terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A Europa de 1815 aos Nossos dias




A Europa de 1815
Aos nossos dias

Capítulo 2

Reações e Revoluções
(1815-1871)

Jean Baptiste Duroselle
Editora Pioneira, 1992, 4°Ed da página 13 à 22

Freqüentemente, ao compararmos o nosso século XX ensangüentado por duas guerras assustadoras com o período de 1815-1871, temos tendência a admirar a boa sorte de nossos ancestrais. Ora, nada mais ilusório. O século XIX foi uma das fases mais amargas e cruéis da história européia. Perturbações, revoltas, revoluções no plano interior, guerra, conflitos, intervenções no plano exterior, marcaram toda a época que estudamos nesse capítulo. É mister rever nossas apreciações e compreender que a Europa, depois dos tratados de 1815, viveu na agitação e no sofrimento.

1) Fatores dos Distúrbios

As pinturas idílicas – e perfeitamente inexatas – da sociedade européia após 1815 são responsáveis pela distorção histórica que acabamos de assinalar. Com efeito, o romance e o teatro não descreveram senão as classes abastadas, que podiam usufruir as doçuras da vida. A sociedade descrita por Balzac e Stendhal é a nobreza, a alta e, às vezes, a pequena ou média burguesia. Em vão, procuraríamos em nossa literatura, antes de Émile Zola, um pintor autêntico dos proletários. Ou então, é a classe “perigosa”, chamada por Marx de lumpenproletariat, que atrai a atenção como uma espécie de monstruosidade capaz de provocar nos leitores deliciosos frêmitos. Victor Hugo nos descreve fartamente condenados e bandidos. Eugène Sue faz o mesmo em Mistérios de Paris. Também Balzac, em Vautrim. Por exemplo. Mas onde está o verdadeiro, o autêntico proletário? Às vezes aparece isoladamente, o “bom operário”, submisso, respeitoso, vilmente adulador, admitindo como necessidade eterna a sua triste condição e, aliás, capaz de não comer nem beber, para deitar alguns vinténs na Caixa Econômica, coisa que as almas caridosas o estimulam vivamente a fazer.



Se o trabalhador possui um espírito mais forte e se bate por sua vida e sua dignidade, é imediatamente equiparado ao criminoso de direito comum. Os artigos 414, 415 e 416 do código penal francês proíbem-lhe qualquer “coalizão”, portanto qualquer esforço conjunto para melhorar a sua sorte. É mister esperar 1864 para que a coalizão e, em conseqüência a greve se tornem legais. Na Inglaterra, a coalizão, proibida em 1799, é de novo autorizada pelas leis de 1824 e 1825. Estas porém serão aplicadas com evidente parcialidade.

O proletário das cidades, o trabalhador pobre dos campos, escapam da literatura, e por isso mesmo ignora-se, salvo em círculos restritos, a sua espantosa miséria. Mas há muito romances sociais. George Eliott, na Inglaterra, descreveu em Silas Marner os efeitos da concentração da indústria têxtil na vida de um pequeno artesão rural. Disraeli e outros autores cultivavam esse gênero literário. Mas além do âmago do problema. Quanto a Geroge Sand, seus romances sociais como o Meunier d’ Angibault, pretendem mostrar que uma mulher rica não se rebaixa socialmente por manter relações com um homem pobre. Trata-se de uma justificação pessoal, mais que uma pintura social.

Em sua totalidade, a literatura ignora o essencial, ou não o deixa transparecer senão inconscientemente. O essencial é que a igualdade de direitos, mesmo em um país onde ela é proclamada em princípio, como na França, não existe em absoluto. Há dois pesos e duas medidas. O arbitrário não existe para as classes ricas, mas pesa com toda a sua força sobre a imensa e desconhecida massa dos pobres.

Ora, essa desigualdade de tratamento, que afinal existia em todos os séculos precedentes, essa miséria que em primeiro lugar na Inglaterra ao norte da Itália fomentara a “Revolução Industrial”, tornou-se no século XIX um poderoso agente revolucionário. De maneira diferente da dos séculos passados, as massas tomam consciência de sua posição. A revolução francesa representou, nesse ponto, o papel decisivo. Precisamente todos os países europeus que no século XVIII ainda eram “subdesenvolvidos” (para empregar uma terminologia moderna), entram na era do desenvolvimento. Produz-se então um fenômeno notável. Não é a pobreza absoluta, sem esperança, embrutecedora que desencadeia as revoltas organizadas: é o começo do progresso.

A partir de 1815, os mais conscientes dos descontentes se reagrupam em sociedades que o rigor policial obriga a manter secretas. Trata-se de pequenos grupos incessantemente perseguidos, animados por um ideal revolucionário. Os Carbonários italianos, a Carbonaria francesa, as Sociedades Republicanas da Monarquia de Julho (Sociedade das Famílias, Sociedade das Estações) a Liga dos Justos na Alemanha Oriental, a Sociedade do Norte e a Sociedade do Sul. Na Rússia outras ainda, pertencem a esse tipo. Seus membros são oficiais, estudantes, pequenos burgueses.

2) A Era das Insurreições (1815-1849)

É interessante seguir cronologicamente o processo da causa fundamental das insurreições que reside na insatisfação das massas miseráveis, pois aí se revela um fenômeno europeu que, através das fronteiras, possui múltiplos laços.

Para simplificar – sem contudo deformar a realidade – podemos dizer que, entre 1815 e 1849, a Europa conheceu três “ondas” sucessivas de revoluções: em 1820, 1830 e 1848 aproximadamente.

A primeira de 1820 é precedida por uma forte agitação na Alemanha, notadamente nos meios universitários. O objetivo é político: a intenção era obrigar os diversos governos alemães a outorgar constituições. Mas a repressão sabiamente dirigida por Metternich abafa o movimento antes que ela tenha tomado uma forma revolucionária. Não acontece o mesmo na Espanha. Aqui, tendo as tropas se aquartelado em Cádis para combater os colonos da América que se haviam revoltado, um oficial Tenente-Coronel Riego subleva as tropas em janeiro de 1820. As guarnições do Norte fazem triunfar essa revolução cujo fim era político. O rei Fernando VII teve que restabelecer a constituição de 1812, que havia abolido. O absolutismo só será restaurado em 1823, após uma intervenção francesa. Quase imediatamente, em julho de 1820, estoura uma revolta em Nápoles, organizada pelos Carbonários e dirigida por um oficial Pepe. O fim é igualmente político. O rei Fernando I também foi obrigado a estabelecer uma Constituição. Enquanto as tropas austríacas “restabelecem a ordem” em Nápoles, em março de 1821 irrompe uma insurreição de Carbonários no Piemonte. Aí também é concedida uma constituição. Também ai as tropas austríacas iriam intervir para restabelecer o poder absoluto.

Da Itália, o movimento se propaga para a França. A 13 de fevereiro de 1820, o duque de Berry, sobrinho do rei, é assassinado. No fim de 1821, a “Charbonenerie” – que imita a organização dos Carbonários italianos – tenta passar a insurreição. Em Saumur (dezembro de 1821), em Belfort (janeiro de 1822), em Thouars (fevereiro de 1822), em Colmar (julho de 1822) os oficiais sublevam ou tentam sublevar as guarnições. Mas em parte alguma esses complôs, deploravelmente organizados, conseguem vingar.

O último país atingido é a Rússia. Com a morte do czar Alexandre I, oficiais pertencentes a sociedades secretas tentam fazer subir ao trono, em lugar de seu irmão Nicolau, seu outro irmão, Constantino. O verdadeiro fim é transformar o regime autocrático em regime constitucional. É a insurreição “dezembrina” (dezembro de 1825). Mal idealizada, mal dirigida, seu desastre é total.

Como tais sublevações políticas se acompanham de revoltas nacionais na Grécia e nas colônias espanholas da América, Metternich e o czar acreditam ver aí o fruto de uma espécie de “conspiração jacobina” cujo centro seria Paris. Com efeito, se houve revoltas em todos os lugares é porque as causas foram gerais. Dificilmente os povos suportam o absolutismo e a opressão. A primeira onda de revoltas é um esforço desordenado e impotente para conquistar a liberdade.

A segunda onda se desencadeia na França em julho de 1830. Com a pretensão de Carlos X de desfazer a Constituição, a população de Paris, com a aprovação da burguesia liberal, e graças à ação das sociedades secretas republicanas, se insurge contra o regime da Restauração. Desta vez o sucesso é total. Carlos X é obrigado a abdicar e exilar-se. Mas os vencedores estão mal organizados para tomar o poder. A grande burguesia, representada pelos deputados liberais e jornalistas, como Thiers, manobra habilmente para limitar as conseqüências das “Três Gloriosas” e faz subir ao trono Luís Felipe, Duque de Orleans. Como resultado, as sociedades republicanas, ofendidas, retomam a luta. Os distúrbios continuam. Serão todos reprimidos, pois, se em julho de 1830 a massa “prosseguiu”, o mesmo não acontece com as revoltas de fevereiro de 1831, junho de 1832, abril de 1834. Durante quatro anos Paris é o foco das intrigas republicanas que bruscamente irrompe em revoluções sangrentas e desesperadas. Depois, malgrado algumas revoltas subseqüentes, tudo se acalma por algum tempo.

De Paris, a revolução alcança Bruxelas (agosto de 1830) revestindo-se ali de um caráter nacional. Os belgas desejam sacudir a autoridade do rei dos países-baixos. Conseguem-no com a ajuda da Europa. Apenas a Rússia de Nicolau I quis intervir. Mas, precisamente em novembro de 1830, outra revolução igualmente nacional, se desencadeia na Polônia, imobilizando assim as forças do czar, que levarão dez meses para esmagá-la.

O movimento prossegue na Itália central (fevereiro de 1831), nos ducados de Parma e de Módena, e na Romênia, que pertence ao Papa. Aí, o objetivo é ao mesmo tempo político – estabelecer regimes constitucionais em lugar de déspotas no poder – e nacional: os rebeldes constituem “províncias unidas italianas”, preâmbulo, aos seus olhos, de uma unificação mais vasta. As tropas austríacas não tardam a esmagar essa revolta.

A agitação alcança também a Alemanha, onde os liberais, reunidos em Hambach em maio de 1832, preconizam os livres “Estados Unidos da Alemanha”, de forma republicana, não toma porém a forma de insurreições sangrentas e novamente a ordem é restabelecida.

Todavia, o ano de 1830 concedeu duas vitórias à insurreição: na França e na Bélgica. Não é de espantar que tais importantes precedentes tenham despertado a esperança dos democratas, dos nacionalistas, e até daqueles cujo nome aparece nessa época – os socialistas. Novamente surgem circunstâncias favoráveis e os revolucionários tentarão desencadear novas propostas de força.

É a crise econômica de 1846-1847 que fornece essa ocasião. Ligada às más colheitas (ela é, segundo Ernest Labrousse, a última crise do ancien regime, no qual a economia é dominada pela agricultura), faz aumentar terrivelmente os sofrimentos dos artesãos, dos operários, isto é, da parte menos privilegiada da burguesia, através de toda a Europa. Será possível compreender o alcance desse fenômeno por um exemplo: em Paris, a guarda nacional, composta de pequenos burgueses e que fora o elemento motor na repressão dos motins, muda de posição em fevereiro de 1848 e se une aos manifestantes republicanos para derrubar Luís Felipe. Notemos igualmente que a crise econômica termina no decorrer do outono de 1847. É, pois, no começo da recuperação econômica que se iniciam as revoluções. Nunca, nem em 1820, nem em 1830, haviam tomado tal amplitude.

Há, porém, sinais precursores: na Sicília, em Milão desde janeiro 1848. Mas o processo se desenvolve como um rastilho de pólvora, quando são atingidos dois centros vitais da Europa: Paris depois Viena.

Em Paris em 22-24 de fevereiro de 1848 é uma revolução democrática que derruba um regime já liberal para instalar a República com o sufrágio universal. Nessa ocasião revelam-se também marcantes tendências sociais. Mas os dias revolucionários de junho, atrozmente sangrentos, rematarão no fracasso total dos proletários revoltados com a miséria.

De Paris, a revolução se propaga em direção a Turim (5 de março) e Roma (14 de março), onde se outorgam constituições, bem como em Nápoles e Florença. Mas foi principalmente o sucesso da revolução parisiense que incitou os liberais de Viena a desencadear, por sua vez, uma insurreição (13-15 de março) que também termina pela outorga de uma constituição. Um novo motim em Viena em 15 de maio permitirá aos liberais obterem a eleição de uma Assembléia Constituinte em substituição à Constituição Outorgada.

De Viena, a revolução se espalha. No império austríaco, multinacional, a queda de Metternich desencadeia as revoluções nacionais “centrífugas”. Os alemães e os italianos disso se aproveitam para procurar estabelecer sua unidade. Por toda a parte, na Europa central, os traços do feudalismo são abolidos, e assim a revolução assume um caráter social.

Na Alemanha, onde já se preparava a eleição de uma Assembléia Nacional, insurreições políticas – para a obtenção de uma constituição – explodem em Saxe, Baviera, na Alemanha Oriental, mas sobretudo em Berlim (18-19 de março), onde o rei aceita a eleição de uma Constituinte.

No Império da Áustria irrompem movimentos nacionais: na Boêmia (abril); na Croácia (abril); na Hungria (27 de março) e mesmo entre os romenos da Transilvânia.

Na Itália, a notícia da insurreição de Viena suscita em Milão (18-22 de Março) e em Veneza (18-19 de março) a revolta contra a soberania austríaca sobre o Lombardo-Veneziano. Igualmente, os pequenos ducados vassalos, Parma e Módena, expulsaram seus soberanos em 24 de março. Com excessiva audácia, o rei do Piemonte pôs-se à frente da luta contra os austríacos refugiados no “Quadriláterio” – praças-fortes de alta Veneza. O Papa e o rei de Nápoles recusam-lhe ajuda. Logo que os austríacos se sentiram mais fortes esmagaram os piemonteses em Custoza (julho). Mas o movimento popular não termina ai, e, julgando as reformas insuficientes, os patriotas estabeleceriam, no fim de 1848 e começo de 1849, a República nos Estados Pontifícios e na Toscana.

Somente a Rússia, a Espanha, Portugal e a Escandinávia escapam desse abalo extraordinário. A Grã-Bretanha conhece em abril uma vasta manifestação dos “cartistas” que queriam reformas democráticas; este fato, porém, não teve conseqüências.

Triunfante em abril e maio de 1848, a revolução conhecerá um refluxo mais ou menos lento segundo os países. Os exércitos austríacos derrotam de novo os piemonteses em abril de 1849 e restabelecem o grão-ducado da Toscana. Na França, onde os extremistas haviam sido esmagados nas batalhas de junho, a eleição para presidente da República de Luís Napoleão Bonaparte em 10 de dezembro de 1848 e de uma assembléia legislativa de maioria monarquista em maio 1848, marcaram o fim da Revolução, antes que Luís Napoleão instaure a sua ditadura mediante o golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851.

A reação, vitoriosa em toda a França e a Itália nos meados de 1849 (as tropas francesas restabelecem então o papa em seu trono), desenvolve-se na Áustria segundo um processo mais lento. Os tchecos são subjugados desde junho de 1848, os liberais austríacos desde outubro; em compensação, é preciso esperar agosto de 1849, e a intervenção das tropas russas para que termine a guerra nacional desencadeada pelos húngaros.

Quanto à Alemanha, quando os soberanos estabeleceram seu poder nos Estados, o “Parlamento de Frankfurt” verdadeira assembléia constituinte eleita pelo sufrágio universal, mas sem dispor de tropas nem de recursos financeiros, é por sua vez liquidado. Todavia, a Prússia procura realizar ali uma “União restrita” entre os soberanos. É preciso um ultimato austríaco para que em novembro de 1850 a Prússia renuncie a seu projeto.

No fim de 1850, tudo se acaba. Por toda a parte a revolução foi sufocada. Por toda parte os “reacionários” estão no poder e o exercem de modo enérgico, tais como Schwarzenberg na Áustria, Brandenburg na Prússia, o cardeal Antonelli em Roma. Todas as esperanças das nacionalidades se frustram. O mapa da Europa continua o mesmo.

A Alemanha regressa à “Confederação Germânica” de 1815, muito aquém das suas aspirações à unidade. A Itália continua sendo uma “expressão geográfica”. Tchecos, croatas e húngaros são submetidos a uma implacável centralização.

Entretanto, desse grande movimento, alguma coisa essencial subsiste. Primeiro, a França conserva o sufrágio universal. Embora este não consiga impedir o golpe de Estado e o restabelecimento do Império, constitui, a longo prazo, uma vitória estrondosa, para que a democracia veja pela primeira vez no mundo uma grande potência adotar um sistema eleitoral fundado sobre a vontade popular. Em seguida foram destruídos os últimos vestígios do regime senhorial, sem que houvesse possibilidade de serem novamente implantados em todos os lugares onde ainda subsistiam, excetuando-se a Rússia, aonde a servidão só será abolida em 1861. Enfim, a maior parte dos Estados conserva suas constituições, outorgadas ou votadas. Dois deles, a Prússia, cuja irradiação moral e intelectual era intensa na época, e o Piemonte, outrora campeão infeliz das liberdades italianas, vão servir de pólos de atração para os movimentos nacionais. Não se tardaria muito em descobrir suas conseqüências.

3) A Era da Grande Política Econômica

Uma das razões que explicam o fracasso das revoluções de 1848 é o medo do “perigo vermelho”. Se os meios avançados das cidades eram favoráveis às revoluções, os camponeses, em sua unidade, eram contrários à desordem. Os socialistas lhes eram apresentados como “partilhadores”, isto é, os que repartiriam as propriedades. Desse modo na França, após terem eleito os republicanos em 1848, elegeram os realistas em 1849. Nos plebiscitos do segundo império, responderam com um sim unânime. O caso do ultimo deles é significativo. Em 9 de maio de 1870, para a reforma do império – mas na realidade para sua manutenção – houve 7.358.000 “sim” contra 1.572.000 “não”. Mas em Paris o total foi inverso: 138.000 “sim” e 184.000 “não”. Lion, Marselha, Bordéus, Toulouse, Saint-Etienne votaram “não”. Assim se esboçava com uma clareza crescente a brecha entre uma França revolucionária e dinâmica, que olhava para o futuro nas cidades, entre os operários, os artesãos, os pequenos burgueses, e uma França conservadora e passiva com os camponeses e a burguesia.

Em todos os países da Europa, com exceção da Inglaterra, a reação contra o “perigo vermelho” se fez sentir no decorrer da década de 50. No Império da Áustria, o “sistema de Bach” (ministro do interior) se baseava na centralização e na opressão. Na Prússia, o rei era dominado pela “camarilha”, pequeno grupo ultra-reacionário de fidalgos provincianos, em conflito declarado com os burgueses da Prússia renana. Mas em parte alguma a ditadura era mais forte que na França. Aqui, os republicanos foram deportados em massa após o golpe de Estado de 2 de dezembro, o mesmo acontecendo em 1858 após o atentado perpetrado por Orsini, republicano romano, contra o imperador. Quanto aos chefes republicanos, como Victor Hugo, viviam no exílio, de onde lançavam seus raios impotentes contra “Napoleão, o pequeno”.

Quando se faz uma análise do Segundo Império, fica-se impressionado com a sua política exterior ativa, complicada e afinal funesta. Recorda-se também a formação da unidade italiana e a formação da unidade alemã. Ou então impressiona a pressão da década de 50 e o lento progresso do liberalismo no transcurso da década de 60. Não se deve esquecer um outro aspecto deveras importante: a política programada de expansão econômica.

Aí esta sem dúvida a chave para a explicação de fenômenos essenciais. Simiand e Labrousse mostraram que o período de 1817-1850 - das revoluções – é uma fase de baixa de preços, portanto de crise econômica, multiplicando e gerando tensões. Em contrapartida, de 1850 a 1873, os preços sobem. A prosperidade, interrompida por alguns recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a ressurgir na França em 1869, aproximadamente. Com um nível de vida momentaneamente acrescido, as massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a impressão de que o poder favorece a expansão.

Este é o nosso caso, Napoleão III é indiretamente um discípulo de Saint-Simon, que desejava o desenvolvimento da indústria, do comércio e das vias de comunicação. Os anos 50 do século XX. É verdadeiramente a era da revolução industrial, da construção das estradas de ferro. São os franceses que, com Ferdinand de Lesseps, fazem cavar o canal de Suez entre 1854 e 1869. Paris é transformado por Haussmann – o que contribui para isolar os operários relegados no leste, e, em breve, no “cinturão vermelho”.

Uma tal prosperidade, que se estende em escala européia, contribui por algum tempo para transformar consideravelmente a estrutura da Europa. A Inglaterra, mais industrializada que os demais países, tinha adotado o livre câmbio entre 1846 e 1850, porque seus preços industriais eram altamente competitivos e seus camponeses – minoritários – estavam aptos a se defender (não será a mesma coisa depois de 1875, com a invasão do trigo americano). Foi preciso muita audácia da França, à Prússia e à Itália para segui-la. A prosperidade encorajou essa audácia. Pelo tratado Cobden-Chevalier de janeiro de 1860, a França não estabelecia o livre câmbio, mas reduzia consideravelmente seus direitos aduaneiros. Tratados análogos com a Bélgica, o Zollverein (união aduaneira prussiana), a Itália e etc.. estenderam a toda Europa ocidental um sistema de fácil intercambio. Foi possível durante uma dezena de anos em que durou esse sistema pôr a circular livremente as mercadorias, os capitais – e, se necessário, a mão-de-obra. Disso poderia ter resultado uma estreita fusão das economias, se as divergências em política exterior e as guerras não fizessem lograr tudo. É que o nacionalismo permanece mais forte que o “são-sionismo” de Napoleão III, de seus conselheiros, de seus banqueiros. Michael Chevalier e os irmãos Péreire. A Europa deveria conhecer a cruel experiência de duas guerras mundiais antes de ver desenvolver-se um movimento – lento e difícil – a favor da supranacionalidade e da integração. Os são-simonianos haviam chegado um século mais cedo.

Durante esse período, o Reino Unido oferece um contraste com os países europeus continentais. Foi sem dúvida agitado por distúrbios: motins operários de “Peterloo” em 1819, motins e manifestações cartistas a favor de uma reforma democrática de 1838 a 1848, grandes manifestações operárias organizadas por Robert Owen, greves, não raro sangrentas. Mas, ao contrário da Europa continental, soube evitar as revoluções. Democratizou-se de modo progressivo. De um sistema eleitoral tradicional, perfeitamente desigual, favorecendo os camponeses os camponeses do Sul em detrimento dos do Norte, chegar-se-ia em 1884 a um sufrágio quase universal, mas por uma série de reformas empíricas, notadamente as de 1832 e de 1867. Acrescentando aqui, cortando acolá, franqueando o escrutínio a categorias incessantemente mais vastas de eleitores, a Inglaterra recusa a via lógica e cartesiana, prosseguindo na sua prática realista e tradicional.

Ainda aí, o social é a infra-estrutura do político. Em nenhum país do mundo foram os operários mais infelizes. Casebres, jornada de quinze horas, trabalhos de crianças de cinco anos, a Inglaterra conheceu tudo isto em grande escala. Mas, após as leis de 1824-1825, as trade-unions, isto é, os sindicatos, constituem-se e lutam para melhorar a condição operária.

O cartismo tentou captar estas novas forças para as reformas políticas. Após 1850, as trade-unions, ainda reservadas à elite dos operários qualificados, renunciam à ação política direta para se ocuparem exclusivamente da reforma social. Quando, após 1867, numerosos operários adquiriram o direito do voto, nem por isso constituíram um partido trabalhista. Deixam aos dois grandes partidos os whigates e os tories, o cuidado de disputar esse novo eleitorado com propostas de melhorias sociais. Assim, a Inglaterra vitoriana, em seu esplendido isolamento, prossegue seu próprio caminho. Veremos que o mesmo acontece na política externa.

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