono citarmos dados análogos para a França, para os Estados alemães, a Áustria e outros países e áreas em que os princípios da moderna indústria foram lançados nestes 20 anos: os Krupp na Alemanha, por exemplo, instalaram sua primeira máquina a vapor em 1835, as primeiras minas do grande campo de carvão do Ruhr foram abertas em 1837, o primeiro forno movido a coque foi instalado no grande centro siderúrgico theco de Vitkovice em 1836, e o primeiro moinho de rolo de Falck, na Lombardia, em 1839-40. Tanto mais monótono porque a industrialização realmente maciça – com exceção da Bélgica e talvez a França – só ocorreu depois de 1848. Os anos que vão de 1830 a 1848 marcam o nascimento de áreas industriais, de famosos centros e firmas industriais cujos nomes se tornaram conhecidos até nossos dias, mas não determinam nem mesmo a sua adolescência, quanto mais a sua maturidade. Observando-se a década de 1830, sabemos o que significou aquela atmosfera de excitada experimentação técnica de empreendimento inovador e insatisfeito. Significou a abertura do meio-oeste americano. Mas a primeira ceifeira mecânica de Cyrus McCormick (1834) e os primeiros 78 alqueires de trigo enviados de Chicago para o leste em 1838 somente tem lugar na história por causa do que provocaram depois de 1850. Em 1846, a fábrica que arriscasse a produção de uma centena de ceifeiras ainda deveria ser parabenizada por sua ousadia: “era de fato difícil achar grupos com suficiente coragem e energia para enfrentar a arriscada empresa de fabricar ceifeiras, e quase tão difícil persuadir os fazendeiros a usarem essas máquinas para cortar os cereais ou encarar favoravelmente essa inovação”. Significou a construção sistemática de ferrovias e de indústrias pesadas na Europa e, conseqüentemente, uma revolução nas técnicas de investimento. Mas se os irmãos Pereire não se tivessem transformado nos grandes aventureiros das finanças industriais depois de 1851, deveríamos prestar pouca atenção ao projeto que eles apresentaram em vão ao novo governo francês em 1830: o de um “escritório de empréstimos onde a indústria poderá pedir emprestado a todos os capitalistas nos termos mais favoráveis, através do intermédio dos banqueiros mais ricos atuando como fiadores”.

Como na Grã-Bretanha, os bens de consumo – geralmente têxteis mais às vezes também produtos alimentícios – lideraram estas explosões de industrialização; mas os bens de capital – ferro, aço, carvão e etc. – já eram mais importantes do que na primeira revolução industrial inglesa: em 1846, 17% dos empregos industriais belgas eram em indústrias de bens de capital, contrastando com os 8 ou 9% da Grã-Bretanha. Por volta de 1850, três quartos de toda a potência vapor belga estava na mineração e na metalurgia. Como na Grã-Bretanha, o novo estabelecimento industrial médio – a fábrica, a forja ou a mina – era pequeno e cercado por uma grande quantidade de mão-de-obra barata, doméstica, subcontratada e tecnicamente retrógrada, que cresceu com as exigências das fábricas e do mercado e seria finalmente destruída pelos posteriores avanços de ambos. Em 1846, na Bélgica, o número médio de empregados em um estabelecimento fabril de lã, de fibra de linho e de algodão era de apenas 30, 35 e 43 trabalhadores; na Suécia, em 1838, a média por “fábrica” têxtil era meramente de 6 a 7 trabalhadores. Por outro lado, há indícios de uma concentração bem mais maciça do que na Grã-Bretanha, como era mesmo de se esperar onde a indústria de desenvolveu mais tarde, ás vezes como um enclave em ambientes agrícolas, usando a experiência dos primeiros pioneiros baseada em uma tecnologia bem mais desenvolvida e freqüentemente gozando de um maior apoio planificado por parte do governo. Em 1841, na Boêmia, três quartos de todas as fiandeiras automáticas de algodão eram empregadas em fábricas com mais de 100 trabalhadores cada uma, e quase a metade em 15 fábricas com mais de 200 trabalhadores cada. ( Por outro lado, virtualmente toda a tecelagem até a década de 1850 era feita apenas em teares manuais.) Naturalmente, isto era ainda mais acentuado nas indústrias pesadas que agora assumiam a vanguarda: a fundição belga média tinha, em 1838, 80 trabalhadores; a mina belga média tinha, em 1846, perto de 150, para não mencionarmos os gigantes industriais como a Cockerill’s de Seraing, que empregava 2 mil trabalhadores.

O panorama industrial era, assim, muito semelhante a uma série de lagos cobertos de ilhas. Se tomarmos o campo em geral como o lago, as ilhas representam as cidades industriais, os complexos rurais (tais como as redes de aldeias manufatureiras tão comuns nas montanhas da Alemanha Central e da Boêmia) ou as áreas industriais: cidades têxteis como Mulhouse, Lille ou Rouen na França, Elberfeld-Barmen (terra natal da religiosa família de mestres algodoeiros de Frederick Engels) ou Krefeld na Prússia, o sul da Bélgica ou a Saxônia. Se tomarmos como o lago a massa de artesãos independentes, os camponeses produzindo mercadorias para vendê-las durante o inverno e os trabalhadores domésticos, as ilhas representam os engenhos, as fábricas, as minas e as fundições de variado tamanho. O grosso da paisagem ainda era de muita água ou – para adotarmos uma metáfora um pouco mais à realidade – de juncais de produção em pequena escala dependente que se formavam ao redor dos centros industriais e comerciais. As indústrias domésticas e outras fundadas anteriormente como apêndices do feudalismo também existiam. A maioria delas – por exemplo, a indústria silesiana do linho – se achava em rápido e trágico declínio. As grandes cidades quase não eram industrializadas, embora mantivessem uma vasta população de trabalhadores e artesãos para servirem às necessidades de consumo, transporte e serviços. Das cidades do mundo com mais de 100 mil habitantes, fora Lyon, só as inglesas e americanas tinham centros nitidamente industriais: Milão, por exemplo, em 1841, tinha somente duas pequenas máquinas a vapor. De fato, o típico centro industrial – tanto na Grã-Bretanha quanto no continente europeu – era uma cidade provinciana pequena ou de tamanho médio ou ainda um complexo de aldeias.

Sob um importante aspecto, entretanto, a industrialização continental – e até certo ponto a americana – diferia da inglesa. As pré-condições para seu desenvolvimento espontâneo, através da empresa privada, foram menos favoráveis. Como vimos, na Grã-Bretanha após uma lenta preparação de cerca de 200 anos, não houve escassez real de quaisquer dos fatores de produção e nenhum obstáculo institucional para o pleno desenvolvimento capitalista. O mesmo não aconteceu em outros países. Na Alemanha, por exemplo, houve uma nítida escassez de capital; a própria modéstia do padrão de vida das classes médias alemãs (maravilhosamente transformado, embora dentro da encantadora austeridade da decoração de interiores de Biedemeier) o demonstra. Freqüentemente se esquece que, pelos padrões alemães conteporâneos, Goethe, cuja casa em Weimar apresenta um pouco mais de conforto – embora não muito mais – do que o padrão dos modestos banqueiros da seita britânica de Claphan, era deveras um homem muito rico. Na década de 1820, as senhoras da corte e até mesmo as princesas em Berlim usavam simples vestidos de percal durante todo o ano; se possuíam um vestido de seda, guardavam-no para ocasiões especiais. Os tradicionais sistemas de grêmios ou guildas de mestres artífices e aprendizes ainda se constituía em um obstáculo para o empreendimento capitalista, para a mobilidade da mão-de-obra qualificada e mesmo para qualquer mudança econômica: a obrigação de que um artesão pertencesse a uma guilda foi abolida na Prússia em 1811, embora não fossem as próprias guildas, cujos membros eram, além disso, fortalecidos politicamente pela legislação municipal do período. A produção dos grêmios permaneceu quase intacta até as décadas de 1830 e 1840. Em outros países, a introdução plena da Grwerbefreiheit[7] teve que esperar até a década de 1850.

A multiplicidade de Estados diminutos, cada um com seus controles e interesses estabelecidos, ainda inibia o desenvolvimento racional. A simples construção de um sindicato geral de direitos alfandegários, como o que a Prússia conseguiu realizar em seu próprio interesse e pela pressão de sua posição estratégica entre 1818 e 1834, era (com a exceção da Áustria) um triunfo. Todo governo, mercantilista ou paternal, baixava seus regulamentos e disposições administrativas sobre o assunto, para benefício da estabilidade social, porém para irritação do empresário privado. O Estado prussiano controlava a qualidade e o justo preço da produção artesanal, as atividades da indústria doméstica silesiana de tecelagem de linho e as operações dos proprietários de minas na margem direita do Reno. Era necessário uma permissão governamental para se abrir uma mina, e ela podia ser retirada já depois de iniciado o negócio.

Obviamente, em tais circunstâncias (que têm paralelo em inúmeros outros Estados), o desenvolvimento industrial tinha que funcionar de um modo bastante diferente do modelo britânico. Assim, em todo o continente europeu, o governo tinha um controle muito maior sobre a indústria, não apenas porque já estivesse acostumado a isto, mas porque tinha que fazê-lo. Guilherme I rei dos Países Baixos Unidos, fundou em 1822, a Société Génerale pour favoriser I’Industrie Nationale des Pays Bas, dotada de terras do Estado, com mais ou menos 40% de suas ações subscritas pelo rei e 5% garantidas a todos os outros subscritores. O Estado prussiano continuou a controlar a operação de uma grande proporção das minas do país. Sem exceção, todos os novos sistemas ferroviários foram planejados pelos governos e, se não foram efetivamente construídos por eles, foram incentivados pela subvenção de concessões favoráveis e pela garantia de investimentos. De fato, até hoje a Grã-Bretanha é o único país cujo sistema ferroviário foi totalmente construído por empresas particulares, assumindo os riscos na sua busca de lucros, sem o incentivo de bônus e garantidas aos investidores e empresários. A primeira e mais bem planejada destas redes foi a belga, projetada em princípios da década de 1830, com o intuito de separar o país, recém-independente, do sistema de comunicações (primordialmente fluvial) baseado na Holanda. As dificuldades políticas e a relutância da grande burguesia conservadora em trocar investimentos seguros por especulativos adiaram a construção estruturada da rede francesa, que a Câmara tinha decidido executar em 1833; a pobreza de recursos adiou a construção da rede austríaca, que o Estado decidiu construir em 1842; e da prussiana.

Por razões semelhantes, a empresa do continente europeu dependia muito mais do que a britânica de um aparato financeiro e de uma moderna legislação bancária comercial e de negócios. De fato, a Revolução Francesa forneceu os dois: os códigos legais de Napoleão com sua ênfase na liberdade contratual garantida legalmente, seu reconhecimento das letras de câmbio e outros países comerciais, e suas disposições em prol das empresas de capital social (como a société anonyme e a commandite, sociedade em que um dos sócios entra com o capital e o outro com o trabalho, adotadas em toda a Europa, exceto na Grã-Bretanha e na Escandinávia) tornaram-se por esta razão os modelos gerais para o mundo. Além do mais, os instrumentos para o financiamento da indústria que nasceram do cérebro fértil daqueles jovens revolucionários Saint-simonianos, os irmãos Pereire, foram bem recebidos no exterior. Sua maior vitória ainda teve que esperar a era do boom mundial da década de 1850; mas já na década de 1830 a Societé Générale, belga, começou a praticar o investimento bancário do tipo que os irmãos Pereire tinham imaginado e, na Holanda, os financistas (embora ainda não ouvidos pela massa de negociantes) adotaram as idéias Saint-simonianas. Em essência, estas idéias almejavam mobilizar, através de bancos e empresas de investimento, uma variedade de recursos de capital nacional que não teria espontaneamente entrado no desenvolvimento industrial e cujos donos não teriam sabido onde investir se assim o tivessem desejado. Depois de 1850, deu-se o fenômeno continental característico (especialmente alemão) do grande banco atuando também como investidor e dessa forma dominando a indústria e facilitando sua concentração precoce.

Entretanto, o desenvolvimento econômico deste período contém um gigantesco paradoxo: a França. Teoricamente nenhum país deveria ter avançado mais rapidamente. Ela possuía, como já vimos, instituições ajustadas de forma ideal ao desenvolvimento capitalista. O talento e a capacidade inventiva de seus empresários não tinha paralelo na Europa. Os franceses inventaram ou foram os primeiros a desenvolver as grandes lojas de departamento, a propaganda e, guiados pela supremacia da ciência francesa, todos os tipos de inovações e realizações técnicas – a fotografia (com Nicephore Nièpce e Daguerre), o processo de soda de Leblanc, o descolorante à base de cloro de Berthollet, a galvonaplastia e a galvanização. Os financistas franceses foram os mais inventivos do mundo. O país possuía grandes reservas de capital, que exportava, auxiliado por sua capacidade técnica, para todo o continente europeu – e até mesmo, depois de 1850, para coisas tais como a Companhia Geral de Coletivos de Londres, para a Grã-Bretanha. Por volta de 1847, cerca de 2,25 bilhões de francos tinham saído para o exterior – valor este só superado pelas astronômicas cifras britânicas, maiores do que as de qualquer outro país. Paris era um centro internacional de finanças que seguia Londres, bem de perto; na verdade, em tempos de crise como em 1847, Paris chegou a superar Londres nesse campo. O empreendimento francês, na década de 1840, fundou as companhias de gás da Europa – em Florença, Veneza, Pádua e Verona – e obteve privilégios para fundá-las em toda a Espanha, na Argélia, no Cairo e em Alexandria. E estava para financiar as ferrovias do continente europeu (exceto as da Alemanha e da Escandinávia).

Ainda assim, basicamente, o desenvolvimento econômico francês era na verdade mais lento do que o de outros países. Sua população crescia silenciosamente, porém sem dar grandes saltos. Suas cidades (com exceção de Paris) expandiam-se modestamente; de fato, no princípio de década de 1830, algumas delas diminuíram. Seu poderia industrial no final de década de 1840 era sem dúvida maior do que o dos outros países europeus – possuía tanta energia a vapor quanto todo o resto do continente junto – mas tinha perdido terreno para a Grã-Bretanha e estava a ponto de perdê-lo também para a Alemanha. De fato, a despeito de suas vantagens e do início pioneiro, a França nunca se tornou uma potência industrial de maior importância em comparação com a Grã-Bretanha, a Alemanha e os Estados Unidos.

A explicação para este paradoxo é, como já vimos, a própria Revolução Francesa, que tomou com Rosbepierre muito daquilo que havia dado com a Assembléia Constituinte. A parte capitalista da economia francesa era uma superestrutura erguida sobre a base imóvel do campesinato e da pequena burguesia. Os trabalhadores livres destituídos de terras simplesmente vinham pouco a pouco para as cidades; as mercadorias baratas e padronizadas que fizeram as fortunas dos industriais progressistas em outros países ressentiam-se da falta de um mercado suficientemente grande e em expansão. Economizava-se muito capital, mas por que deveria este capital ser investido na indústria doméstica? O empresário francês inteligente fabricava mercadorias de luxo e não mercadorias para o consumo de massa; o financista inteligente promovia as industrias estrangeiras em vez das domésticas. A empresa privada e o crescimento econômico caminham juntos somente quando este último propicia lucros mais altos para a primeira do que para outras formas de negócio. Na França ele não o fez, embora através da França tenha fertilizado o crescimento econômico de outros países.

No extremo oposto da França, estavam os Estados Unidos da América. O país sofria de uma escassez de capital, mas estava pronto a importá-lo em quaisquer quantidades, e a Grã-Bretanha estava pronta a exportá-lo. Sofria de uma aguda escassez de mão-de-obra, mas as Ilhas Britânicas e a Alemanha exportavam aos milhões seus excedentes populacionais após a grande fome da metade da década de 1840. Ressentia-se da falta de homens com qualificações técnicas, mas até mesmo estes – os trabalhadores de algodão de Lancashire, os mineiros do País de Gales e os trabalhadores siderúrgicos – podiam ser importados dos setores já industrializados do mundo, e a típica aptidão americana para criar uma economia de mão-de-obra e, acima de tudo, para a criação de máquinas simplificadoras da necessidade de mão-de-obra já se achava totalmente desenvolvida. Os Estados Unidos ressentiam-se da falta pura e simples de uma colonização e de meios de transporte para explorar seu imenso território e seus recursos aparentemente ilimitados. O mero processo de expansão interna foi bastante para manter sua economia em um crescimento quase ilimitado, embora os colonizadores, governos, missionários e comerciantes americanos já estivessem se expandindo em direção à costa do Pacífico ou levando o seu comércio – apoiado pela segunda maior frota mercante do mundo – através dos Oceanos, de Zanzibar ao Havaí. O Pacífico e o Caribe já eram os campos escolhidos do império americano.

Toda instituição da nova república, incitava a acumulação, a engenhosidade e a iniciativa privada. Uma vasta população nova, estabelecida nas cidades litorâneas e nos novos estados interioranos recentemente ocupados, exigia os mesmos bens e equipamentos agrícolas, domésticos e pessoais padronizados e fornecia um mercado de homogeneidade ideal. As necessidade de invenção e iniciativa eram grandes, e sucessivamente vieram atendê-las os inventores do navio a vapor (1807-1813), da humilde tachinha (1807), da máquina de fazer parafusos (1809), da dentadura postiça (1822), do fio encapado (1827-1831), do revólver (1835), da idéia da máquina de escrever e da máquina de costura (1843-1846), da prensa rotativa (1846) de uma série de máquinas agrícolas. Nenhuma economia se expandiu mais rapidamente neste período do que a americana, embora sua arrancada realmente decisiva só visse a ocorrer depois de 1860.

Só um grande obstáculo atrapalhava a conversão dos EUA na potência econômica mundial em logo se tornaria: o conflito entre o Norte agrícola e industrial e o sul semicolonial. Enquanto o norte se beneficiava do capital, da mão-de-obra e das habilidades da Europa – e notadamente da Grã-Bretanha – como uma economia independente, o sul (que importava poucos destes recursos) era uma economia tipicamente dependente da Grã-Bretanha. O próprio sucesso em suprir as fábricas em expansão de Lancashire com quase todo o seu algodão perpetuava a dependência comparável àquela em que a Austrália estava prestes a cair com a lã e a Argentina com a carne. O sul era favorável ao livre comércio, que lhe possibilitava vender à Grã-Bretanha e, em troca, comprar as baratas mercadorias britânicas; o norte, quase desde o princípio (1816), protegia firmemente o industrial nativo contra qualquer estrangeiro – britânico – que pudesse competir naquela época com ele a preços inferiores. O norte e o sul competiam pelos territórios do Oeste – O sul, para as plantações escravas e os posseiros retrógrados com suas culturas de subsistência em terras devolutas das montanhas, e o norte, para as segadoras mecânicas e os matadouros de grande porte; e até a era de ferrovia transcontinental, o sul, controlava o delta do Mississipi, onde o meio-oeste encontrou seu principal escoamento, tinha alguns fortes trunfos econômicos. O futuro da economia americana só seria decidido na Guerra Civil de 1861-1865 – que foi, de fato, a unificação da América através do capitalismo do norte.

O outro futuro gigante do mundo econômico, a Rússia, era até então economicamente desprezível, embora observadores de larga visão já previssem que seus vastos recursos, sua população e seu tamanho iriam mais cedo ou mais tarde projetá-las mundialmente. As minas e as manufaturas criadas pelos czares do século XVIII, tendo senhores ou mercadores feudais como empregadores e os servos como operários, estavam declinando lentamente. As novas indústrias – fábricas têxteis domésticas, de pequeno porte – somente começaram a apresentar uma expansão realmente digna de nota na década de 1860. Mesmo a exportação para o Ocidente do milho extraído no fértil cinturão de terra preta da Ucrânia fazia um progresso apenas moderado. A Polônia russa era bem mais adiantada, mas, como no resto da Europa Oriental, da Escandinávia, no norte, à Península Balcânica, no sul, ainda não se podia divisar a era da grande transformação econômica. Nem mesmo na Espanha ou no sul da Itália, com exceção de pequenos trechos da Catalunha e do país basco. E mesmo no norte da Itália, onde as mudanças econômicas foram muito maiores, elas eram até então bem mais óbvias na agricultura (sempre, nesta região, uma importante saída para o investimento de capital e a atividade de negócios), no comércio e na frota mercante do que na manufaturas. Mas o desenvolvimento destas mudanças foi prejudicado em todo o sul da Europa pela grande escassez do que era então, ainda, a única fonte importante de poderio industrial, o carvão.

Assim, uma parte do mundo saltou na dianteira do poderio industrial, enquanto que a outra ficava para trás. Mas estes dois fenômenos não são desligados um do outro. A estagnação econômica, a lentidão ou mesmo a regressão foram produtos do avanço econômico, pois como poderiam as economias relativamente atrasadas resistir à força – ou, em certos casos, à atração – dos novos centos de riqueza, indústria e comércio? Os ingleses e algumas outras áreas da Europa podiam claramente vender a seus competidores a preços mais baixos. Convinha-lhes ser a oficina do mundo. Nada parecia mais “natural” do que os menos evoluídos produzirem alimentos e talvez minérios, trocando estas mercadorias não competitivas por manufaturas britânicas (ou de outros países da Europa Ocidental). “O sol”, disse Richard Cobden aos italianos, “é o vosso carvão”. Onde o poder local estava nas mãos de grandes proprietários de terra ou mesmo de fazendeiros ou rancheiros progressistas, essa troca servia a ambos os lados. Os plantadores cubanos estavam muito felizes em fazer dinheiro com o açúcar e importar as mercadorias que permitiam aos estrangeiros comprar o açúcar. Onde os donos de manufaturas podiam se fazer ouvir ou onde os governos locais apreciavam as vantagens do desenvolvimento econômico equilibrado ou meramente consideravam as desvantagens da dependência,a disposição de ânimo era menor.

Friedrich List, o economista alemão – como de hábito fazendo uso do costume congênito da abstração filosófica -, rejeitou uma economia internacional que, na verdade, fez da Grã-Bretanha a principal ou única potência industrial e exigiu protecionismo, assim como o fizeram também, conforme já vimos, embora sem filosofia, os americanos.

Tudo isto supondo que uma economia fosse politicamente independente e forte o bastante para aceitar ou rejeitar o papel para o qual a industrialização pioneira de um pequeno setor do mundo a tinha destinado. Onde não fosse independente, como nas colônias, não tinha escolha. A Índia como já vimos, estava no processo de desindustrialização, e o Egito era uma ilustração ainda mais viva do processo, pois o governante local, Mohammed Ali, tinha de fato e sistematicamente começado a transformar o país numa economia moderna, entre outras coisas, numa economia industrial. Ele não só incentivou o cultivo do algodão para suprir o mercado mundial (a partir de 1821), mas também tinha investido, por volta de 1838, a considerável quantia de 12 milhões de libras na indústria, que empregava talvez 30 ou 40 mil trabalhadores. O que teria acontecido se o Egito tivesse sido deixado ao sabor de sua própria sorte não sabemos; pois o que de fato se deu foi que a Convenção Anglo-Turca de 1838 impôs comerciantes estrangeiros ao país, minando assim o monopólio do comércio externo através do qual Mohamed Ali tinha operado; e a derrota do Egito frente ao Ocidente em 1839-1841 forçou-o a reduzir seu exército e, portanto, retirou a maior parte do incentivo que o tinha levado à industrialização. Esta não foi nem a primeira nem a última vez que as canhoneiras do Ocidente abriram um país ao comércio, à competição superior do setor industrializado do mundo. Quem, ao absorver o Egito na época do protetorado britânico no final do século, teria reconhecido o país que fora 50 anos antes e o para o desgosto de Richard Cobden o primeiro estado não pertencente a raça branca a procurar a maneira moderna de sair do atraso econômico?

De todas as conseqüências econômicas da época da revolução dupla, esta divisão entre os países adiantados e os subdesenvolvidos provou ser a mais profunda e mais duradoura, falando a grosso modo, por volta de 1848m estava claro que os países deveriam seguir o exemplo do primeiro grupo, da Europa Ocidental (exceto a Península Ibérica), da Alemanha, do norte da Itália e partes da Europa Central, da Escandinávia, dos EUA e talvez das colônias controladas pelos imigrantes de língua inglesa. Mas também era claro que o resto do mundo estava, com exceção de alguns pedaços, muito atrasado ou se transformando – sob a pressão informal das exportações e importações ocidentais ou sob a pressão militar das canhoneiras e das expedições militares ocidentais, em dependências econômicas do Ocidente. Até que os russos tivessem desenvolvido, na década de 1930 meios de transpor este fosso entre atrasado e adiantado, ele permaneceria imóvel, intransponível, e mesmo crescendo, entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo. Nenhum outro fato determinou a história do século XX de maneira mais firme.
[1] 1 milha = 1.609,34 metros
[2] O triunfo mundial do setor industrial tendeu a convergir novamente esse ritmo embora de maneira diferente.
[3] O primeiro censo britânico foi feito em 1801; o primeiro razoavelmente adequado em 1831
[4] O costumeiro ciclo dinástico na China durava cerca de 300 anos; a dinastia Manchu subiu ao poder na metade do século XVII
[5] Eles quase atingiram seu objetivo por volta de 1860, antes que os navios de ferro mais uma vez dessem a supremacia aos ingleses.
[6] Assim, entre 1850 e 1882, 22 milhões de europeus emigraram, e em 1889 o volume total do comércio internacional chegou a quase 3.400 milhões de libras, comparado com menos de 600 milhões de libras em 1840.
[7] Em alemão no original: liberdade de ofício, livre exercício profissional

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