quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Século Sombrio Uma História Geral do Século XX




Francisco Carlos Teixeira da Silva Organizador

3.1 Visitando velhos fantasmas: O fascismo na Itália.



A Itália como a Alemanha, constitui-se muito tardiamente como Estado Nacional unificado. Foram as lutas travadas no século XIX entre nacionalistas agrupados em torno da dinastia de Sabóia (do pequeno reino do Piemonte no norte do país, em torno da cidade de Turim) contra a Igreja Católica (senhora de um vasto principado territorial no centro do país) e os austríacos (que ocupavam o norte da Itália, a Lombardia e o Veneto) que resultou, em 1871, na proclamação do reino da Itália com a capital em Roma. A luta pela unificação colocou em lados opostos os católicos, defensores das prerrogativas seculares do papado, e os liberais nacionalistas, favoráveis a unificação, o que só poderia ser feito despojando o papa de seus poderes seculares e territoriais, abrindo assim um profundo fosso na sociedade italiana. O papa, após a unificação, autoconsiderou-se prisioneiro no Vaticano e lançou um anátema[1] contra a participação dos católicos na vida política nacional, por sua vez, os liberais procuraram excluir padres e monges do ensino público, da administração e da participação política, tentando assim, reduzir o clericalismo na vida pública italiana e construir um estado laico.


Com uma sociedade dividida, grande parte da população mergulhada na pobreza e com a maioria dos italianos ainda analfabeta – 74% da população no final do século XIX – a vida política do país se dava em torno de apenas 2% da população, os únicos que tinham direito ao voto. Assim, a participação política italiana era limitada ao pequeno círculo de políticos liberais, as forças armadas e à nobreza que gravitava em torno da dinastia. O novo Estado italiano parecia cumprir a..........falta esse trecho na xerox italiano Tomasi di Lampedusa “precisava-se fazer uma re- esse trecho da Xerox parece não encaixar com a próxima página, até aqui estou na página 146 a página 147 inicia-se da seguinte forma.

Italiano chamaram esperançosamente de Rinascitá (Renascimento) fora esta revolução frustrada. O surgimento de um poderoso movimento socialista – além de um forte movimento anarquista autônomo – já no início do século XX começou a desestabilizar a oligarquia liberal dominante, ao exigir maior participação política e colocar em pauta uma agenda social. A adoção do sufrágio universal masculino ocorrerá em 1913. Ao fortalecer o Partido Socialista, o seu resultado será o aprofundamento dos desequilíbrios existentes.

O país era ainda marcado por uma clara diferenciação entre uma economia agrária, particularmente ao sul, e dinâmicos centros industriais ao norte, como Turim e Milão. Em grande parte do país, a terra era monopolizado por grandes famílias, que haviam aderido à monarquia e conseguido, assim manter seus privilégios. Uma imensa massa de camponeses e pequenos artesãos imigrava para os Estados Unidos, para a Argentina e para o Brasil em busca de uma vida melhor. A monarquia havia procurado aliviar as pressões sociais através de uma ativa política imperialista, conquistando no exterior as terras que faltavam na Índia. Porém, as aventuras militares, particularmente na Etiópia, haviam terminado em fiasco, ferindo a honra nacional. A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) surgiu, então, como possibilidade única de a Itália realizar um projeto de grande potência, conseguindo prestígio e áreas coloniais para assentar sua população, sem necessidade de reformas internas radicais principalmente em torno da questão agrária no sul do país. Embora aliada da Alemanha e do Império Austro-Hungáro, Roma negociou em segredo sua participação na guerra com os britânicos, em troca de lutar ao lado dos aliados (França e Grã-Bretanha), receberia territórios nos Bálcãs (na atual Croácia e Bósnia) e na África liberais e nacionalistas agitaram as ruas da principais cidades italianas em favor de uma imediata entrada na guerra, enquanto socialistas declaram-se contrários à guerra imperialista. Dá-se, então, um fato inusitado: um dos mais populares líderes socialistas, neutralistas e antimilitaristas, Benito Mussolini, redator do jornal socialista Avanti! Exige a entrada da Itália no conflito. Expulso por seus companheiros, Mussolini recebe apoio financeiro de empresários interessados nos gastos de guerra e do governo da França – que necessitava de aliados contra a Alemanha – o que lhe permite fundar o diário Il Popolo d’Italia. O novo jornal tornou-se uma forte tribuna favorável à guerra, ao intervencionismo (defesa da intervenção da Itália no conflito) e aumentou a popularidade do então jovem jornalista e político. Os seus ex-companheiros socialistas acusaram-no de ser vendido ao grande capital. Na verdade, Mussolini percebeu as chances que a abria aos determinados e aventureiros.

Junto a escritores famosos, como Filippo Marinetti, Gabriele D’Annunzio e Mario Carli, Mussolini assumiu uma postura favorável a uma revolução dos costumes e modo de viver, aderindo ao futurismo como visão de mundo: a guerra seria o caminho para a redenção da Itália, da superação das oligarquias políticas tradicionais e a abertura de caminhos para aventureiros. Depois de breve participação no conflito, quando é ferido, Mussolini retornou a Roma e reassumiu Il Popolo d’Italia, em que transformou os arditi – tropas de elite italianas famosas por sua coragem e desprendimento – em modelo do novo homem italiano. Entretanto, a paz trouxe graves decepções para os italianos: as promessas de um império foram perdidas. Os EUA através do Plano de Paz do Presidente Wilson, recusaram-se a entregar povos e países ao domínio de outros. Os italianos, que haviam perdido 600 mil homens no conflito, declararam-se traídos. “Ganhamos a guerra e perdemos a paz” tornou-se a máxima política que agitou os meios nacionalistas. O poeta D’Annunzio tomou a frente da reação nacionalista, ocupando com um punhado de homens a cidade de Fiume, que deveria ser entregue à Iugoslávia. De Roma, Mussolini agitou as massas contra os “governos liberais fracos e sem condições de defender o povo e a honra nacional”. Ao mesmo tempo, uma onda revolucionária dirigida pelo Partido Comunista e inspirada na Revolução Russa de 1917 sacudiu o norte industrial do país, principalmente Turim. Inúmeros conselhos de fábrica, nos moldes dos sovietes, foram criados. O governo liberal se viu impotente para deter o movimento operário, sendo fortemente criticado pela Confindustria – A grande Confederação Nacional dos Industriários Italianos. No campo, inúmeras prefeituras, de posse de socialistas e comunistas, iniciaram a reforma agrária, despertando o ódio do grande proprietário e o pânico de pequenos e médios camponeses incertos quanto ao futuro. Entre 1920 e 1921, o governo foi exercido por um velho líder liberal, Gioliti, que se mostrou incapaz de apresentar um plano de reformas que apontasse para a ruptura com o passado oligárquico e preenchesse as necessidades de bem-estar dos italianos após quatro anos de sacrifícios de guerra. Em outro extremo, os nacionalistas, em grande número antigos arditi, com suas camisas negras, reuniram-se em fasci – velha palavra que remonta à tradição romana, significando feixes de varas carregados pelos lictores de Roma Antiga, com os quais aplicavam as penas criminais – e agruparam os jovens desesperançados com o regime vigente para combater socialistas e comunistas, principalmente nas fábricas e nas cooperativas camponesas. Liberais, pacifistas, socialistas e comunistas foram os alvos principais de ação dos esquadrões fascistas: com porretes (Il santo manganello) e óleo de rícino, humilhavam, espancavam e matavam seus oponentes. Os representantes da propriedade agrária também apelaram para os fascistas como força de ordem. Assim, hordas punitivas partiram das cidades para o campo, onde espalharam o terror. Nas planícies do Pó, na Emilia-Romagna, na Toscana, onde os esquadrões fascistas atacaram os sindicatos vermelhos e as prefeituras socialistas, autoridades pró-camponeses foram destituídas, cooperativas de trabalhadores rurais foram incendiadas e seus líderes espancados, havendo mais de 600 pessoas mortas em tais ataques. Portanto, em face da impotência do governo liberal, os fascistas surgiram aos olhos de proprietários e capitalistas como o partido da ordem. Em 1921, já havia 200 mil militantes fascistas em esquadrões armados, contando com o fornecimento de armas da polícia e do exército, que dominavam aldeias, cidades e províncias. Assim, foi estabelecido um clima de quebra da ordem constitucional.

O movimento fascistas – marcado por certo caráter explosivo e desregrado – foi enquadrado por Mussolini em 1921 com a criação do Partido Fascistas Nacional (PNF). Fortemente centralizado – Mussolini temia seus concorrentes provinciais dentro do partido -, o PNF aliou-se claramente ao grande capital, com apoio de líderes industriais como Giovanni Agnelli (FIAT) e Giuseppe Volpi (setor elétrico). No entanto, o partido manteve forte base popular 40% dos seus membros foram trabalhadores agrícolas, industriais e marítimos; outros eram estudantes, profissionais liberais, militares e funcionários públicos. A classe média urbana dominava os quadros dirigentes, com 90% dos postos de comando nas mãos da pequena e média burguesia. Mussolini acenava para estes com uma revolução anticapitalista, ou ao menos, contrária aos açambarcadores, mantendo um forte apelo popular e de massas. Em 1922, a crise política agravou-se e Luigi Facta substituiu Giolitti como primeiro-ministro. O novo premier foi inexpressivo e incapaz de conduzir o país através da turbulência, o que permitiu a Confindustria, aos militares e aos membros da família real pressionarem o rei Victor Emmanuel III para buscar uma saída contrária ao ordenamento constitucional. Mussolini percebeu suas chances e organizou uma Marcha sobre Roma com as tropas de camisas negras fascistas. Milhares de militantes saídos de todo o país convergiram para a capital, sem qualquer oposição da política ou do exército. Em 28 de Outubro de 1922, o rei indicou Mussolini como seu primeiro-ministro. Quando isso aconteceu, os fascistas não possuíam nem 40 deputados no Parlamento, mas os liberais e os católicos acabaram apoiando o novo governo por merecer confiança da indústria e do exército. Assim, uma série de medidas começou a subverter a ordem constitucional; Mussolini organizou a sua milícia de Segurança Nacional, que nada mais era do que um grupo de paramilitares que ele deixou sob a chefia de Emílio de Bono – o chefe de polícia – que prendeu, torturou e assassinou os adversários políticos do novo regime; ao mesmo tempo, Mussolini criou o Grande Conselho Fascista, órgão extra-constitucional que passou a aconselhar o governo. Deste modo, foi definido um duplo Estado em que as instituições tradicionais do reino foram gradativamente superadas pelo Estado autoritário-policial-fascista. Após as eleições claramente fraudadas de 1924, o Deputado Socialista Giacomo Matteoti denunciou o Estado Policial e a tortura em discurso na tribuna do Parlamento. Logo em seguida, seria seqüestrado e apareceria morto dias depois. Mussolini resistiu ao escândalo, recebendo apoio do rei, do exército e dos católicos. Assim, conseguiu sair mais fortalecido politicamente depois do caso Matteoti. Por fim, em 1926, Mussolini exigiu plenos poderes e promulgou as leis fascitíssimas que instituíram uma ditadura em que ele próprio assumia o título de Duce (líder)

Assim, quatro anos após a Marcha sobre Roma, a ditadura fascista italiana foi instituída.

3.2 Visitando velhos fantasmas: O fascismo na Alemanha.

A ascensão do Nacional Socialismo (ou nazismo) na Alemanha pode ser entendida no âmbito mais geral da ascensão dos fascismos no período entre guerras (1919-1939). Assim, mais do que destacar suas singularidades – postura que marca a extrema distinção entre fascismo stricto sensu e nazismo vigente em algumas correntes da ciência política de corte liberal – a primeira postura analítica a ser tomada é reconhecer o conjunto das ideologias de extrema direita da época como uma condição fenomenológica decorrente da crise da sociedade liberal. O fascismo – como um vasto conjunto de percepções de extrema direita em ascensão na década de 1920 – decorreu em larga escala do acelerado processo de modernização e desagregação das sociedades tradicionais, particularmente sentido em setores da pequena burguesia urbana (Alemanha, Itália e Áustria) ou em amplos segmentos camponeses (Espanha, Portugal, Hungria e Romênia). O processo de modernização oriundo da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na Europa e os efeitos político territoriais dos tratados de Versalhes, Trianon e Neully levaram ao deslocamento de amplos segmentos do campo para a cidade, como foram os casos de Berlim, Budapeste, Turim e Roma, criando amplas massas urbanas deslocadas e anômicas. Para outros segmentos, como a classe média urbana formada por funcionários da administração pública e das empresas privadas, os primeiros sinais do fordismo invasor – em especial na Alemanha e na Áustria – causaram o desemprego estrutural. Da mesma forma, em amplos setores dos funcionários públicos e privados e na pequena burguesia espalhada por milhares de pequenos negócios foi sentida uma profunda nostalgia por uma pretensa ordem social equilibrada e harmônica – cada vez mais mistificada – reinante em momentos anteriores da história. Assim, constitui-se uma utopia reacionária em que os “velhos bons tempos” existiam sempre no passado. A expansão do sindicalismo industrial – quase sempre de inspiração marxistas, muitas vezes no interior dos partidos comunistas e mesmo dos partidos sociais democratas – causou também grande apreensão em tais setores, cada vez mais convencidos de que os trabalhadores de mão sujas estariam – através das barganhas ou conspirações com os governos liberais representativos – usurpando seu prestígio social e acelerando a sua exclusão política e econômica. Os processos de restauração econômica – principalmente na Itália e na Alemanha, caracterizados pela associação entre o grande capital e sindicatos – acabaram por acelerar a monopolização industrial e empobrecimento do campo, acentuando o caráter espoliador – em relação às classes médias – da prosperidade liberal no pós-guerra. Além disso, a expansão do liberalismo – e, em alguns casos, do anarquismo e do socialismo marxista – acentuou a crítica às estruturas tradicionais, em especial ao papel da Igreja Católica duramente criticada e questionada em seu papel de liderança social. Assim tradicionais, como a Igreja, os modelos corporativos de organização social e os governos fortes centralizados – e no nacionalismo os refúgios seguros em face de um mundo incerto e em movimento.

Enquanto no norte da Europa o fascismo foi reativo e defensivo em face à dominância liberal, no sul-sudeste foi claramente preventivo, visando a derrota das forças modernizantes antes mesmo de sua hegemonia na sociedade. Assim, no seu conjunto, os fascismos poderiam ser caracterizados pelos seguintes pontos.

1. Antiliberalismo, antiparlamentarismo e antimarxismo militante, com forte apego às formas tradicionais de organização social e a um Estado, centrado numa personalidade autoritária.

2. A defesa de um Estado orgânico, marcado pelo princípio da liderança, tendo sempre à frente um Fuher ou um Duce.

3. A idéia de uma comunidade do povo como substituta da sociedade dividida em classes sociais (anulação da luta de classes) baseada em princípios metapolíticos e mesmo irracionais, como sangue, raça e história vivida.

4. A negação absoluta de qualquer possibilidade de alteridade, ou seja, a recusa tanto do Eu individual pensante quando do outro diferente e autônomo.

Como fenômeno geral, nenhum fascismo, em sua versão nacional ou local, será idêntico a outro, posto que a busca de um pretenso caráter nacional é parte fundamental da construção da comunidade nacional. Tal processo surge de forma clássica, em meados de 1929, na Alemanha, então governada por uma coalizão de partidos democráticos e que parecia pronta para reocupar seu espaço de grande potência econômica, com um amplo desenvolvimento industrial, inclusive introduzindo novas formas de organização do trabalho, como a produção fordista em massa. Grandes empresas, inicialmente favorecidas por capitais norte-americanos, instalaram-se nos arredores de Berlim e na região do Ruhr e da Renânia, empregando milhares de operários. Grandes sindicatos, tendo a frente a central sindical social democrata, que organizou politicamente tais trabalhadores, fazendo exigências em torno de salários, duração da jornada de trabalho e bem-estar social. Grande parte dos setores médios urbanos, em especial os funcionários das empresas e do Estado, permaneceram excluídas dos novos arranjos sociais e políticos – muitas vezes não reconheciam sequer um partido que pudesse representar no parlamento os seus próprios interesses. Nas coalizões parlamentares, a presença da social democracia era forte e o Ministério do Trabalho ficava invariavelmente nas mãos de um militante saído da burocracia sindical, que cuidava dos interesses econômicos do proletariado em expansão na maioria dos casos, procurando substituir o furor revolucionário dos primeiros anos da República de Weimar por concessões salariais, seguro social e pensões, o que apontava para uma melhoria social da condição operária na República, lado a lado com a decrepitude das velhas elites burocráticas do Estado e do sistema administrativo privado. Ao lado destes, existiam ainda sindicatos católicos – inspirados no catolicismo social, com nítido caráter corporativo, pregando a harmonia entre os empregados e patrões – e sindicatos comunistas, extremamente críticos da atuação da burocracia sindical social democrata e voltados para uma mudança revolucionária da sociedade. Neste contexto, o caráter republicano e parlamentar da República na Alemanha, de cunho liberal e representativo, não era capaz de despertar grande entusiasmo popular. A sua constituição – votada na cidade de Weimar, em virtude de Berlim estar tomada pela revolução comunista (daí a expressão República de Weimar) estabelecera um regime avançado de direitos políticos e sociais, com amplas garantias públicas como forma de esvaziamento do caráter revolucionário de boa parte do proletariado alemão. Portanto, desde 1919-1920, avançam os direitos sociais e a participação sindical no governo alemão.

Na República, dos conjuntos de partidos do arco constitucional – aqueles que aceitavam a existência da República – revezavam-se no poder. Inicialmente, uma coligação de esquerda – com a social democracia (SPD), o Partido Democrata (DDP) e o católico Partido do Centro (Zentrum) – formou o governo. No entanto, aos poucos, uma outra constelação política (de orientação direitista) foi se estabelecendo, com os católicos do Zentrum e o Partido Democrata preferindo uma aliança com o Partido Popular Alemão (DVP), de direita, e ligado aos interesses empresariais. Uma outra possibilidade de arranjo político foi a formação da Grande Coalizão, com a reunião no governo de todos os partidos constitucionais, desde a esquerda social democrata até a direita popular alemã (DVP). Esta era a situação entre 1928 e 1930, quando um velho militante social democrata Hermann Müller, organizou um amplo governo com todos os partidos que aceitavam a existência da República, restabelecendo a Grande Coalizão. No outro extremo do acordo constitucional, a ordem republicana era colocada em questão por dois grupos de partidos: à direita pelos nacionalistas, que nunca aceitaram a rendição alemã em 1919 e a liberal Constituição de Weimar, à esquerda pelo Partido Comunista, que tentara em 1919 realizar uma revolução e fora derrotado pela aliança da social democracia com o conservador exército alemão e os grupos paramilitares (os chamados corpos francos). Os nacionalistas e extremistas de direita acusavam a República – e em especial os social democratas – de terem traído a Alemanha, consolidando o mito da punhalada pelas costas. Tal tema será habilmente manipulado por um até então pequeno partido de extrema direita o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), também conhecido como nazista (corruptela de nacional, em alemão nazional). Este recusava a existência da República, atribuía aos partidos a derrota da Alemanha em 1918 e via tudo como uma poderosa conspiração mundial judaica, especialmente dirigida contra a superioridade racial e cultural alemã, configurando claramente as características centrais do fascismo, tais como: antiliberalismo, antimarxismo e antiparlamentarismo, além da adoção de uma teoria conspirativa – no caso dos nazistas, voltada contra os judeus. Portanto, queriam a liquidação do Tratado de Versalhes – que pusera fim à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e obrigara a Alemanha a renunciar a ter Forças Armadas poderosas, além de obrigá-la a pagar uma imensa dívida de guerra e entregar grande porções territoriais para a França, Polônia e Bélgica. Em pleno funcionamento das instituições republicanas, com crescimento econômico e garantias sociais, a influência dos nacionais socialistas ficou restrita aos grupos reacionários oriundos do exército, à pequena burguesia urbana (lojista e pequenos empresários) e aos funcionários públicos nostálgicos do prestígio usufruído sob o Segundo Reich (1871-1919).

O Partido Nacional Socialista não era homogêneo: grupos rivais disputavam a hegemonia e o controle da hierarquia interna, particularmente a partir de 1930, quando o partido começou verdadeiramente crescer. Uma ala era particularmente ativa: os AS, tropas de choque que desfilavam fardadas portando insígnias pelas ruas e promoviam atos de vandalismo e terror contra judeus, comunistas e locais gays. O seu líder, Ernst Röhm, desenvolvera uma virulenta linguagem anti-semita, acusando os judeus – paradoxalmente identificados com Wall Street e Moscou – de organizarem uma cruzada anti-alemã. Assim prometiam acabar com os tubarões capitalistas, a exploração usuária, identificando capitalismo e judaísmo. Ao seu lado, figuravam ainda os irmãos Strasser (Gregor e Otto), que organizaram sindicatos nazistas e prometiam ir além dos programas sindicais sociais democratas com uma revolução verdadeiramente nacional e socialista. Foi neste clima político que eclodiu a crise econômica mundial de 1929, repercutindo fortemente no país. A fuga abrupta dos capitais norte-americanos e a paralisação do país, principalmente em virtude da queda das exportações, levaram a uma crise profunda, com altos níveis de desemprego e mal estar social generalizado, provocando a perda da solidariedade social. A Grande Coalizão que governava o país não estava pronta para a crise, assim como os mecanismos de bem estar social criados pela República: com um exército de mais de quatro milhões de desempregados (e que chegará a 6 milhões em 1932), as instituições começaram a dar sinais de exaustão. O ponto de ruptura adveio com a discussão sobre o seguro desemprego que, montado para funcionar em uma economia mundial normal (e a pleno vapor), não mais conseguia dar conta de milhares de desempregados. A resposta do governo foi aumentar a contribuição de empresários, trabalhadores e do Estado para cobrir os valores devidos aos desempregados. O Partido Nacional Popular (DVP), representando o empresariado, recusou-se a aceitar qualquer aumento da contribuição do Estado e dos empresários, enquanto o ministro do Trabalho (sindicalista social democrata) recusava-se a aceitar o fim do amparo ao trabalhador ou o aumento exclusivo de sua contribuição. Assim, ruía o último governo democrático da Alemanha, sob o peso da crise e da incapacidade dos seus partidos políticos apresentarem uma solução política viável.

O Presidente da República, o velho Marechal Hindenburg, sinceramente monarquista e conservador, viu chegado o momento para impor uma nova forma de governo à República: desprezando o Parlamento e os partidos, usou seus poderes de exceção e nomeou um governo de minoria sem apoio parlamentar, governando através de decretos presidenciais. Não se tratava de um golpe de Estado: a Constituição previa o caso, mais apenas em circunstâncias especiais e não como norma de governo. O escolhido como primeiro-ministro foi o político católico Heinrich Brüning que procedeu, após assumir o poder, as novas eleições em busca de constituir uma maioria de centro direita que apoiasse. Brüning colocou em prática um programa extremamente severo e impopular, que envolvia redução da massa salarial dos funcionários, cortes nos gastos com seguro desemprego e aposentadorias, além de anular as convenções coletivas de trabalho e aumentar os impostos indiretos. O resultado eleitoral foi catastrófico. Brüning não conseguiu sua maioria de centro direita, pelo contrário, o centro político do país desabou e a extrema direita nazista agigantou-se. Os nazistas passaram de 3% para 18% do Parlamento, com 107 deputados, tornando-se o segundo partido do país, atrás apenas da social democracia.

O Partido Comunista também cresceu. Assim, ocorreu uma nítida crise de representatividade, com os partidos tradicionais de direita (liberal ou nacionalista autoritário) perdendo eleitores para a extrema direita. Brüning apelou então ao presidente para continuar governando por decreto. No entanto, irritado com a política de impostos contra a propriedade agrícola – da qual ele próprio era um representante – e com a proibição das tropas nazistas AS, Hindenburg demitiu o primeiro-ministro, chamando um aristocrata católico profundamente ligado ao empresariado alemão. Franz Von Papen, para o cargo em 1932. Von Papen contou com o apoio de apenas 71 dos 577 deputados. Por isso, mais uma vez o presidente usou os seus poderes de exceção. Von Papen reverteu o programa político de Brüning e procurou uma aproximação com o Partido Nazista, inclusive apresentando Hitler aos grandes industriais e banqueiros do país. Através da intermediação de Von Papen, cessaram as reservas que os grandes capitalistas nutriam contra o palavreado demagógico do Partido Nazista (principalmente em torna da idéia da revolução apregoada por Röhm e pelos irmãos Strasser), recebendo vultosas contribuições financeiras. Assim, quando ocorreram as novas eleições, houve um clima de extrema violência, com os nazistas dominando as ruas e estabelecendo o terror no país.

O partido saiu das eleições como o mais forte, tendo 43,9% dos votos. No entanto, ainda não tinha condições de formar sozinho um gabinete. Por isso, Von Papen ............. esse trecho do texto está apagado na última linha da página 154 ele respondeu com vigorosa negativa. Na percepção do líder nazista, tratava-se de assumir a integralidade do poder e não diluí-lo em meio às outras organizações de direita. Por fim, sem sucesso em convencer Hitler a aceitar um papel secundário no governo, Von Papen procedeu à nova eleição, que resultou em grande surpresa: os nazistas perderam dois milhões de votos, enquanto os sociais democratas (SPD) mantiveram seu eleitorado e os comunistas alcançaram grande vitória. Porém a disputa entre os dois grandes partidos e o veto das Forças Armadas aos comunistas impediram o funcionamento do Parlamento e a formação de qualquer coligação de esquerda capaz de opor-se aos nazistas. A análise política da Internacional Comunista – já dominada pelos stalinistas, que consideravam o SPD social-fascismo – e a crença ilusória numa revolução mundial em virtude da crise econômica contribuíram também para a paralisia da esquerda. A província da Prússia, liderada pelos social democratas e pelo grande centro operário, rebelou-se contra Von Papen e seu governo, mas foi ilegalmente demitida. Para manter a normalidade política, Hindenburg apelou para um reforma autoritária da República, chamando o Exército para intervir na cena política: o general Schleicher assumiu o cargo de primeiro-ministro e negociou com a ala mais populista do Partido Nazista, em especial com Gregor Strasser, tentando formar uma base parlamentar, ao mesmo tempo em que pediu apoio do SPD. No entanto, mesmo demitido do cargo de primeiro-ministro, Von Papen continou conspirando em torno de uma aliança com Hitler: a sua expectativa era domesticar o nazismo e utilizá-lo contra a poderosa estrutura sindical, contra os partidos comunistas e contra a social democracia, viabilizando a sua figura como homem providencial do empresariado alemão. Assim, aproximou Hitler dos círculos católicos e dos empresários que, por sua vez, pressionaram o presidente da República, que demitiu Schleicher. Em 30 de Janeiro de 1933, Hindenburg formou um gabinete com Hitler como primeiro-ministro e Von Papen como ministro do Exterior. Hitler procedeu imediatamente a uma série de mudanças radicais no ordenamento do país: suspendeu os direitos civis e declarou estado de exceção em “defesa do povo e do Estado”; através do apoio dos católicos conseguiu plenos poderes, já independentes do presidente – que morreu em 2 de agosto de 1934, abrindo caminho para que Hitler unisse os cargos de primeiro-ministro e presidente, sob a denominação de Füher.

Após a farsa do incêndio do Parlamento (Reichstag), Hitler colocou fora da lei comunistas e sindicalistas, abrindo nas imediações de Berlin o primeiro campo de concentração (Oranienburg). Várias medidas começaram a ser tomadas contra os judeus, definidos como a origem de todos os males da Alemanha. A ala populista do partido – que ameaçava a aliança com o Exército e o empresariado – foi eliminada na Noite das Longas Facas pelas tropas SS. Inúmeras lideranças nazistas concorrentes com Hitler foram assassinadas, entre elas Gregor Strasser e Ernst Röhm, assim como general Scheleicher. Von Papen foi demitido e enviado para a Turquia como embaixador. Assim, com extrema rapidez, Hitler livrou-se de seus aliados de primeira hora. As massas populares antiliberais e anticapitalistas – que esperaram inutilmente por uma segunda revolução contra o grande capital e novo capitalismo modernizante, e que deveria ser conduzida pela ala mais popular do nacional socialismo, sob a liderança de Ernst Röhm e seus camisas pardas AS, tiveram as suas expectativas frustradas. Em seguida o regime nazista livrou-se dos conservadores tradicionais e dos católicos. Em nenhum momento Hitler enganou-se quanto aos interesses destes parceiros em usar suas forças contra as alas de esquerda e, assim que se sentiu suficientemente forte, tratou de desvencilhar-se deles, estreitando a base social da ditadura. Quanto mais exígua esta se tornava, mais fundamental era a mobilização do conjunto das massas sociais como forma de participação política e de consolidação do regime. Assim, a agitação em torno da conspiração judaica, do deboche contra a raça – a alusão ao homossexualismo – ou da conspiração negra (dos padres católicos), assim como o ufanismo racial e nacionalista, serviam como instrumento de coesão em torno de um regime que via sua base social encolher. Outros instrumentos, como a promoção social do lazer, com festas coletivas, viagens prêmio, jogos e amplo desenvolvimento das atividades ao ar livre – compunham o quadro da construção do consentimento coletivo em torno da ditadura nazista. No entanto o Estado nazista não descuidou em momento algum da construção de um grande aparato repressivo, centrado no Reichssicherheitshauptamt, um super ministério encarregado da vigilância, perseguição, prisão e extermínio daqueles considerado inimigos do Estado e que iria levar a apoteose do assassinato industrial em massa nos campos de concentração e extermínio. A mobilização permanente das forças sociais e a substituição da participação política clássica por um processo constante de apelo do líder às massas implicaram justamente na definição de inimigos objetivos (antipovo, antiraça, antinação) para condenação pública e justificação do caráter policial do Estado.

A derrota da Alemanha, e seus aliados, frente aos russos, americanos e britânicos em 8 de março de 1945 deveria por fim, em definitivo, a quaisquer possibilidades de retorno do flagelo do nazismo. Contudo não foi isso que ocorreu. Logo após a guerra, primeiro na Itália e depois por toda a Europa, reorganizaram-se as forças fascistas, chegando mesmo a criar na Suécia uma associação de partidos fascistas de todo o mundo, a chamada Internacional de Malmo. Começavam os tempos da ressurgência do fascismo.

4.0 O Retorno de um Fantasma: A ressurgência do Fascismo.

A ressurgência do fascismo, a partir dos anos 80 do século XX, guarda marcas absolutamente novas e características. Não se tratava, desta feita, como o foi nos anos 60, da aparição de pequenos grupos saudosistas, compostos de veteranos da dejá-vu, reunidos em um hotel de província qualquer, como na Alemanha, dos anos 60, com organizações diretamente herdeiras do fascismo histórico, como o Nationaldemokratischen Partei Deuthsland (NPD), nitidamente constituído por quadros médios do antigo Terceiro Reich. Sua atuação pautava-se claramente na tentativa de testar a tolerância do sistema político da República Federal e, além de tudo, em buscar instrumentos que pudessem ser utilizados como forma de propaganda. O clima de Guerra Fria, com o forte sentimento anticomunista existente na Alemanha Ocidental, ao lado da presença soviética na República Democrática Alemã (DDR), a chamada “zona de ocupação soviética”, eram compreendidos como fatores capazes de atrair simpatias para um movimento que se erguia como tendo sido historicamente uma barreira face à expansão bolchevique. Da mesma forma, a forte presença, de quase três milhões de pessoas, expulsas de seus lares antigos territórios das antigas províncias alemães da Prússia Oriental (anexados à Polônia e à União Soviética), constituía uma clientela capaz de garantir um eleitorado fiel a quem se dispusesse a propor visionariamente a revisão dos Acordos de Ialta e Potsdam. Neste sentido, o Nationaldemokratischen Partei, com suas palavras de ordem tiradas do movimento de rua dos anos 30 e sua plataforma política de revisão das conseqüências da Segunda Guerra Mundial, apontava para o passado e era constituído por homens do passado.

Na Itália, por sua vez, ao longo dos anos 60, o clima político mostrava-se ainda menos propício ao desenvolvimento de uma organização de tipo fascista. A forte presença de dois grandes partidos de massa, a Democracia Cristã, herdeira dos Popolari, e o PCI, historicamente antifascista, ocupava largamente o cenário político nacional. O MSI – Movimento Social Italiano, fundado logo em 1946 por ex-integrantes do partido fascista mussoliniano, mantinha-se como um movimento saudosista, centrado fortemente na figura de Mussolini como grande administrador e garantidor da unidade nacional. O fascismo propriamente dito, como movimento político de características próprias, era visto como algo secundário, dispensável ao modelo de Estado forte e do anticomunismo militante. Os males infligidos a Itália surgiam como conseqüências da associação como a Alemanha Hitlerista, que havia arrastado o país para o desastre. A carreira inicial do fascismo, com a violência política, a supressão das liberdades, atentados e assassinatos era, pura e simplesmente, reescrita. Assim, ao longo de todo o período do pós-guerra o MSI jamais apareceu como uma alternativa válida de poder, nem mesmo quando a Democracia Cristã via suas instáveis coligações ameaçadas de naufrágio. Mais tarde, a guinada eurocomunista do PCI, sob Enrico Berlinguer e a proposição do “Compromisso histórico”, reduziriam a migalhas qualquer pretensão governativa do MSI, uma vez que o próprio PCI impunha-se como possibilidade de estabilidade governativa para a Itália. Talvez aí resida a explicação básica do fermento putschista da extrema direita italiana, com seus contatos com as. FIM DO TEXTO

[1] No cristianismo, é a maior e a pior sentença de excomunhão da Igreja, onde o anátemo, além de ser expulso da igreja com todos seus ritos eucarísticos e todas as atividades voltadas ao fiéis, ainda é considerado como amaldiçoado pelo sacerdote. Os anátemas acontecem em celebrações públicas e são feitas por pontífices maiores, como bispos e cardeais. Em algumas tradições cristãs existem ritos específicos para o anátema.[1]. O anátema é o mais severo caso de excomunhão, ocorrendo somente nos piores casos possíveis de heresia contra a fé.

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